8º Dia (Xá Muteba – Xamiquelengue)

Hoje acordei feliz e dentro da esquadra da Policia Municipal. Feliz simplesmente porque era Quarta-Feira dia 7 de Abril e fazia uma semana que eu estava na estrada.
DSCF2303Rapidamente acondicionei a tenda na bicicleta e dirigi-me à cantina onde jantara na última noite a fim de tomar o pequeno-almoço. Comi uma omelete bem composta para obter a energia necessária para passar mais um dia de 133kms sentado em cima do meu fino selim.
DSCF2308 Aquando da partida observei no céu distante alguns tons de azul arroxeado que me fizeram suspeitar que o dia seria chuvoso. Decidi aconselhar-me com um homem de idade madura acerca do tempo que iria fazer durante o dia, para que eu pudesse tomar as devidas precauções.
A informação recebida desta fonte de sapiência popular era que as nuvens iram passar na outra direcção e era mais que certo que não choveria em Xá-Muteba nem na direcção em que eu seguiria.
Não sei bem porquê, mas 3 Kms depois de ter saído de Xá-Muteba DSCF2312tinha o impermeável vestido e a bicicleta preparada para atravessar a valente chuvada que já caía sobre nós. Pedalei durante 3 horas debaixo de uma chuva intensa que me picava a cara e as pontas dos dedos como se fosse alfinetes.

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Pela primeira vez tive a sensação de me ter enganado na estrada, apesar de não ter visto nenhum cruzamento ou bifurcação. Havia mais de 30 minutos que não via vivalma e o facto da qualidade da estrada ter piorado significativamente, fazia-me crer que estava a seguir algum tipo de estrada de acesso. Continuava a chover… agora moderadamente… o que me obrigou a procurar o abrigo da copa de uma árvore para analisar o mapa e tirar algumas dúvidas de localização. O mapa era claro. Havia uma estrada que vinha de Xá-Muteba e que a dada altura de dividia na estrada para o Cuango e na estrada para Capenda Camulemba. A questão era simples… pelas minhas contas quilométricas, eu já tinha passado a referida bifurcação. Pela minha memória visual, não havia passado bifurcação nenhuma. Tentava estudar o meu mapa de Angola e orientar-me, ao mesmo tempo que a chuva desbotava a impressão em papel normal. Após alguns segundos a tentar perceber a posição qDSCF2319ue o GPS me transmitia e a localiza-la no que ainda restava do mapa, concluí que estava a ir no caminho certo.
Reiniciei a pedalada para 5 minutos depois encontrar um motociclista que vinha em sentido contrário. Perguntei-lhe se estava na estrada para Capenda Camulemba e prontamente recebi a resposta que eu queria ouvir “É ali à frente… vai chegar”… (ali à frente são mais de 60kms…).
Cheguei a Muxinda na hora do almoço, tal como havia planeado na noite anterior no posto da policia de Xá-Muteba. Cruzei a vila toda com alguns populares a correrem para a estrada e gritar palavras de incentivo. Mais tarde vim a saber que a vila já estava avisada… “Vem aí um branco de bina…”. Os camionistas que ali passaram durante estes últimos dias já haviam transmitido a informação que vinha alguém de bicicleta desde Luanda.
Almocei uma muamba de galinha (sempre funge) no restaurante da vila, sob o constante DSCF2321bombardeamento de perguntas e olhares dos curiosos. Tive direito a tratamento VIP e a bebida oferecida para em seguida montar novamente na bicicleta e continuar o meu trajecto. Ainda faltavam cerca de 70Kms, o equivalente a umas 5 horas a pedalar.

DSCF2325A tarde estava agradável para pedalar. O céu quase sempre encoberto e uma temperatura bastante tolerável facilitavam a progressão do meu andamento. Distraia-me com o som do meu iPod nos ouvidos sem reparar que as longas (mas ligeiras) subidas faziam baixar a minha média e consequentemente atrasavam-me.

