Ainda não eram 6h30 (hora local) e já se ouvia a algazarra do porto. Durante a madrugada haviam chegado mais dois barcos carregados com todo o tipo de materiais e bens de consumo corrente.
Agora estava na Zâmbia e não foi preciso muito tempo para me aperceber das principais alterações a que tinha que me habituar.
-Deixava de falar em Português, para passar a comunicar em Inglês. O simples “Bom dia, sim” era agora substituído por “Au ariu! Give me money!”;
-Teria que adiantar uma hora ao relógio;
-Deixava de usar Kwanzas para usar Kwachas;
-A condução fazia-se ao contrário, pelo lado esquerdo da estrada;
-Já não havia “funge”… agora era “nshima”, relativamente parecido mas o sabor era completamente diferente;
Como pessoa estrangeira, eu tinha que carimbar o meu passaporte em Kalabo antes de prosseguir viagem, apesar de saber que existia um Posto de Imigração em Mongu.
Esperei até às 8h30 para dirigir-me ao Gabinete do Chefe da Imigração. À chegada reparo que o gabinete estava fechado. Procurei informar-me a que horas o Posto abria e onde estava o responsável. Supostamente a hora de abertura era às 7h30, mas o responsável não se encontrava nem ninguém sabia quando chegaria. Aconselharam-me a dirigir-me directamente à casa do Chefe da Imigração que no caso da sua ausência, a esposa poderia carimbar o passaporte.
À chegada a casa do Chefe da Imigração e depois de uma caminhada sob um sol abrasador, encontro a sua esposa a cozinhar nshima por detrás de um Jipe Pajero sem as 4 rodas, o qual estava assente em troncos e pedras.
Expliquei-lhe a minha situação mas a questão era simples, como eu era estrangeiro teria que ser o marido a carimbar o meu passaporte. A única solução seria de facto esperar que ele regressasse de Mongu e regularizasse a minha entrada no país.
Consegui o número de telefone do Chefe da Imigração e um telemóvel emprestado. Expus-lhe a minha condição e a questão do barco (True Colour Coach) estar à minha espera para prosseguir viagem para Mongu.
Do outro lado da linha escuto aquela que seria a primeira impressão que teria da Zâmbia e dos Zambianos. Um indivíduo rude com a mania que era autoritário dizia-me que estava em Mongu e que eu teria que esperar por ele em Kalabo nem que fossem 2 dias.
Mongu era a cidade para a qual eu me deslocava e também tinha Posto de Imigração, o que quereria dizer que era possível carimbar o passaporte lá. Mas ao bom estilo de quem quer impor a sua autoridade, o Chefe da Imigração referia ser o responsável do departamento de Kalabo e como tal eu teria que esperar.
De nada adiantava referir que eu tinha a “canoa com motor” e os seus passageiros à minha espera, pois este continuava a insistir que eu teria que esperar. O restante não era problema dele.
Passou-me pela cabeça embarcar sem carimbar o passaporte e posteriormente regularizar a minha situação em Mongu. Mas por ser Sábado, os escritórios da Imigração estavam fechados e eu teria que aguardar mais 2 dias em situação “ilegal” até poder dirigir-me ao Posto de Imigração. Preferi não arriscar.
Esta enervante reacção por parte de alguém que queria fazer-se passar por importante e imprescindível fez-me recordar saudosamente a simpatia e cooperação que sempre encontrei em Angola.
Entretanto o dono do True Colour Coach e os restantes passageiros começavam a lamentar-se que não podiam esperar eternamente por mim e que teriam que seguir viagem.
Olhei para o cenário que me circundava ao mesmo tempo que o Sol queimava-me a testa. Meia dúzia de barcos atracados na areia. A algazarra de um porto, com todo o tipo de vendedores ambulantes, de passageiros à procura de um transporte, de desocupados, de oportunistas e alguns bêbedos.
Tudo isto por causa de um homenzinho pseudo-arrogante que por não estar onde deveria estar, obrigava-me a perder um dia em Kalabo à sua espera.
Perguntava-me o que iria eu fazer em Kalabo, (uma pequena vila quase sem nada) e sem dinheiro enquanto esperava por uma pessoa que havia de chegar quando lhe apetecesse?
Alguém veio trazer-me a bicicleta, sinal que o barco iria arrancar sem mim. Não havia nada a fazer, o “True Colour Coach” tinha que continuar viagem e eu iria ficar em terra por causa de um senhor que forçosamente queria ver a minha cara, não autorizando que carimbasse o passaporte em Mongu.
O dono do “True Colour Coach” devolveu-me a quantia de dinheiro suficiente para eu comprar outro bilhete de barco e zarpou em direcção a Mongu.
