Angola-Últimos Dias IV (Lumbala N’Guimbo – Porto Fluvial)

 

Acordei bem cedo para me despachar e percorrer os 9kms até ao Posto Fluvial de Kayawe. Pretendia estar no Posto o mais tardar às 7h30 apesar de ter a segurança que o barco não partiria sem mim. Os meus amigos da Alfândega detinham a chave do barco e a autorização de partida só seria dada depois da minha chegada.

No entanto a hora prevista de partida era às 8h00 e por via das  dúvidas eu pretendia chegar 30 minutos antes para poder escolher o meu lugar e escolher onde colocar a bicicleta.

Às 6h00 já tinha a DSCF2988bagagem em cima da bicicleta e estava pronto para partir, no entanto ainda estaria mais 1h30m à espera que o empregado da pensão fervesse a água para eu poder tomar o café da manhã. Segundo o mesmo, o carvão não queria acender daí a água não fervia.

Já passava das 8h00 quando me sentei na bicicleta rumo ao porto. Fiz os 9kms mais rápidos de toda a viagem ao mesmo tempo que rogava pragas ao carvão que “não queria acender”.

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Em tom de brincadeira havia avisado o dono da pensão, que caso eu perdesse o barco, regressaria e o alojamento seria por conta da casa.

 

 

Cheguei ao Porto Fluvial e encontrei mais 3 embarcações que haviam chegado durante a noite. Estavam todas a descarregar uma impressionante quantidade de mercadoria para o cais. Era inacreditável a quantidade de carga que estas pequenas embarcações conseguiam transportar sem irem parar ao fundo do rio.

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Na generalidade, os modelos das embarcações dividiam-se em 4 famílias:

- A Canoa propriamente dita - Era uma canoa escavada num tronco de uma árvore;

- A Canoa barco- que na realidade era um barco igual ao “True Colour Coach”, mas sem motor. Fazia-se mover através do uso de remos e de longas lanças de madeira. A viagem até à Zâmbia poderia durar 7 dias;

- O Barco - do tipo “True Colour Coach”. Ou o que alguém chamou de Canoa com motor. Demoraria 16 horas até Kalabo e mais 6 até Mongu (Zâmbia);

- O Speed Boat – Embarcação inexistente neste porto, mas que demoraria 4 horas até Kalabo e mais 1h30m até Mongu (Zâmbia);

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Enquanto me dirigia para o local de embarque, cruzei-me com o dono do barco. Ia à vila tratar do despacho da mercadoria que havia trazido no dia anterior. Este processo poderia demorar entre 4 a 6 horas até estar resolvido deixando-me a pensar porque é que ele não tinha tratado desta formalidade antes.

Não sei para que vim cheio de pressa e de stress, com a mania da pontualidade. Aqui a vida é simples e vai-se vivendo. Os outros passageiros e o Chefe da Alfândega só diziam “… não te preocupes… se o barco não sair hoje, então sai amanhã…”

De facto, para quê me preocupar? Seria só um dia inteiro sentado no posto fluvial à espera que o dono do barco decidisse partir.

Sentei-me em frente ao posto numa cadeira de plástico gentilmente cedida por um dos oficiais. Instalei-me confortavelmente na cadeira com a cabeça encostada às malas da bicicleta e comecei a fazer contas aos dias restantes de viagem.

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Não sei se foi do cálculo mental ou se foi dos minutos de relaxe na cadeira, mas pouco depois de me ter sentado já a minha mente estava noutra dimensão, onde nem mesmo a gritaria que as crianças faziam à minha volta me fazia regressar à realidade.

Permaneci no limbo do inconsciente durante algum tempo até que a cadeira onde estava instalado resolveu ceder o encosto das costas, fazendo parecer que a minha próxima realidade seria o chão do posto.

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Decidi manter-me em alerta e actualizado sobre as últimas informações quanto à partida da embarcação. Eram cerca das 11h00 quando vejo o dono do barco de volta ao Porto. Perguntei-lhe para quando seria a partida mas em troca obtenho um sorriso acompanhado de toda a calma do mundo e a palavra “…amanhã…”.

Não valia a pena apanhar tensão, afinal de contas eu tinha muitos dias pela frente. Não era por perder um dia que a viagem ia-se atrasar.

A solução era regressar para a pensão da vila, mas desta vez não iria a pedalar. Aproveitaria uma boleia de motorizada e deixaria a bicicleta no gabinete do Chefe da Alfândega, levando comigo apenas o essencial.

Em antecipação à falta de água na pensão, aproveitei para tomar o meu banho no rio, sempre com atenção aos jacarés e sanguessugas.

Uma vez em Lumbala N’Guimbo decidi passear um pouco pela parte antiga da vila e visitar novamente o edifício da administração.

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Tive a oportunidade de conhecer o Administrador do Município (Augusto Kuando) que amavelmente me convidou para jantar em sua casa. Combinámos às 19h30 na entrada da pensão onde eu estava alojado e à hora marcada lá estava o carro do Administrador com o motorista e respectivo segurança para me buscar.

Antes de iniciar a refeição mentalizei-me que não estava sozinho à mesa e que de alguma maneira teria que conter minha devoradora aptidão para comer, mesmo sabendo que possivelmente seria o último funge da viagem.

