Estava agora fisicamente em Moçambique.
Navegávamos em águas territoriais Moçambicanas, mas isso não era motivo para as condições climatéricas melhorarem.
Continuava dentro da cabine de modo que a cabeça e o estômago não oscilassem muito. Mantinha a táctica de permanecer na horizontal, reduzindo assim o efeito “pêndulo” a que a cabeça estava sujeita.
A meio da manhã, o Sol resolveu dar um ar da sua graça no entanto o vento continuava impiedoso fustigando a embarcação e criando cordeirinhos brancos nas águas do lago.
Aventurei-me a dar uma volta pelo Ilala e apanhar um pouco de ar. Apesar do vento, a temperatura estava muito mais agradável que no dia anterior.
Fui ao piso de cima onde já conseguia avistar Metangula e pouco depois fui ao piso inferior.
Ou melhor, tentei ir ao piso inferior.
Aquando da paragem em Nkhotakota, haviam embarcado inúmeros passageiros e respectivas cargas, de tal modo que era impossível descer as escadas para o piso debaixo.
Limitei-me a observar a aproximação a Metangula do local onde me encontrava.
No meio da vegetação conseguia distinguir algumas casas de cimento. Contudo o que realmente me chamou a atenção não foram as casas de cimento, nem a antena de telecomunicações que se elevava no céu, mas sim o depósito da água.
Um vulgar depósito da água construído em cimento, mas cuja aparência e configuração eu não via desde que deixara Angola.
O Ilala aproximava-se lentamente da costa.
Do lado esquerdo erguia-se uma vertiginosa encosta verde que fazia-me imaginar o que eu iria passar para chegar a Lichinga.
À minha frente estava Metangula na qual começava a distinguir as pessoas e os afazeres da população local. Algumas pessoas lavavam a roupa nas águas do lago, outras lavavam as suas viaturas e as restantes simplesmente aguardavam o desembarque de mercadorias e passageiros do Ilala. Fosse qual fosse a actividade, o lago estava sempre presente mesmo que de maneira indirecta.
Apesar de conseguir avistar os detalhes das margens, achei curioso não avistar o cais levando-me a suspeitar que o desembarque seria feito através dos botes de salvamento.
Não tive que esperar um único minuto para eliminar todas as minhas suspeitas e começar a ter certezas. Os funcionários do Ilala haviam iniciado o processo de preparação para a descida dos botes.
O embarque para os botes era feito no piso inferior.
Por breves milissegundos tentei arranjar um plano para descer com a bicicleta mais os 30Kg de carga, passar por cima de dezenas de passageiros e chegar ao local de embarque.
Seria uma tarefa quase impossível e que eu não conseguiria realizar sozinho.
De repente fez-se luz…
Rapidamente fui à minha cabine e peguei em todos os meus volumes. Alguns prendi-os na bicicleta, outros seguiram mesmo debaixo do braço.
Corri para o bote que iniciava o processo de descida do meu piso para o piso inferior e atirei tudo lá para dentro.
“Pronto… já está…”- Agora só faltava eu.
Eu não podia seguir o mesmo método da bicicleta, pois tinha que cumprir algumas formalidades antes de deixar o Ilala, além que nada me garantia que os cabos ou o motor eléctrico aguentassem o peso do bote mais o peso extra.
Desci a custo e no meio de ombros para o piso inferior. Passei por cima de bancos e de pessoas. Fui forçando a passagem até que avistei o controlador de embarque. Consegui ver que o bote estava quase cheio, fazendo-me temer que a minha bicicleta seguiria para terra sem mim. À minha frente estavam mais de 10 pessoas e no bote não caberiam todos.
Chamei o controlador com um assobio e gritei-lhe que a bicicleta que estava no bote era minha. Ele entendeu à primeira e mandou abrir alas por entre os restantes passageiros para eu embarcar. Foi mesmo à justa, porque depois do meu embarque no bote apenas restava lugar para mais uma pessoa.
Faltavam 10 minutos para as 15h00 quando iniciamos a pequena viagem até às areias de Metangula.
O vento quase que abalara por completo e o Sol continuava a aquecer o dia como que a dar as boas-vindas a território Moçambicano.
Para trás ficava o mítico Ilala, com quem partilhara mais de 27 horas e 211Kms da minha viagem.
