Apesar de ter despertado cedo fui obrigado, tal como previra, a adiar a partida por razões climatéricas.
Não por estar a chover ou por causa do vento, mas sim devido à baixa temperatura que me gelava os ossos.
Tomei o meu completo pequeno-almoço na maior das tranquilidades, enquanto o Sol fazia o seu trabalho de amornar a atmosfera.
Já passavam das 10h00 quanto as condições mínimas para o início da etapa ficaram reunidas.
Iniciei a jornada, percorrendo uma dezena de quilómetros pela estrada principal até à cortada (à esquerda) para a Golomoti e sucessivamente até Cape Maclear.
Pouco depois iniciava a descida vertiginosa por uma estrada de feitio serpenteado que me levaria quase até à cota do Lago Malawi.
Rapidamente apercebi-me que não podia exagerar na velocidade de descida. A inércia do meu velocípede obrigou-me por várias vezes a aplicar os travões a fundo, de maneira que eu quase rodava sobre os punhos e passava para a frente da bicicleta.
Notei que alguma coisa não estava bem com a minha roda traseira.
Parecia que o aro estava empenado ou então quinado pois cada vez que aplicava os travões, a bicicleta abrandava aos solavancos evitando que a travagem fosse uniforme ou progressiva, para passar a ser alternada.
A meio da descida parei nas instalações do maior construtor de máquinas de terraplenagem, que com o seu método artesanal fabrica autênticas obras de arte, onde não falta o mais ínfimo detalhe.
Enquanto visitava as instalações fabris, um grupo de cabras decidiu atacar o stock de bananas que eu havia deixado na bicicleta. Resultado… Fiquei sem o meu almoço.
Continuei a descer a cordilheira até quase chegar ao cruzamento com a estrada que vinha de Salima, altura em que tive mais um furo.
A princípio pressupus ser apenas mais um furo como qualquer um dos outros, mas a realidade acabou por ser ligeiramente diferente.
De facto eu tinha um furo no pneu traseiro. O mais estranho era que o furo não se encontrava no piso do pneu, mas sim no lado do aro. Além que não era um furo no sentido lato da palavra, mas sim um pequeno corte longitudinal.
Recordei que o furo que havia tido pouco depois de sair de Chipata (Zâmbia) era idêntico, ou seja um pequeno corte longitudinal no lado interior da câmara-de-ar.
Enquanto tentava encontrar uma explicação para o estranho fenómeno, foram surgindo vários curiosos ao meu redor.
Para não serem diferentes dos seus vizinhos Zambianos, todos queriam ajudar, todos percebiam da arte, todos eram mestres vulcanizadores, todos libertavam vapores etílicos e todos só pensavam no dinheiro que iriam ganhar por estar a ajudar o “branco”… até ao ponto que já discutiam entre eles quem teria o direito de reparar o meu pneu, mesmo que eu não tivesse pedido nada.
Mas não passou pela cabeça de nenhum deles, que o facto de eu estar a viajar de bicicleta sozinho, teria obrigatoriamente que saber reparar uma câmara-de-ar e de ter ferramentas para o efeito.
Usei a mesma táctica utilizada em Chipata. Disse-lhes que se quisessem me ajudar podiam fazê-lo, mas não seria a troco de dinheiro.
Remédio santo. Em menos de 1 minuto, todos os “mestres” abalaram. Uns caminharam ao longo da estrada sem destino, outros desapareceram no mato de volta ao local de onde vieram.
Apenas permaneceram as crianças com a sua humilde curiosidade. Mantinham-se perto de mim a observar boquiabertos como eu colocava e tirava a roda sem usar ferramentas. Soltavam sons de espanto e risadas quando viam o tamanho da bomba de encher os pneus e o tamanho dos restantes utensílios… E seguravam na bicicleta para aparecerem na fotografia.
Com a brincadeira de monta/desmonta o pneu acabei por desperdiçar 1h30m.
Demasiado tempo, considerando que ainda faltavam cerca de 85Kms até Cape Maclear e já eram as 14h00.
Estava indubitavelmente condenado a chegar de noite ao meu destino. A questão agora seria minimizar ao máximo o meu percurso durante o turno nocturno.
Apesar de estar atrasado, parei na vila de Golomoti para beber 2 garrafas de Coca-Cola e comer algumas bananas. Afinal de contas o pequeno-almoço havia sido tomado há 6 horas atrás e as cabras haviam furtado todas as minhas reservas alimentares.
A estrada era boa, com bermas largas e pouco trânsito. Para trás ficara a paisagem de montanha. Encontrava-me agora num cenário plano, repleto de embondeiros e vegetação dispersa.
A luz solar desaparecia progressivamente mas a temperatura mantinha-se amena devido a baixa altitude e à proximidade com o lago.
Às 17h00 chegava ao cruzamento com a estrada que vinha de Monkey-Bay e seguia para Mangochi.
Caso eu não seguisse para Moçambique por via marítima usando a embarcação do Malawi Lake Services (no famoso Ilala), iria regressar de Cape Maclear por essa mesma estrada em direcção a Mangochi para posteriormente chegar a Mandimba (Moçambique).
Quinze minutos depois, o Sol resolve desaparecer por detrás das colinas e das árvores que se encontravam do meu lado esquerdo.
Ainda tinha 20Kms de picada entre subidas e descidas, que seriam percorridos no breu da noite.
A picada estava toda coberta a “espinha de cavalo”, um irritante ondulado que fazia a bicicleta saltar tornando a sua condução difícil e incerta.
Pouco depois ficou completamente de noite. Continuava na picada sem conseguir ver mais que 3 metros para além da minha roda dianteira, a distância que a minha lanterna conseguia iluminar.
O sossego da noite era trespassado pela minha (ruidosa) passagem, com os alforges e o resto da bagagem a saltar e a chocar contra os respectivos suportes.
Pedalei durante uma hora no meio da escuridão, onde por duas vezes cheguei a me ver cravado numa árvore…
Até que surgiu o primeiro sinal da minha proximidade com o final da etapa.
Vinte minutos depois encontrava-me alojado em Cape Maclear, local onde passaria um par de dias enquanto planeava a viagem até à fronteira de Moçambique:
Ou usaria o barco, entrando a Norte (em Metemgula)…
Ou continuaria pela estrada entrando um pouco a Sul (em Mandimba).
Os 125Kms da etapa foram percorridos em 9 horas, grande parte devido ao furo e à paragem forçada para procurar e comprar bananas.
Mein do mato...espero que amanhã tenhas um final feliz na tua chegada ! ! ! ja venceste :) Independentemente de teres ou não um comité de boas vindas, terás certamente um cá em Aveiro ! ! ! Abraço
ResponderEliminarGrande Fontes: a aventura tá a chegar ao fim... depois espero ouvir alguns relatos ao vivo. Grande Abraço C. Mugeiro
ResponderEliminarEm grande Dr. tive agora a ler a peça no diário digital da tua chegada...
ResponderEliminarParabéns pela aventura que já venho seguindo há uns tempos. Vi hoje (15/09/10) no telejornal da RTP2 a reportagem sobre a chegada a Maputo e a (quase) conclusão da aventura. É sem dúvida um grande feito que nem todos teriam coragem para fazer.
ResponderEliminarAbraço
Boas continuação e quem sabe um dia nos encontremos por esses trilhos (de Portugal) fora.
Vi ontem, 16/9, na TV, que a aventura chegou a Lourenço Marques sem sobressaltos. Parabéns e venham lá esses relatos, que a leitura deles é muitíssimo interessante.
ResponderEliminarSoube agora que chegaste a Maputo. Parabéns e um grande abraço.
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