Acordei às 6h40 no meu quarto sem janelas, ansioso por um abastado pequeno-almoço.
Falei com a gerente para adicionar um pacote de esparguete instantâneo à omeleta que ela iria preparar para mim.
Enquanto alguém ia ao mercado comprar os ovos e o carvão para cozinhar a minha omeleta, eu empacotava a minha tralha e colocava-a na bicicleta.
Comi o meu pequeno-almoço no restaurante “semi-abandonado” do motel. Fora sem dúvida uma das melhores omeletas que comera em toda a Zâmbia.
Antes de iniciar a etapa até Petauke, fui forçado a esperar durante 30 minutos para que pudesse ser abastecido de água para a viagem. Pouco depois, vim a saber que o stock de água “potável” do motel havia findado e que uma das crianças que brincava por perto, fora recrutada para ir ao poço encher um jerrycan de 5 litros. Estava explicada a razão do atraso.
Comecei a pedalar às 9h00 para enfrentar os mais de 100Kms que me separavam de Petauke.
Não esperava nada de novo para o dia de hoje. Seria subir na bicicleta, pedalar, pedalar, pedalar… dizer mal do vento… comer bolachas e bananas… beber 2 latas de Coca-Cola… dizer mal da paisagem… e continuar a pedalar.
A solução seria enterrar os auscultadores nos ouvidos, ligar o iPod e desligar o cérebro de modo a que eu entrasse em hibernação em cima dos pedais. Deixaria somente as pernas com os seus movimentos rotativos de maneira a alimentar a deslocação rectilíneo da bicicleta.
Três horas depois cheguei a Niymba. Um ponto a meio da etapa e marcado no meu pequeno mapa como um centro urbano.
Niymba não passava de um bando de barracas ao longo da estrada, sem qualquer tipo de ordenamento. Debaixo das árvores de Niymba havia grupos de jovens sentados à espera do dia de amanhã, sem demonstrarem qualquer tipo de ambição por mudar o curso das suas vidas (tal como em outras vilas).
Procurei um sitio onde pudesse comer alguma coisa, mas os estabelecimentos onde eventualmente se venderia comida, não vendiam mais nada que bebidas (ao menos frescas).
Mais uma vez era claramente visível a diferença entre as cidades (ou vilas) do Este da Zâmbia, e as cidades do Sul do país.
Possivelmente devido ao investimento estrangeiro na zona do Zambeze as cidades e vilas do Sul da Zâmbia aparentavam um maior cuidado com a sua apresentação e estavam providas de infra-estruturas básicas. O Este da Zâmbia parecia esquecido no mapa.
Nem mesmo o facto de ser a estrada principal para entrar no Malawi ou seguir para Moçambique em direcção a Tete, parecia ser motivo para apetrechar a região com algum investimento.
Comprei um cacho de 17 bananas e sentei-me à sombra para prová-las com a ajuda de uma Coca-Cola.
Para não variar a minha dieta alimentar, as bananas seriam o meu almoço e também o resto da alimentação da etapa.
Ainda faltavam mais de 60Kms até Petauke e eu não podia dar me ao luxo de perder tempo em Niymba, apesar de as pernas estarem a apreciar o momento de descontracção.
Continuei caminho por uma estrada igual à outra, em direcção a Petauke.
Mesmo com os auscultadores enterrados até aos tímpanos, conseguia ouvir o irritante e perfurante “Give me Money” que me acompanhava desde a entrada na Zâmbia.
Nada podia fazer contra este facto cultural. Não valia a pena aumentar a minha tensão com esta circunstância. Eu não iria mudar nada… teria apenas que saber viver com isso.
Mais uma vez, mantinha a mente ocupada com memórias do planeamento da viagem e com os roteiros futuros.
Recordava com gosto como tudo começou.
Recordava o meu plano inicial de partir do Cabo Agulhas (extremo Sul de África) e seguir a pedalar pela costa Ocidental Africana até Ceuta.
Acabaria por abandonar a ideia poucos meses antes de iniciar esta viagem.