A tranquilidade da viagem de bote contracenou com a algazarra da chegada à praia. Havia passageiros a querem subir no bote mesmo antes de nós sairmos e havia outros indivíduos a descarregarem a carga para a praia sem a autorização dos próprios donos.
Comecei a ver a minha situação em maus lençóis, pois reparei que ainda não tinha conseguido sair do bote e já estavam os novos passageiros sentados em cima das minhas malas.
Nada que não se resolvesse. Bastava explicar com quantos paus se constrói uma canoa em apenas duas palavras de bom português (agora falava-se português). Dez segundos depois estavam dois rapazes para me ajudarem a descarregar a bicicleta, não havia ninguém sentado em cima das minhas malas e eu cheguei a terra firme sem molhar os pés.
Olhei para o Ilala pela última vez (que continuava a descarregar passageiros para os pequenos botes) e dirigi-me para o Posto de Imigração e para a Alfândega.
Estava em Moçambique e o simples facto de ouvir “Boa tarde, como está?” fazia-me sentir em casa.
Perguntei por uma pensão em Metangula e indicaram-me a Pensão Chilenge.
Estava localizada em frente à base naval no cimo de uma pequena colina.
No percurso até à pensão pude ver 2 esplanadas, algo que não encontrara nos últimos dois países visitados.
Parei para beber uma Coca-Cola, mas o estabelecimento só vendia cerveja e sumos concentrados. Continuei em direcção à pensão.
De facto estava num país diferente. Estava em Moçambique e isso notava-se logo à chegada, mesmo numa das zonas mais remotas do país.
A simpatia, a hospitalidade e o interesse pela minha viagem eram mais calorosos.
A ementa dos restaurantes mudara radicalmente. Já podia ler “Cabrito Assado”, “Rojões”, “Vitela”, “Lulas”, etc em vez da já batida “Galinha com batata frita”, “Galinha com nsima”, “Galinha com arroz”.
Passei o serão com o Sr. Jerónimo (dono da pensão) e alguns amigos numa saudável conversa sobre a minha viagem enquanto se assistia a um jogo de futebol na televisão. Voltei a ouvir a frase “Lá tem leões”, quando falámos do meu itinerário em Moçambique, obrigando-me a estudar bem o percurso pós Lichinga.
Nas palavras soltas da conversa apercebi-me de um paradoxo existente no ar. Um paradoxo entre a alegria por estar em Moçambique e a tristeza por estar no último país da minha viagem.
Estava a chegar ao fim…
Para o dia seguinte teria uma etapa de montanha. Seriam mais de 100Kms sempre a subir até chegar a Lichinga.
Li tudo de um folgo,apenas dei, casualmente, com isto e.... Então? Não há mais?
ResponderEliminarFolgo que tenha chegado "são e salvo" a Moçambique, terra de boas gentes :) Aproveite cada bocadinho dessa terra fantástica...
ResponderEliminarAinda que esta seja a última etapa dessa sua viagem, não creio que este seja o seu último País, Pedro... acredito que agora é que tudo vai começar... by bicycle...
Pedro, estou em Maputo. Quando chegar gostaria de estar consigo, eu e vários outros amigos que andam de bicicleta. Vou divulgar o seu blog e a viagem pelos nossos fóruns, para que as pessoas o vão cumprimentando se se cruzarem consigo e o possam ajudar no que precisar. Abraço e boa viagem
ResponderEliminarPedro, não sei se tem telemóvel desbloqueado consigo, mas se tiver sugeria a compra de um cartão da Mcel ou da Vodacom e algum crédito para fazer chamadas. Pode ser muito útil ao longo da viagem por moçambique. Encontra esses cartões e crédito em barracas de ruas que têm placas Mcel ou Vodacom ou em rapazes com colete amarelo/azul das empresas. Abraço
ResponderEliminarRecebi informações que o Pedro chegou há 10 dias a Maputo e já viajou
ResponderEliminarpara Portugal.
Pena a iniciativa ter ficado em círculos fechados e não disponível a todos.
Pena que o blog não tenha sido actualizado :(
Ainda tive alguma esperança que falasse de Revia, que fica na etapa de Majune a Pindura.Mas não. É que rebentei lá uma mina anti carro no dia 28/05/1968.Paciência. No Google fala em Revia Comercial. Não sei.
ResponderEliminarParabéns pela viagem.Li e reli . Um Abraço. AB