Zâmbia – 3º Dia (Nangweshi – Sioma Camp)

 

Ainda não eram as 7h00 e eu já estava em frente à jante de camião (entenda-se, fogareiro), à espera que a água fervesse.DSCF3371

Preparava-me para cozinhar o meu pequeno-almoço. Cerca de meio pacote de esparguete com duas sardinhas enlatadas.

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Certificara-me com o dono da pensão acerca da estrada para Sioma e qual o seu estado. A resposta foi a que eu esperava – “Sais da pensão e viras à direita…”, ou seja para Sul.

As minhas suspeitas do dia anterior estavam confirmadas. Pelo menos o início da estrada seria areia solta. No entanto mantinha a expectativa que o cenário melhoraria, uma vez que tornei a ouvir a expressão “…very fine gravel road…”.

Pequeno-almoço tomado e bagagem aparelhada na bicicleta, estava na hora de iniciar a jornada. Dirigi-me para o meio da estrada, verifiquei que horas eram e mirei para Sul. Eram as 8h45 e pelo menos durante 5 minutos presenciei o fundo da estrada numa tentativa de ver até onde ia a zona “pavimentada” a areia… Iniciei a pedalada…

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Não foram necessários 5 minutos a tentar pedalar na areia para eu suspeitar que o dia não ia ser fácil. No entanto permanecia na constante esperança de encontrar o troço de “… very fine gravel road…” que todos referiam.

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No estado em que a estrada estava, era impossível conseguir pedalar. A única solução era arrastar a bicicleta à mão pelos trilhos delimitados.

A etapa de hoje seria até um parque de campismo 10kms depois de Sioma, que pelas minhas contas corresponderia a uns 40kms de Nangweshi. Previra cerca de 3 horas para perfazer o percurso, mesmo considerando que a estrada não estivesse nas melhores condições. No entanto nada fazia prever que eu iria arrastar a bicicleta (mais os seus 30kg de carga), durante quilómetros por uma estrada “… very fine gravel road…”

Nas zonas em que era possível montar na bicicleta e pedalar, tentava inutilmente recuperar algum do tempo perdido. O uso  de “pedais-de-encaixe” permitiam-me optimizar a pedalada e consequentemente conseguir com que a bicicleta progredisse no meio do areal. No entanto teria que tomar atenção redobrada para evitar que eu acabasse estatelado no chão devido a não conseguir tirar os pés atempadamente dos pedais.

A condução com areia solta era custosa e imprevisível. O tormento dado gratuitamente às pernas em nada era compensado pelo avanço na etapa, além que a qualquer momento, a roda da frente saracoteava desenhando serpentes na areia solta e acabando quase a 90o com o quadro da bicicleta.

Era então o momento para pôr os pés no chão para não cair, recuperar fôlego e passar alguns minutos a dizer mal da minha sorte e do “…very fine gravel road”.

Dava por mim a tentar perceber o que é que me escapara… que parte da frase é que eu não tinha entendido… “… very fine gravel road…”

DSCF3385Todos disseram que agora a estrada estava boa e que se passava bem.

Seria que antes a estrada estava pior? Teriam os meus informadores a noção que uma bicicleta não é um 4X4? Ou seria apenas um mal entendido e na gíria local, “…very fine gravel road…” significava “estrada de areia muito fina…”?

 

Fosse qual fosse a resposta, eu teria que empurrar/puxar a bicicleta como podia. Ora com as duas mãos no volante, ora com apenas uma mão, enquanto a outra mão puxava a bicicleta pelo selim numa tentativa de evitar que a roda de trás se enterrasse.

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Apenas uma parte de todo o esforço aplicado à bicicleta era reflectido no avanço da mesma. A outra parte destinava-se a segurar e manter a bicicleta numa posição direita. Para isso fixava o guiador ligeiramente curvado para o meu lado, a fim de evitar que esta se afastasse do meu corpo.

A parte mais inglória era sentir os pés a enterrarem-se na areia cada vez que aplicava força para a bicicleta mover-se.

