Continuava deitado no meu pequeno canto com a bicicleta ao meu lado. O colete salva-vidas que fazia de almofada, em nada aliviava as nádegas doridas. Levava mais de 8 horas sentado dentro da canoa a motor e só de pensar que ainda tinha mais 8 horas de viagem pela frente, fazia-me desejar conseguir entrar em hibernação e acordar apenas no destino final. Começava a olhar com um certo interesse para um colchão que estava enrolado à minha frente. Era óbvio que não podia abri-lo e deitar-me nele, mas pelo menos começava a aparafusar a minha cama para as horas de viagem nocturna.
Tudo continuava na mesma. A paisagem continuava a ser água e capim, o motor da embarcação continuava a desligar-se sozinho a cada 3 minutos… e eu continuava deitado com as nádegas numa prancha de madeira e as costas em cima das bagagens de outros passageiros…
Continuava a sentir as tábuas da embarcação a cederem parecendo que esta encolhia cada vez que aceleravam o motor ou parecendo que dobrava cada vez que viravam para a esquerda ou direita...
Continuava a comer pão e bananas… enfim… nada mudara…
A não ser o ajudante do dono do barco que seguia agora à minha frente. Levava na cabeça um capacete de obra amarelo e com um ar de homem conhecedor de todas as leis da natureza, seguia observando o fundo do rio fumando o seu cigarro sentado no tambor de 200 litros onde estava a gasolina para a viagem. Este acto radical não me preocupou muito, uma vez que sabia que existia um extintor no barco e que água não faltava nas imediações. A única questão era saber onde iríamos arranjar gasolina para fazer o resto da viagem caso o timoneiro resolvesse transformar-se em “Tocha Humana”.
O Sol começava agora a desaparecer no longínquo horizonte por detrás de nós, criando no céu inúmeras tonalidades de azul e amarelo, reflectidas no espelho sobre o qual navegávamos. A temperatura baixou ligeiramente levando os meus colegas de viagem a vestir os seus casacos de inverno. Eu permaneci em t-shirt por mais algum tempo até que a humidade existente no ar, chegou-me aos brônquios demonstrando a sua actividade ao nível do nariz e da garganta.
Vesti uma segunda t-shirt para proteger as costas e uma hora mais tarde o impermeável, demonstrando ser uma solução eficaz contra a humidade.
Era agora completamente de noite. Seguíamos iluminados pela lua e pela ponta de cigarro do “homem-sem-medo”, que seguia na popa sentado em cima do motor da embarcação.
Eu já preparara aquilo que chamaria de ninho e onde repousaria durante as próximas horas. O princípio era simples, passara os dois coletes salva-vidas para o chão da embarcação para agirem como almofada e encostaria as minhas costas ao colchão que estava na minha frente. O único inconveniente do meu novo retiro era que não podia esticar as pernas, obrigando-me a viajar com os joelhos quase ao nível do peito.
Encontrávamos com alguma frequência ocultos no capim, pescadores que de pé nas suas canoas iam preparando o isco para a pescaria. Perguntava-me de onde teriam surgido estes vultos uma vez que eu não via terra firme há horas!
Outras embarcações comerciais iam dividindo o estreito canal connosco. A maior parte delas sem nenhuma luz, fazendo-me saltar do meu “ninho” cada vez que ouvia o dono do barco a vociferar ordens no meio do breu para que a outra embarcação se desviasse.
Pelo menos uma vez, íamos abalroando ou sendo abalroados por outro “True Colour Coach” que se fazia deslocar a toda a velocidade em sentido contrário.
Foram mais de 5 longas horas a viajar no escuro, onde eu procurava refúgio no sono com a expectativa do tempo passar mais rápido.
No entanto o simples e natural acto de adormecer era constantemente perturbado por um insecto que resolvia vir bater as suas asas para perto dos meus ouvidos, irritando-me e fazendo-me recordar quão empedernido e dormente estava o meu corpo.
Cerca das 22h30 apareceu no horizonte uma pequena luz vermelha. Era a luz de sinalização da primeira de torre de telecomunicações. Pouco depois apareceu a segunda luz… estávamos a chegar… faltava apenas uma longa hora e meia de navegação até ao Porto de Kalabo.
