Fazia intenções de sair de Lichinga no mais cedo possível, no entanto estava condicionado pela última sessão de fisioterapia no Hospital de Lichinga.
Iria embarcar numa jornada para o desconhecido. O primeiro ponto do mapa onde aparentemente havia “qualquer coisa”, ficava a 316Kms de Lichinga.
Entre Lichinga e Marrupa havia apenas pequenas vilas ou aldeias, cujos nomes apareciam no mapa mas onde me informaram haver somente um punhado de casitas com paredes de barro e telhados de palha.
Ponderava pedalar apenas até Litunde (71Kms) e não até Majune (130Kms), caso o meu joelho acusasse o frio e o esforço.
Não olhava com bons olhos realizar uma etapa longa, logo após as sessões de fisioterapia.
Fui o primeiro paciente a ser atendido na Secção de Fisioterapia do Hospital Distrital de Lichinga, o que me permitiu regressar à Pensão 2+1 em boa hora e me preparar para partir.
Estava um frio de rachar e chuviscava ligeiramente. Eu era obrigado a tomar providências para os 10oC de temperatura ambiente e para a morrinha que já começava a originar pocinhas e pequenos charcos nas ruas de Lichinga.
Pela primeira vez iria pedalar com a camisola térmica vestida. O impermeável também seguiria trajado devido à morrinhice matinal, no entanto contava mantê-lo vestido durante toda a etapa pois iria me proteger do vento que se previa chegar aos 32Km/h.
Despedi-me da Sra. Catarina e do resto dos funcionários da pensão para de seguida iniciar a etapa.
Eram as 9h50 e o vento ainda não impunha a sua presença de forma notória.
O frio fazia estalar os ossos das canelas, contudo o tronco e os joelhos estavam a aguentar-se bem e sem grande queixumes.
Não levava comigo o meu habitual stock de bananas, contava poder repô-lo ao longo do percurso.
Ao longe podia ver várias montanhas que esperava não ter de as subir. Não queria forçar os joelhos nem as pernas na primeira etapa do itinerário até Pemba.
A estrada era boa mas estreita. Tão estreita que se 2 camiões se cruzassem, certamente deixariam os retrovisores para trás.
As calças de mulher compradas para manter os meus joelhos quentes, estavam a fazer efeito mesmo com as baixas temperaturas existentes.
Com o aproximar da hora do almoço, o Sol começou timidamente a romper as nuvens ao mesmo tempo que o meu estômago dava sinais de desguarnecido.
Parei numa pequena aldeia na expectativa de encontrar bananas, mas a única coisa que encontrei foi um grupo de miúdos a correr atrás de uma bicicleta de pau. Teria que me manter a bolachas de chocolate e a goiabas.
A paisagem estava repleta de massivos picos graníticos, plantados por toda a parte e salpicados por vegetação verdejante, contracenando desta forma com o acanhado azul do céu e com o esbranquiçado das nuvens.
As aldeias ao longo da via começavam a escassear, fazendo com que eu passasse cada vez mais tempo ser ver vivalma. O trânsito era praticamente inexistente apesar das comemorações do Dia da Independência serem apenas no dia seguinte.
Cheguei a Litunde, aquele que seria o ponto de paragem (recentemente programado) a fim de evitar esforçar as pernas até Majune. Mas tal como me haviam advertido em Litchinga… não havia nada… e Litunde era a prova disso. Além de 3 casas de barro no meu lado esquerdo, única coisa que me dizia estar em Litunde, era a placa da Administração Nacional de Estradas informando o projecto de manutenção da estrada N14.
A única solução era continuar por mais 55Kms até Majune. Iria expor os meus joelhinhos a mais 3 horas de actividade.
Apesar de a estrada ser alcatroada, esporadicamente surgiam obstáculos extra que eram ultrapassados sem grandes complicações.
Começava a escurecer bem cedo, perto das 17h00. Afinal de contas o Solstício de Inverno havia sido apenas há 3 dias e eu tinha que ter este fenómeno em conta cada vez que partia para uma nova etapa.