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Estava completamente exausto e nem a constante presença do rio Zambeze à minha esquerda fazia com que o dia parecesse bonito.

De repente vi ao longe as antenas das operadoras de telemóveis. Era sinal que estava a chegar a Sioma. Fez-se ânimo. Quase 4 horas depois da saída de Nangweshi e alguns quilómetros a carregar a bicicleta, iria finalmente poder descansar e saciar a minha fome e sede. Acreditava que o pior já tinha passado e que de Sioma para a frente, a estrada estaria em melhores condições. Assim sendo eu poderia chegar ao parque de campismo ao início da tarde. No entanto e devido à fadiga que o meu corpo acusava, caso encontrasse uma pensão em Sioma, aproveitaria para passar a noite ali mesmo.

Desde que avistei as antenas até eu entrar na vila, passou-se quase uma (interminável) hora. Quando tudo parecia estar à distância de um braço, surgia mais um troço de areia solta, ou mais uma subida ou mais uma fraqueza… ou mesmo tudo junto.

Entrei em Sioma às 13h05 e rapidamente apercebi-me que teria que continuar para o parque de campismo para passar a noite. Não havia nada em Sioma, apenas meia-dúzia de casas de um lado e de outro da estrada fazendo parecer uma cidade fantasma do Farwest.

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Dirigi-me à única loja que vendia bebidas frescas e perguntei se serviam refeições. DSCF3402Responderam-me que não. No entanto poderiam preparar um bocado de nshima, caso eu quisesse. Preferi a solução nº2 que era comprar 2 ovos, pedir para estrelar e come-los com pão adquirido na padaria do outro lado da rua.

 

Depois de Sioma, a estrada em pouco melhorou. Tinha mais troços onde poderia pedalar no entanto a areia solta, continuava bem presente.

Passei pela entrada do “Sioma-Ngwesi NDSCF3409ational Park” e decidi parar para tirar umas fotografias às quedas de água.

Ideia rapidamente abandonada quando o oficial no dever me pediu US$20 só para ver as cascatas.

Às 15h50 encontro a placa que tanto ansiava nas últimas 7 horas. A indicação da cortada para o parque onde iria acampar e descansar.

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Avancei pelo acesso fora, cheio de ânimo e com a ideia que a etapa do dia estava cumprida.

Todavia, não podia estar mais errado.DSCF3417

Poucos metros depois, eu já estava a levar a bicicleta à mão devido à muita areia existente no trilho. Continuava a dizer mal da minha vida e do inteligente que resolveu montar um parque de campismo num lugar sem estrada de acesso. Seria possível não ter pensado que nem todas as pessoas têm um veículo 4X4?

 

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Curva após curva, subida após subida, olhava em frente até onde a vegetação me permitia ver, sempre com a ansiedade de encontrar a placa a dizer “Wellcome to Thebe River Safaris Camp Site”.

 

 

Estava tão cansado que nem me passava pela cabeça a questão dos DSCF3431elefantes, tal como um dos apologistas da “…very fine gravel road…” havia-me advertido.

 

Arrastava a bicicleta há mais de 40 minutos desde que saíra da estrada principal, quando avistei um sinal no meio da vegetação. Tudo indicava que estava no caminho correcto.

 

Exactamente 60 minutos após ter visto a indicação “Thebe River Safaris” na estrada principal, eu chegava ao local do parque de campismo e da pensão…

Ou melhor… chegava ao local onde estes deveriam estar…

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Não havia nada à minha volta a não ser umas mesas e uns bancos feitos de troncos de árvore… Mais nada… Nem uma torneira, nem uma luz… nada, nada, nada… Por alguns minutos fiquei paralisado só a olhar. Estava esgotado. Não tinha forças para ter um ataque de fúria nem desatar a berrar no meio do mato. Só pensava que por causa de uma tabuleta colocada onde não deveria estar, eu tinha arrastado a bicicleta por mais uma hora extra.