Cheguei a Capenda Camulenda às 15h20 onde fui graciosamente recebido pelos agentes da autoridade. Estavam à minha espera, pois o posto de Xá-Muteba havia tido o cuidado de informar os seus colegas de Capenda que iria passar um ciclista carregado de malas e para dar o apoio necessário no caso de precisar de lugar seguro para montar a tenda.
Seja como for, o meu objectivo era chegar a Xamiquelengue, uma pequena povoação a 45kms de Capenda. Teria que andar rápido para evitar chegar ao entardecer, porque mantendo a média que trazia deveria chegar em 3 horas.
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O vento de frente era uma constante desde que saíra de Luanda, que aliado às longas subidas existentes não me permitia manter a velocidade média desejada. Tentava aplicar mais força nos pedais com o objectivo de recuperar o atraso, no entanto as pernas desgastadas não conseguiam manter o ritmo por muito tempo e acabava sempre por voltar à minha velocidade cruzeiro. Ia alimentando-me com bolachas de banana com o propósito de ingerir algumas calorias que fornecessem os músculos com a energia necessária para continuar por mais um par de horas…
Começava a entardecer e os óculos de sol eram agora completamente desnecessários. Fazia as minhas contas de previsão de chegada ao destino e as mesmas não eram boas. Quase de certeza que iria chegar de noite, coisa que não me agradava nada de nada.
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Tinha os músculos do pescoço, ombros e braços também doridos devido à posição e às horas que levava em cima da bicicleta o que fazia desta etapa algo mais complexo do que simplesmente pedalar.
A luz do dia era praticamente inexistente e o receio de encontrar com algum tipo de felino começava a pairar. Estava há pelos menos 30 minutos sem ver ninguém e apesar de estar próximo de Xamiquelengue, nunca chegaria antes de mais 1h30 a pedalar. Ouvia diversos ruídos oriundos do meio do mato mas nenhum deles com características alarmantes. A dada altura vejo uma pessoa na estrada e depois de lhe dizer”Boa noite!”, perguntei-lhe apenas a título de curiosidade se havia leões naquela área. “Aqui não… só mais lá à frente… no Moxico…” Fiquei bastante mais descansado, pois o “lá mais à frente” era mais de 300kms.
Um pouco mais à adiante conheci o Fernando, um português que trabalhava em Angola e que já sabia da minha chegada a Xamiquelengue através de um amigo de um amigo, o Loff Sérgio. Informou-me que estava tudo preparado para o meu alojamento e alimentação nas instalações dos Tozé Salufuma onde eu não teria que me preocupar com nada. Fantástico! Só faltava cerca de uma hora a pedalar quase no breu.
Apliquei então o farol traseiro na bicicleta e à frente seguia apenas com uma pequena luz de presença, mais para ser visto do que para ver. Seguiu-se uma hora a pedalar cheia de ansiedade e a pensar no jantar que poderia estar à minha espera.
Não sabia o que era Xamiquelengue, se uma aldeia, se um cruzamento ou uma rotunda. Sabia apenas que este ponto não vinha DSCF2336no meu mapa por isso podia esperar tudo. O que mais me preocupava era que, com os constantes cortes de energia, eu passasse a povoação no meio do escuro e nem sequer desse por ela.  Mas lá ia seguindo com as pupilas dilatadas ao máximo, numa tentativa de aperfeiçoar a minha visão nocturna e com os ouvidos bem atentos aos choros das crianças… sim… porque todas as aldeias têm um bebé a chorar algures e isso queria dizer que eu havia chegado.
Ao longe a iluminar o contorno de uma colina, identifiquei um pequeno clarão que oscilava de intensidade. Após uns segundos de observação não conseguia distinguir se era carro, mota, camião ou simplesmente a aldeia ou vila.
Ainda estava muito longe do clarão e o facto da intensidade da luz variar ligeiramente, fazia-me suspeitar que fosse algo em movimento. Desejava que não fosse nenhum carro, nem nenhum outro veículo. Queria apenas que a luz se mantivesse constante… sinal de povoação. Foram uns longos minutos (talvez 10 ou 30) que pedalei com este cenário à minha frente quando por fim ouço o som inconfundível de uma barraca de bebidas, com a sua música a altos berros. Cheguei! À entrada em Xamiquelengue deparo com a rua repleta de gente, que cruzava a estrada de um lado para o outro. A iluminação era feita por pequenas lamparinas a petróleo ou mesmo por lâmpadas com ligações eléctricas improvisadas. O som das barracas de bebidas que se amontoavam ao longo da estrada impedia que os transeuntes ouvissem a minha aproximação e por diversas vezes tive que fazer uns desvios súbitos para evitar que alguém ficasse debaixo dos meus rodados.
Facilmente dei com a entrada das instalações do Tozé Salufuma e após apresentações fui conduzido aos meus aposentos.
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Tinham reservado um anexo com cama e jantar para mim. Que mais poderia pedir? Após um banho a balde deliciei-me com uma pratada de carne, arroz e batata. O meu apetite voraz começava-me a deixar incomodado e embaraçado. Há dias que comia tudo o que me punham à frente. Desta vez não foi excepção, comi e repeti. Rapei a travessa e quase que fui buscar comida à travessa do vizinho. Acho que estou a engordar!
Obrigado a toda a Equipa da Sinergia e do Tozé Salufuma de Xamiquelengue pela hospedagem e alimentação.

6 comentários:

  1. curioso,
    vim eu de Angola até Aveiro para naturalmente engordar e vais tu de Aveiro até Angola para fazer o mesmo!!
    Aproveita a travessia de Angola pois vá-se lá saber o que gastronomia te espera na Zâmbia.

    Aquele abraço gordo

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  2. Mestre Fontes,

    Uma pergunta. Qual tinha sido o máximo de km's que tinhas feito em bicicleta antes desta aventura?

    Grande abraço e não te esqueças de cortar à esquerda em Albuquerque

    Nuno Oliveira (Caçapava)

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  3. Então Mein do Mato ! ! ! Agora estás com medo dos leões ??? força e guia pela beirinha... Abraço e beijos de todos

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  4. Que bom que acordes feliz!
    No te preocupes por los leones, en teoría en tu lista de cosas para llevar tenías un "spray anti leones", no? ; )
    Bjnho e mais força

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  5. É Pedro parece que em África "já ali" é sempre meio Portugal mais à frente... Boa Sorte para o "restito" da Viagem :) é já ali à frente!

    O Eduardo quer um autógrafo e eu também já agora!

    Acho que vou mandar a SIC fazer a cobertura da travessia :)... Tanta gente famosa por nada. E tu com "feito" destes. Isto é muito mais que um reality show!

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  6. Animal, ja te pus no meu facebook com o titulo Fontes Gump.
    Boa sorte e ve la se es papado por um leao.

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