Eram as 17h30 quando cheguei ao ponto indicado no GPS, como sendo Majune.
No meio da escuridão consegui ver que havia umas barracas ao longo da estrada de onde provinha música em altos berros. Havia também muita gente na rua que se preparava para a diversão nocturna (no verdadeiro sentido da palavra).
De resto não havia mais nada. Parei a bicicleta e perguntei a uns rapazes que conversavam na berma da estrada, se aquele pequeno cruzamento era a vila de Majune. Prontamente esclareceram-me que sim. Estava em Majune, no entanto o centro da vila era uns quilómetros para a esquerda, seguindo uma estreita estrada em terra batida.
Avancei para o centro da vila. Apesar de ser de noite consegui identificar evidentes traços de planeamento paisagístico.
Ao cimo de uma praceta de forma rectangular, estava o edifício do Município. Da parte de baixo da mesma praceta, estava localizado o mercado e nas laterais havia pequenas casas de cimento com estilo dos anos 50. O pavimento das ruas ou dos passeios há muito que deixara de existir, dando lugar a bocados de entulho por onde circulavam as pessoas e um ou outro veículo.
Fiquei alojado na única pensão existente em Majune.
A vida era feita às escuras com a ajuda da minha pequena lanterna. Segundo diziam, o gerador da vila estava sem combustível e como tal toda a povoação estava às escuras.
Tomei o meu banho a balde, ao ar livre e dentro de um retiro de caniço. Tive que pedir para aquecerem a água do banho para evitar que eu apanhasse alguma hipotermia.
Despejava a água quente pela minha cabeça com a ajuda de um caneco de plástico. Repetia rapidamente o ciclo cada vez que a água deixava de percorrer o meu corpo, nunca tentativa quase infrutífera de evitar sentir frio.
Apesar de estar a tomar banho, os pés estavam constantemente sujos devido à água que caía no chão de terra salpicando-me com lama.
Mais tarde surgiu luz na vila, sinal que alguém havia colocado combustível no gerador para alimentar as festividades da Independência de Moçambique com luz e música.
Uma vez que a pensão não estava provida de serviço de restaurante, pedi para me prepararem o jantar com os meus próprios víveres. Uma sopa instantânea de feijão, meio pacote de esparguete e duas latas de sardinhas, seriam suficientes.
Enquanto devorava a minha refeição, confraternizava com dois jovens locais acerca de minha viagem. Contava-lhe como eu havia chegado até ali e eles explicavam-me como era a estrada a partir dali.
Voltei a pedir informações relativamente ao estado e à segurança da estrada. Quanto ao estado da estrada, diziam-me o que eu já sabia. Até Marrupa era alcatrão… a partir daí não sabiam muito bem.
Quanto à existência de bichezas ao longo do trajecto, diziam eles que a região era povoada por búfalos, elefantes, leões e leopardos e que haveria a hipótese de os encontrar se circulasse de noite. Durante o dia as hipóteses eram mínimas.
Ao longo da conversa, disseram-me várias vezes “...tem leão, mas vai passar…”, concluindo no final do serão com um postulado interessantíssimo “… animal não faz mal às pessoas só por fazer! Só faz mal se calhar fazer…”
Posto isto, não tinha mais nada a perguntar. Fui-me deitar de consciência tranquila, sabendo que o leão não me atacaria… a não ser que calhasse atacar…
Até Majune percorrera 136Kms em 8h00 de viagem
Até Marrupa faltavam 180Kms que seriam percorridos em 2 dias, o que fazia da próxima etapa, uma etapa sem destino fixo. Iria fazer me à estrada e por volta da hora do almoço procuraria lugar para passar a noite.
Olá Pedro,
ResponderEliminarApesar de ir com algum atraso, acabei por fazer uma chamada de atenção no meu blog à sua odisseia extraordinária. Eu sou o Comissário que o encontrou na porta do elevador do hotel e fez a viagem consiga de regresso a Lisboa. Qualquer outro tipo de divulgação que eu possa fazer, disponha. Um abraço e felicidades. Pode-me encontrar em aspartesdotodo.blospot.com