Em Kalabo teríamos que aguardar pela abertura do Posto Aduaneiro e do Posto de Imigração antes de seguir viagem para Mongu. A estrada para Mongu estava também submersa obrigando-me a continuar viagem no mesmo barco até a este destino.
Passavam 10 minutos da meia-noite quando pisei pela primeira vez solo Zambiano, depois de 16h03m e 194kms sentado dentro de uma canoa a motor.
A maior parte dos passageiros continuava dentro do barco à espera do amanhecer, outros foram para casa de familiares que viviam em Kalabo.
Eu andei por alguns minutos às voltas na pequena praia onde atracámos a tentar decidir o que fazer. Deitar-me a areia era o mesmo que acordar completamente cravado de borbulhas e alergias derivadas das inúmeras bichezas que povoam o território… para não falar nas malárias a que estava sujeito. Tirar a bicicleta do barco para montar a tenda era tarefa impossível.
Parecia uma barata tonta às voltas pela praia, enquanto activava a circulação sanguínea das minhas pernas e escolhia um canto para dormir. Pouco depois apercebi-me que as 16 horas de barco juntamente com o pão e as bananas, estavam a impedir o raciocínio lógico. Não precisava de tirar a bicicleta do barco para montar a tenda. Bastava simplesmente tirar a tenda da bicicleta e monta-la na praia…
tenho acompanhado a sua aventura e isso merece um livro continuação de boa viagem que nos estamos a torcer por si e que corra tb bem
ResponderEliminarabraço
paulo dias
sempre a pedalar. força!
ResponderEliminarAntes das duas páginas de relato , ocomentário que ocorria em cada uma das anteriores era :
ResponderEliminar"ganda maluco" , "é preciso ter coragem" , " Deus o proteja" , "cuidado com os leões" , "coitado ....deu-lhe forte" e assim por diante . Comentários de admiração , de pena e de receio .
Agora , tudo muda de figura e o único comentário que me ocorre é de inveja : " a bronzear-se num cruzeiro , eh!!!!! Boa comida , boa cama , boa companhia...."
Abraço
Ângelo
Sempre foste um bocado tolo... mas mudar de harley para bicicleta é que não me parece muito inteligente!!
ResponderEliminarGrande Abraço,
Machado
Há sempre uma forma positiva de ver as coisas!!! - rápidamente uma aventura em canoa se transforma num belo e rico cruzeiro rio abaixo!!!
ResponderEliminarDepois desculpas-te com a bicicleta para continuares a dormir no belo do iate!!!
grande abraço
Carlos Miguel
Gajo esperto!! :-)
ResponderEliminarEles ainda dizem q és branco?? é q das fotos já pareces muito pro "torrado"...
Beijinhos e continuação de muitas aventuras!
Ana Roma
pareces uma lagosta pá...
ResponderEliminarAbraço e muita força
Luis Vieira (C4)
Grande Pedro:
ResponderEliminarGosto de ler o que escreves gosto de ver as fotos é motivante, sempre que posso venho aqui espreitar para ver se há novidades ;-) estou acompanhar a tua aventura.
Força e animo
Nuno Sacra
Bem, não sei o que será melhor!!! Andar cerca de 100 km diários de bike por meio da savana africana ou uma viagem numa espécie de barco com um timoneiro cheio de vontade de se tornar numa brasa!!!! hehehe
ResponderEliminarEspero que recuperes bem para dares ao pedal em mais aventuras...
Força!!!!!!Estamos a acompanhar te!!!
Grandes Bjinhos ;)
Sónia "Capote Sacramento"
É tudo difícel,belo,penoso e gratificante!Sobretudo para ti...Gosto cada vez mais da escrita.Continua.
ResponderEliminarAbço titi
Si te sirve de consuelo, la comodidad de tu viaje de 16 horas en canoa poco se diferencia de la que yo tuve en mi viaje de 16 horas en un "mega" avión Airfrance de Bcn a Santiago. Aunque seguro que alli tenías paisajes más chulos!
ResponderEliminarUn beso