Nesta decisão predominou a ponderação e a prudência, pois a minha experiência neste tipo de andanças era “zero”. Não tinha prática de cicloturista, nem tinha curriculum de “backpacker”… nem sequer um simples InterRail havia feito nos meus anos de juventude.
Entre muitas dúvidas sobre viagem e muitos receios em trocar o certo pelo incerto, eis que surgiu (via e-mail) o pontapé de saída para a travessia:
“…não importa se vais de Norte a Sul de Este a Oeste, por dois meses, por um ano! Vai! … viver com a culpa de não termos feito o que sonhamos, o viver com os “e se”? É difícil… iniciar uma viagem é metade do caminho percorrido…”
Joana Oliveira
www.movimentos-constantes.blogspot.com
Entre vários trajectos possíveis e de menor extensão, acabaria por optar em ligar duas Capitais de países Lusófonos.
Entre as pedaladas para Petauke, relembrava como havia escolhido e traçado o percurso em uma só semana… nos dois meses seguintes preparara todos os apetrechos necessários para a viagem com a ajuda de alguns amigos e iniciara a preparação física (o resto do treino seria feito já na estrada - em Angola).
Dois meses e uma semana após da escolha do itinerário, estava a voar para Luanda com o objectivo de iniciar a ligação Luanda - Maputo em bicicleta.
Agora, lá estava eu no meio da Zâmbia e com 3.400Kms percorridos em terras Africanas.
Mas “pior” que tudo, era a estranha sensação que a viagem não era extensa o suficiente para as minhas pretensões.
O tempo foi passando e os quilómetros também. A estrada repleta de altos e baixos foi sendo consumida pelo pneu da bicicleta. Por seu lado, as minhas pernas também estavam consumidas mas a distância até Petauke já era pouca.
Eram quase 16h00 quando cheguei a Petauke, 109Kms depois de ter deixado Kacholola. Perguntei por um lugar onde passar a noite junto dos vendedores de refrescos que abundavam na beira da estrada.
Informaram-me que a cidade de Petauke era uns 4Kms para o meu lado esquerdo e que o local onde me encontrava era apenas o cruzamento com a Estrada Nacional.
Dirigi-me à cidade a bastante custo, pois as minhas pernas queriam ficar no cruzamento a beber Coca-Cola.
Nos quilómetros finais antes de Petauke, tentava imaginar como seria a cidade. Seria algo como o que tinha visitado até então, ou seria uma cidade com algum aspecto convidativo. Poderia encontrar uma pensão com ar simpático e onde pudesse socializar com alguém?
Pois Petauke não era uma coisa, nem outra. Era de facto bastante melhor que as vilas e cidades por onde passara nos últimos dias… mas de convidativo não tinha nada.
Voltei à estrada que me levava de volta ao cruzamento e onde avistara algumas pensões.
Acabei hospedado no Rift Lodge por um excelente preço (após algumas explicações persuasivas), com direito a duche quente e televisão no quarto.
Com preços assim, não precisava da tenda para nada…
No total da etapa percorrera 115Kms em 7h18m e tinha de ascensão acumulada 1044 metros.
A etapa do dia seguinte levar-me-ia até Katete (110Kms).
Katete iria ser o ponto da grande decisão, da qual eu não havia perdido muito tempo a estudar.
Reflectiria no assunto durante a próxima etapa e apenas à última da hora. As decisões sob pressão levavam menos tempo a ser tomadas e não deixavam de ser decisões.
- Ou seguiria para Este em direcção a Lilongwe (Malawi);
- Ou seguiria para Nordeste em direcção ao Parque Nacional de Luangwa e posteriormente Malawi ao nível de Jenda;
- Ou seguiria para Sudoeste em direcção a Tete (Moçambique);
Neste momento restava-me descansar e esperar com ansiedade o que a etapa do dia seguinte havia reservado para mim.
A paisagem pode ser monótona mas a adrenalina de ultrapassares as tuas próprias dores e o desconhecido é o que te faz "correr".Força no pensamento!Titi
ResponderEliminarMein do mato !!! Já viste a tua sorte ! banho quente, tv ------- QUE LUXO !
ResponderEliminarAbraço e força nas canelas