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“Se fosse para acampar no meio do nada, tinha ficado acampado na berma da estrada principal” – pensava eu. Além que agora teria que arrastar a bicicleta por mais uma hora de volta à estrada principal… quer isso fosse hoje ou no dia seguinte.

À medida que ia recuperando o fôlego e apercebendo-me o que uma placa mal posta tinha-me feito passar, o sangue ia fervendo e os olhos raiando. Só me apetecia partir o sinal na cabeça de quem o colocou e de quem o mandou colocar naquele lugar.

Antes que eu cometesse alguma loucura, apareceu um jovem para  me ajudar. Disse-me que DSCF3434havia um outro parque de campismo uns quilómetros ao lado. Para lá chegar, teria que voltar à estrada principal, em seguida continuar para sul uns 4kms e quando visse a placa de “Sioma Camp” deveria cortar à esquerda para a estrada de areia. “Outra vez?”

Eram as 17h00 e a solução proposta pelo meu novo amigo, para mim não era solução. Simplesmente porque teria que arrastar a bicicleta durante mais uma hora até à estrada principal, para em seguida enfrentar cerca de 5kms que não sabia em que estado poderiam estar. Tinha pouco mais que uma hora de luz solar, por isso a opção a escolher teria que ser rápida e concisa.

Insisti pelo trajecto alternativo. Sabia que havia corta-matos que poderiam poupar a estrada de areia que eu já havia feito e encurtar a distância.

Surpreso pela minha insistência em seguir pelos caminhos pedonais utilizados pela população local, o meu novo amigo decidiu-se a levar-DSCF3435me até ao primeiro cruzamento. 

Uma vez no local, explicou-me que era sempre a direito e que o parque de campismo era “já ali à frente”.

Seguia por um trilho estreito e repleto de ramagens secas, que me arranhavam a pele das pernas para depois partirem-se nos alforges da bicicleta.

 

Um par de quilómetros mais à frente, deparo-me com algo para o qual não estava preparado.

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Uma rotunda… no meio do mato!

O meu amigo disse-me para seguir sempre em frente, mas não referiu nada acerca deDSCF3441 uma rotunda. Decidi poisar a bicicleta e ir averiguar o local.

Após alguns passos nas duas saídas possíveis, reparo que no centro da rotunda havia uma tabuleta caída.

 

Tal como nos filmes, coloquei o sinal de volta à sua posição original e segui na direcção indicada.

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Mais uns quilómetros pelo meio do mato através de trilhos em que  só passava uma pessoa de cada vez e chego à estrada de acesso para o “Sioma Camp”.DSCF3444

“Sioma Camp” era um complexo de Ecoturismo situado nas margens do Zambeze e gerido pelo Hans Aaskov, um dinamarquês a viver na Zâmbia (www.siomacamp.com).

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Após apresentações, Hans mostrou-me o lugar onde eu poderia montar a minha tenda. Em seguida convidou-me para jantar com ele e com um casal amigo que se encontrava hospedado no Sioma Camp.

 

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Uma vez à mesa, tive que controlar novamente o meu apetite sequioso. Apenas servi o primeiro prato e pouco depois repeti… no entanto mais tarde, acabei por rapar o tabuleiro de tal maneira que se não fosse pelas marcas de azeite, poderia dizer que não tinha sido utilizado para assar as batatas.

 

Havia sido o dia mais improdutivo de toda a viagem.

Foram apenas 57kms percorridos num total de 9h18m, das quais:

- Pedalei durante 3h59m para perfazer 48kms;

- Arrastei a bicicleta durante 2h41m, pisando e calcando areia num total de 9,2kms;

- Recuperei o batimento cardíaco num total de 1h50m;

- Almocei em 48 minutos;

 

Teoricamente, na manhã seguinte faria um mês desde que saíra de Luanda.

Zâmbia – 2º Dia (Senanga – Nangweshi)

 

De nada adiantava acordar de madrugada, pois o barco para Nangweshi demorava a zarpar.

