Zâmbia – 2º Dia (Senanga – Nangweshi)

 

De nada adiantava acordar de madrugada, pois o barco para Nangweshi demorava a zarpar.

Segundo os últimos DSCF3298rumores, a hora de partida do barco rondava as 16h00. Se tal fosse verdade, traduzir-se-ia em um dia completamente perdido. Poderia esquecer o meu plano de chegar a Sioma durante o dia de hoje.

 

Decidi deslocar-me ao Porto de Senanga com o objectivo de averiguar se havia algum barco que partisse mais cedo. Ao chegar ao Porto encontrei uma barcaça cheia de gente, cujo dono informou-me que partiria dentro de 1h30m, ou seja às 12h00. Voltava a sonhar com a possibilidade chegar a Nangweshi às 14h00 e pedalar os restantes quilómetros de modo a conseguir dormir em Sioma.

Fui a correr buscar a bicicleta e o resto da bagagem para que não perdesse este barco. Sabia que, o que estipularia a partida do barco não era o horário, mas sim os 4 ou 5 lugares ainda livres. Se por acaso os espaços vagos ficassem preenchidos enquanto eu estivesse ausente, o barco partiria sem qualquer hesitação.

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Às 12h00 em ponto estava sentado dentro da embarcação juntamente com todos os outros passageiros. No entanto a partida só viria a acontecer às 14h00 porque o dono do barco e o responsável pelos bilhetes não se entendiam acerca da partilha do dinheiro da viagem.

Como resultado, eu e os restantes passageiros ficámos quase duas horas a cozer o coco debaixo do Sol tórrido das 12h00, até que a celeuma ficasse resolvida.

DSCF3302 Seguia uma vez mais sentado na proa do barco, mas agora numa tábua ainda mais estreita que o “banco” do True Colour Coach.

As diversas caixas de bebidas e outros bens que estavam colocados à minha frente, impediam-me de esticar as pernas. Era obrigado a permanecer na mesma posição durante toda a viagem até Nangweshi.

 

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Navegávamos envolvidos numa calma apenas perturbada pelo roncar do motor do bote. O lençol pintado a azul-escuro sob o qual seguíamos, era engelhado pelo casco da embarcação para logo em seguida alisar-se atrás de nós, como se tivesse sido passado a ferro.

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Olhava para as águas tranquilas do Zambeze com um sorriso perpétuo no coração. Vivia emanado da curiosidade em saber o que os dias tinham reservado para mim, num inconfortável paradoxo entre viver esta espantosa viagem e o facto de encarar cada dia, como um dia normal.

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Sentia-me senhor absoluto dos meus dias vivendo a paixão de cada etapa, acompanhado pelo cheiro inconfundível de África e tendo plena consciência que nesta viagem, nada sabia sobre amargura. Na realidade, tudo estava a ser muito mais acessível que o previsto. Não passara por nenhuma dificuldade, nem sequer necessitara de usar a maior parte dos inúmeros artefactos de  “sobrevivência” que trazia nas malas da bicicleta.

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Meditava sobre a minha viagem e sobre o que já havia passado. Pedalara cerca 1.700kms, atravessara Angola e preparava-me agora para cruzar a Zâmbia. Encontrava-me apenas a ¼ do itinerário planeado e já começava a sentir a incómoda e estranha sensação que estava quase a chegar ao destino final… e eu queria mais…

 

Chegámos ao Porto de Nangweshi às 16h00.

DSCF3341 Rapidamente tratei de obter informações sobre a distância e condição da estrada até Sioma.

Uns diziam que eram 30kms, outros diziam que eram 40kms… no entanto todos diziam que a estrada era “… very fine gravel road…”.

Fiquei tentado em seguir para Sioma uma vez que, e segundo as declarações prestadas, seria possível chegar a Sioma a rondar as 18h00. No entanto e após algumas considerações acabaria por decidir em pernoitar em Nangweshi.  Não valeria a penas arriscar em seguir avante. Bastava uma informação errada ou um percalço durante o percurso para que eu acabasse por chegar a Sioma durante a noite.

DSCF3355Procurei saber se havia pensões em Nangweshi. Indicaram-me o “Nangweshi Inn”, uma estalagem mesmo no centro da vila a menos de um quilómetro do Porto.