Sentia a veias a palpitar de impaciente e os olhos semi-cerrados como se fosse fuzilar alguém. A paciência para tolerar os bêbedos e os seus comentários fúteis que a minha presença atraía, começava a atingir o nível zero. Estive em estado de ebulição por alguns minutos, mas antes que começasse a disparatar com alguém perguntei a mim mesmo para quê a pressa?
Tinha todo o tempo do mundo e poderia perder um dia em Kalabo sem qualquer problema. Respirei fundo meia dúzia de vezes e depois de aceitar a realidade iniciei a preparação da minha estadia em Kalabo (quer ela fosse breve ou não).
Não foi preciso mais de dois minutos para conhecer dois irmão gémeos (o Gift e o Happy) que tinham a seu cargo a gestão da logística do porto de Kalabo. Prontamente confirmaram-me que eu teria um lugar reservado no primeiro barco que saísse para Mongu, assim que eu tivesse o passaporte carimbado. Arranjaram também um lugar para eu guardar a bicicleta e levaram-me a um local onde podia comer qualquer coisa, pois eram as 11h00 e continuava em jejum.
De estômago acamado e enquanto efectuava a manutenção da bicicleta com a ajuda dos gémeos, chega de barco o pontífice da Imigração. Se eu conseguisse o passaporte carimbado no prazo de 2 horas, ainda era possível apanhar os barcos que regressariam a Mongu no início da tarde, pensei eu.
Fui inútil informar-lhe que eu o esperava a 20 metros do local onde se encontrava, pois este estava mais preocupado com os pneus do Pajero que tinha ido buscar a Mongu do que com o estrangeiro que o aguardada há 5 horas. Passou uma hora e depois passou mais outra até que telefonei-lhe para saber se deveria dirigir-me a sua casa ou continuava a aguardar no porto. A resposta foi… “Vou já para aí”.
O conceito de “Vou já para aí” tem certamente diferentes unidades temporais das do resto do mundo, pois quase 2 horas mais tarde (e quando eu já tinha perdido as esperanças de apanhar os barco da tarde) identifiquei a personagem que com toda a calma do mundo comprava bananas no mercado do porto.
Não valia a pena argumentar grande coisa. O dia já estava perdido. Agora era uma questão de convence-lo a dirigir-se ao Posto comigo e carimbar o passaporte.
Os vapores etílicos que envolviam a figura cada vez que esta abria a boca, faziam adivinhar a noite difícil que tivera em Mongu assim como a problemática viagem de barco com os pneus do seu Pajero.
Dizia que ele era o único que poderia resolver os meus problemas e que os serviços da Zâmbia eram melhores que os serviços de Angola, fazendo-me suspeitar da legalidade da sua ausência do Posto que em conjunto com um vocabulário barato tentava comprar a minha opinião.
Limitava-me a dizer “Sim… sim… sim…” até que consegui o carimbo no passaporte e o visto para 30 dias. Estava na hora de deixar o Posto e ir procurar alojamento.
Os gémeos conseguiram que eu ficasse numa pensão de um amigo, que apesar de estar ainda em fase de construção, oferecia-me todas as condições de alojamento por apenas US$10.
O dia seguinte seria mais uma sessão de barco até Mongu e a partir daí iniciaria a pedalada.
Uma boa viagem pela Zambia, cumprimentos do pessoal Mota-Engil - Malawi
ResponderEliminarPedro, que gosto foi ler este blogue e viver contigo tamanhas aventuras. Espero pela actualização dos restantes dias.
ResponderEliminarO meu sincero respeito pela tua força de vontade, espírito de sacrifício e, acima de tudo, pelo facto de não desistires de concretizar os sonhos que acalentas.
Resto de boa viagem.
Anabela Mendes (mulher do Carlos Fernandes da Mota-Engil)
Olá!
ResponderEliminarCheguei ao teu blog através do blog 0 emissões, que acompanho há uns meses, depois de também nós termos feito um blog sobre a viagem que fizemos - www.2numundosobrerodas.blogspot.com - no continente europeu, de Ovar a Istambul, durante 9 meses e 12000kms! Em Agosto, segue-se a próxima, EURÁSIA com a qual pretendo ligar Ovar a Macau e, quem sabe, continuar mundo fora! A partir de agora terás mais um seguidor neste teu blog africano! manda abraços ao pessoal aí...porque acho que é tudo boa gente! keep going!
"Paciência e perseverança tem o efeito mágico de fazer as dificuldades desaparecerem e os obstáculos sumirem." - John Quincy Adams
ResponderEliminar;)
Sónia "Capote Sacramento"