Segundo os últimos DSCF3298rumores, a hora de partida do barco rondava as 16h00. Se tal fosse verdade, traduzir-se-ia em um dia completamente perdido. Poderia esquecer o meu plano de chegar a Sioma durante o dia de hoje.

 

Decidi deslocar-me ao Porto de Senanga com o objectivo de averiguar se havia algum barco que partisse mais cedo. Ao chegar ao Porto encontrei uma barcaça cheia de gente, cujo dono informou-me que partiria dentro de 1h30m, ou seja às 12h00. Voltava a sonhar com a possibilidade chegar a Nangweshi às 14h00 e pedalar os restantes quilómetros de modo a conseguir dormir em Sioma.

Fui a correr buscar a bicicleta e o resto da bagagem para que não perdesse este barco. Sabia que, o que estipularia a partida do barco não era o horário, mas sim os 4 ou 5 lugares ainda livres. Se por acaso os espaços vagos ficassem preenchidos enquanto eu estivesse ausente, o barco partiria sem qualquer hesitação.

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Às 12h00 em ponto estava sentado dentro da embarcação juntamente com todos os outros passageiros. No entanto a partida só viria a acontecer às 14h00 porque o dono do barco e o responsável pelos bilhetes não se entendiam acerca da partilha do dinheiro da viagem.

Como resultado, eu e os restantes passageiros ficámos quase duas horas a cozer o coco debaixo do Sol tórrido das 12h00, até que a celeuma ficasse resolvida.

DSCF3302 Seguia uma vez mais sentado na proa do barco, mas agora numa tábua ainda mais estreita que o “banco” do True Colour Coach.

As diversas caixas de bebidas e outros bens que estavam colocados à minha frente, impediam-me de esticar as pernas. Era obrigado a permanecer na mesma posição durante toda a viagem até Nangweshi.

 

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Navegávamos envolvidos numa calma apenas perturbada pelo roncar do motor do bote. O lençol pintado a azul-escuro sob o qual seguíamos, era engelhado pelo casco da embarcação para logo em seguida alisar-se atrás de nós, como se tivesse sido passado a ferro.

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Olhava para as águas tranquilas do Zambeze com um sorriso perpétuo no coração. Vivia emanado da curiosidade em saber o que os dias tinham reservado para mim, num inconfortável paradoxo entre viver esta espantosa viagem e o facto de encarar cada dia, como um dia normal.

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Sentia-me senhor absoluto dos meus dias vivendo a paixão de cada etapa, acompanhado pelo cheiro inconfundível de África e tendo plena consciência que nesta viagem, nada sabia sobre amargura. Na realidade, tudo estava a ser muito mais acessível que o previsto. Não passara por nenhuma dificuldade, nem sequer necessitara de usar a maior parte dos inúmeros artefactos de  “sobrevivência” que trazia nas malas da bicicleta.

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Meditava sobre a minha viagem e sobre o que já havia passado. Pedalara cerca 1.700kms, atravessara Angola e preparava-me agora para cruzar a Zâmbia. Encontrava-me apenas a ¼ do itinerário planeado e já começava a sentir a incómoda e estranha sensação que estava quase a chegar ao destino final… e eu queria mais…

 

Chegámos ao Porto de Nangweshi às 16h00.

DSCF3341 Rapidamente tratei de obter informações sobre a distância e condição da estrada até Sioma.

Uns diziam que eram 30kms, outros diziam que eram 40kms… no entanto todos diziam que a estrada era “… very fine gravel road…”.

Fiquei tentado em seguir para Sioma uma vez que, e segundo as declarações prestadas, seria possível chegar a Sioma a rondar as 18h00. No entanto e após algumas considerações acabaria por decidir em pernoitar em Nangweshi.  Não valeria a penas arriscar em seguir avante. Bastava uma informação errada ou um percalço durante o percurso para que eu acabasse por chegar a Sioma durante a noite.

DSCF3355Procurei saber se havia pensões em Nangweshi. Indicaram-me o “Nangweshi Inn”, uma estalagem mesmo no centro da vila a menos de um quilómetro do Porto.