Em conversa com o Administrador Kuando, ouvi aquilo que já havia ouvido no dia anterior no Posto Fluvial:

“Os últimos turistas que passaram aqui, foi há mais de um ano… passaram de Land Rover… tu és o segundo… antes de vocês, não passou ninguém…”

6 comentários:

  1. Continua a gritar 'comando'! Aquele abraço, Luís - C4, Colónia

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  2. Olá “Mestre” Fontes;)
    Já me tinham dito que os povos africanos são pessoas simples de bom coração, a prová-lo está a forma aprazível como te têm acolhido por todos esses recônditos locais. Agora que consegui descortinar um jovem com a camisola do FCP vestida, reconheço que também têm BOM GOSTO!!!!!
    Juízo………! Parabéns pela tua forma física! Isto não é para todos..
    Um abraço do João Fontes (da mana, do pai , da mãe…).

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  3. Hola pedro muitos parabens, por tu increíble viagem, acá te seguimos desde Barcelona tus entretenidas historias y magníficas fotos, espero que todo siga muy bien y te mando mucha fuerza para que puedas terminar esta gran aventura.

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  4. Amigo Fontes descobri por acaso a tua aventura nessa travessia épica de Luanda a Maputo em cima de duas rodas, fiz a minha campanha africana 28 meses em gago Coutinho no leste de Angola, o troço do Luena a Lumbala Nguimbo era conhecido como a estrada da morte por causa das minas, os leões os mabecos e as hienas eram mato, conhecia bem todo esse percurso de picada nos anos de 72 a 74, costumava contar aos meus amigos todas essas aventuras dos meus 20 anos, como uma coisa do outro mundo e agora fico envergonhado só de pensar que um jovem com duas rodas e carradas de adrenalina e muito "pouco juízo" e um pequeno canivete abre latas no bornal fez afinal o que muitos fizeram armados até aos dentes no meu tempo, fiz o percurso Luanda a Lumbala Nguimbo (Gago Coutinho como se chamava na era colonial) mas no sentido inverso numa viatura civil mas com protecção dum esquadrão dos dragões de Angola e pareceu-me a viagem da minha vida pois havia troços em que a viaturas tinham de ser rebocadas por outras com tracção as quatro e afinal uma simples bikle fez isso com uma perna às costas como se ousa dizer. Estranho a falta das crónicas no blog do percurso Pemba - Maputo ou será que a máquina não resistiu á dureza da viagem.
    Um abraço, muita força para outras aventuras, muita sorte felicidades..!!
    Em anexo algumas fotos de Lumbala, a casa do administrador e o monumento ao aviador e geografo Gago Coutinho um croqui do destacamento onde estive acampado no porto fruvial do rio Mussuma a 8 kms da vila, aliás, onde embarcaste para a republica da zâmbia.
    António Carvalho.
    www.cart3514.blogspot.com

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  5. AMIGO AVENTUREIRO, NOS AÑOS DOS CONFRONTOS DA GUERRA COLONIAL, EU DEIXEI A CIDADE DE LUSO PARA PEDIR A TRANSFERENCIA COMO MONITOR ESCOLAR EM MUSSUMA LUGAR QUE MESMO OS MESMOS COLEGAS NATIVOS NAO QUERIAM, DEPOIS DE PASSAR POR SESSA-CASSONDA COM O BATISMO DO ATAQUE DA UNITA, CANGAMBA, AQUEL MUSSUMA QUE SO TINHA UMA GUARNIÇAO MILITAR SEM O JEFE DE POSTO PARA MI ERA COMO VIVER NUMA VILA. AQUELES SOLDADOS QUE COMPARTIAM A MESMA SORTE QUE EU, OS SOBRESALTOS DA NOITE E OS ESTOIROS DAS MINAS QUE REBENTAVAM AS COLUNAS DE ABASTECIMENTO. O MUSSUMA DO RIO DO MESMO NOME QUE DURANTE A NOITE SALIAMOS PROVISTOS DE UM PETROMAX PARA A PESCA NOTURNA, O MUSSUMA DA LEPROZARIA, O MUSSUMA DAS PICADAS COM MINAS.O MUSSUMA DA POBLAÇAO FLUTUANTE QUE IAN E VINHAM DA ZAMBIA, EU ESTAVA LA PARA IMPARTIR A CULTURA E EDUCAÇAO PORTUGUESA AOS MENINOS/AS NEGROS, APRENDER DELES A SUA CULTURA NAS NOITES DE BATUQUE E DAS VOZES MELODIOZAS DAS MULHERES COM AS CRIANÇAS AS COSTAS EU SOU NEGRO. AGORA QUE VEIJO QUE VOCE ESTA PISANDO AQUELAS BELAS TERRAS QUE FORAM REGADAS COM A SANGUE DE MUITOS, SINTO INVEIJA SANA DESDE A DISTANCIA AQUI NA ESPANHA. FORÇA AMIGO QUE AQUELAS JENTES É MARAVILHOSA, EU FUI FELIZ APEZAR DE TUDO

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  6. JOÃO ALBUQUERQUE oi kutxi kanawa aventureiro chegaste á terra dos Bundas lembraste das pontes?
    as do tempo colonial ainda algumas vão resistindo então a do rio Lungue bungo?
    Tomaste banho no rio? ou tiveste medo dos alfaiates(crocodilos)pois tambem tiveste que andar aos S por causa dos buracos das minas ou foste pelas picadas no interior da selva`aí sim isso é que é bem bonito onde se ouvem aqueles barulhos selvagens e de vez em quando o rugido do Rei Leão.Espero que tenhas provado os maboques e as matunduas e aqueles bandos de galinhas do mato ao amanhecer em bandos de centenas que nem sequer fogem de ti.Espero que não tivesses sido picado pela mosca tsé-tsé e adormecido na kinga.
    pois estive lá em trabalho em maio fiz essa viagem maravilhosa até ao Ninda.
    sou natural do luena antiga vila Luso e cá estou para dar news.espero que tenhas gostado e volta sempre. Um abraço aos Kiokos da tuga.moyoeno uauauè.


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