 

O caminho até ao Nangweshi Inn foi percorrido a empurrar e a puxar a bicicleta por uma via de areia solta. Aqui notei a primeira grande diferença com Angola - Ninguém veio ajudar…

Fui recebido pelo dono da pensão, um simpático homem de idade avançada, que pôs todas as facilidades da casa à minha disposição. DSCF3361

Mostrou-me o modesto quarto onde eu iria pernoitar, mostrou-me as casas-de-banho sem loiça sanitária (apenas com um buraco no chão) e o cubículo onde tomaria o meu banho a balde.

 

DSCF3372  Mostrou-me também a jante de camião que fazia de fogareiro para o caso de eu querer cozinhar alguma coisa.

Nada que eu não estivesse habituado.

 

Comi qualquer coisa apenas para forrar o estômago e fui ver a vila. Comprei uma Coca-Cola na loja da frente e pus-me a tentar descobrir onde estava a estrada para Sesheke.

Olhei para Norte…DSCF3352

… e em seguida para Sul…

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…não consegui distinguir onde esta estava…

Olhei para dentro da banca de vendas onde eu me encontrava… DSCF3349

… e em seguida olhei para a entrada da pensão...

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Caminhei bebendo a minha Coca-Cola para o meio, daquilo que poderia ser o centro da vila. Voltei a olhar para Norte e para Sul…

Nada… Virei-me para Sul e tentei fazer uma espécie de zoom com o meu cérebro…

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… nada… só via areia mas não via estrada nenhuma Voltei a olhar para ambos os lados… nada… observei os tons do pôr-do-sol…

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…olhei de novo para Sul… e decidi ir para o quarto e não pensar mais nisso.

Estava na hora de ir jantar a minha nshima com molho de galinha-do-mato.

Amanhã de manhã tentaria encontrar a estrada para Sioma…

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8 comentários:

  1. Olá destemido!

    È fantástico como aqui onde há tantas atracções e afazeres, permanecemos fixos às tuas descrições. Desengane-se quem estava convencido que te conhecia … em cada nova página vemos afinal um homem sensível, bom observador, com distinto sentido útil da vida e com uma competência na escrita, que se tem revelado uma novidade absoluta para todos nós. Parabéns Pedro! Não esqueças a sugestão de sempre - BOM SENSO ! - é o melhor aliado.
    Um abraço da família;);)

    Ana Maria

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  2. Grande Pedro;
    Da-lhe com força!!!!!
    Por aqui continuamos atentos à tua fantástica viagem.

    Abraço

    Nuno Sacra

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  3. Epá, estás a escrever muito bem! E não tem só a ver com a forma. Confesso que no início, quando percebi que ias escrever crónicas diárias, pensei: Isto vai ser muito chato. O gajo acorda de manhã, monta na bicicleta e pedala o dia todo. Só que não é só isso. Consegues transmitir muito bem o que vês e sentes e pensas. Isto está muito longe de ser chato.
    Também já estou a ficar preocupado por estares a 1/4 da viagem e o fim se aproximar.

    Um grande abraço,
    D

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  4. "Olhava para as águas tranquilas do Zambeze com um sorriso perpétuo no coração" --> lindo!
    força + abraço apertado

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  5. Olha lá, mas afinal de contas o objectivo é andar de bike, ou andares-te a rebolar em lençois!!!! Cá para mim andas por aí num resort de luxo qualquer e pegas numas fotos e fazes uns truques com o photoshop!!!
    Pedro força aí!!!
    Carlos Miguel

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  6. Grande aventura. Chegamos aqui através do "0 Emissões..." e vamos acompanhar esta tua grande viagem de costa a costa africana.
    Abraço e boas pedaladas!

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  7. Amigo Pedro
    Fantastica aventura...
    Só espero que não tenhas levado a bussula que usámos na prova de orientação de Sicó!!!
    Parabens pela muita força de vontade.
    Abraço Carlos Dias

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  8. Pedro,

    As tuas narrativas são momentos de vivo suspense, de grande determinação, coragem....
    qual Pero da Covilhã?!....tu és o Pedro de Aveiro.

    Quando dizes que és português? Quais são as reacções?

    Decididamente a gastronomia é mesmo muito má!

    Que não te falte a força!

    Um abraço,

    Celso

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