 

O caminho até ao Nangweshi Inn foi percorrido a empurrar e a puxar a bicicleta por uma via de areia solta. Aqui notei a primeira grande diferença com Angola - Ninguém veio ajudar…

Fui recebido pelo dono da pensão, um simpático homem de idade avançada, que pôs todas as facilidades da casa à minha disposição. DSCF3361

Mostrou-me o modesto quarto onde eu iria pernoitar, mostrou-me as casas-de-banho sem loiça sanitária (apenas com um buraco no chão) e o cubículo onde tomaria o meu banho a balde.

 

DSCF3372  Mostrou-me também a jante de camião que fazia de fogareiro para o caso de eu querer cozinhar alguma coisa.

Nada que eu não estivesse habituado.

 

Comi qualquer coisa apenas para forrar o estômago e fui ver a vila. Comprei uma Coca-Cola na loja da frente e pus-me a tentar descobrir onde estava a estrada para Sesheke.

Olhei para Norte…DSCF3352

… e em seguida para Sul…

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…não consegui distinguir onde esta estava…

Olhei para dentro da banca de vendas onde eu me encontrava… DSCF3349

… e em seguida olhei para a entrada da pensão...

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Caminhei bebendo a minha Coca-Cola para o meio, daquilo que poderia ser o centro da vila. Voltei a olhar para Norte e para Sul…

Nada… Virei-me para Sul e tentei fazer uma espécie de zoom com o meu cérebro…

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… nada… só via areia mas não via estrada nenhuma Voltei a olhar para ambos os lados… nada… observei os tons do pôr-do-sol…

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…olhei de novo para Sul… e decidi ir para o quarto e não pensar mais nisso.

Estava na hora de ir jantar a minha nshima com molho de galinha-do-mato.

Amanhã de manhã tentaria encontrar a estrada para Sioma…

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Zâmbia o 1ºDia (Mongu – Senanga)

 

Estava ansioso por começar a nova fase da minha viagem, desta vez na Zâmbia. Já tinha o trajecto relativamente preparado e esperava fazer os 330kms até Sesheke em três dias.

Seria o primeiro dia a viajar de bicicleta neste país e para comemorar o feito, decidi arranjar o visual.

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Iniciei a etapa até Senanga às 11h30, com um atraso de 2h30m em relação à hora prevista. Pela frente teria perto de 100kms de estrada asfaltada e pelo que me explicaram, sem grandes desníveis.

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À saída de cidade de Mongu pude visualizar do cimo de uma colina, a imensidão de água a qual eu tinha atravessado dentro de um barco. A estrada pela qual eu deveria ter chegado a Mongu, vindo de Kalabo, estava algures ali cerca 1,5 metros abaixo da superfície.

Pedalei cerca de 1h30m quando senti o corpo a acusar o cansaço. Tinha apenas 30kms percorridos. A início pensei que os dias sem pedalar tinham-me feito mal e que estava desabituado, mas a razão era outra. Eram as 13h00 e o pequeno-almoço tomado às 7h00 já tinha sido absorvido há muito.

Não tinha bananas e a reposição de energia era feita através de bolachas de chocolate, desta vez Zambianas.

Enquanto deliciava-me a degustar as DSCF3258minhas bolachas de chocolate, descobri que estava com sensibilidade dentária no lado direito do maxilar superior. “Só me faltava esta”-pensei.

Cada vez que dava uma trinca nas bolachas, sentia um arrepio gelado a percorrer-me as veias desde o maxilar até à nuca ricocheteando, descendo a espinha passando pelas nádegas, indo acabar no fundo da perna direita.

Para saciar a minha fome, a solução era mastigar as bolachas do lado esquerdo da boca deturpando a realidade às minhas glândulas gustativas.

Não se via quase trânsito nenhum, tinha a estrada practicamente só para mim. No entanto encontravam-se muitos peões ao longo da estrada naturalmente oriundos das pequenas aldeias que brotavam ao longo da via.

Continuava rumo a Sul, enfrentado o vento que se fazia sentir desde manhã cedo. Começava a mentalizar-me que estava condenado a pedalar sempre com o vento de feição. Nos próximos 3 dias continuaria para Sul e uma vez em Sesheke rumaria para Este até Livingstone. Estava curioso por saber se o vento também iria mudar de direcção…

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Devido à pouca aerodinâmica que eu e a bicicleta oferecíamos (principalmente com as malas), a velocidade média poderia ser prejudicada em cerca de 25% a 30% no caso de um dia de vento. Transpondo estes valores para unidades de tempo, significa que uma etapa de 4 horas facilmente se transforma numa etapa de 5 horas, além do desgaste extra imposto às pernas.

Como já era normal os diversos ciclistas locais faziam para serem notados. Vindos não sei de onde, ultrapassavam-me num pedalar frenético sem sequer olhar para mim. DSCF3263 Tentavam ao máximo demonstrar que pedalavam descontraídos e ao seu ritmo habitual, enquanto mantinham-se atentos para detectar se eu embarcava no despique. Para mim era uma vantagem a aparição destes bravos ciclistas pois davam-me a oportunidade de seguir colado na sua retaguarda aproveitando o efeito de “cone de ar” e assim reduzir o resultado nefasto do vento. No entanto ao verem-me fixado às traseiras das suas bicicletas estes começavam a acelerar cada vez mais, cada vez mais, até que esgotavam toda a DSCF3265sua resistência em poucos minutos, deixando-se ficar para trás.

Desconsolado, acabava por continuar a viagem sozinho até que aparecesse o próximo inspirado.

Estava com 3 horas de viagem quando as pernas e restantes partes do meu corpo acusaram de forma acentuada o ritmo que estava a ser imposto.

Rapidamente voltaram as dores que eu não sentia há uns dias, principalmente nas palmas das mãos, nos cotovelos, no pescoço e nos lombares. Começava a achar que os dias sem pedalar haviam relaxado demasiado o meu corpo. Agora eram também as palmas dos pés a dar sinal de modo que cada vez que aplicava força no pedal, parecia que este ia entrar no pé até ao nível da tíbia.

Por incrível que parecesse, o selim ainda não tinha martirizado nenhum músculo.

Estava a fazer-se tarde, por isso as paragens que ia efectuado para esticar e relaxar os músculos tinham que ser breves.

O rio Zambeze que me acompanhava desde Mongu, a poucos quilómetros do meu lado direito, era agora visível da estrada onde seguia. Sinal que estava a chegar a Senanga.

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Pouco passava das 17h00 quando entrei na vila de Senanga. Foram 103kms em 5h50m. Dei DSCF3279uma pequena volta à procura de lugar para passar a noite e acabei alojado na Senanga Safari Lodge.

Uma pequena pensão nas margens do Zambeze, com quartos circulares espalhados pelo recinto mas também com área de campismo.

Após uma breve conversa com o responsável da pensão, acabei por ficar instalado num quarto por um excelente preço.

Estava na altura de preparar a viagem para o dia seguinte.

A estrada estava intransitável pouco depois da vila devido às cheias. A única solução seria apanhar um barco em Senanga e descer o Zambeze até Nangweshi, cerca de 40kms a Sul. Uma vez em Nangweshi poderia pedalar até Sioma no mesmo dia, pois ficava apenas a 35kms.

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Continuavam a dizer-me que a estrada estava viável e que se passava bem de carro, o que permitia-me sonhar com 2 dias de viagem até Sesheke. Teria que ter alguma atenção com os elefantes que poderiam sair do parque (Sioma Ngwesi National Park) e descer até ao rio para se banharem. No entanto seria pouco provável visto haver bastante água na região, não havendo a necessidade destes se deslocarem do seu meio habitual.

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Tive a oportunidade de ver de perto um pequeno troço dos mais de 2500kms do rio Zambeze, possivelmente do mesmo ângulo que Roberto Ivens, Hermenegildo Capelo ou mesmo Serpa Pinto haviam visto 125 anos antes.

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