Estava ansioso por começar a nova fase da minha viagem, desta vez na Zâmbia. Já tinha o trajecto relativamente preparado e esperava fazer os 330kms até Sesheke em três dias.
Seria o primeiro dia a viajar de bicicleta neste país e para comemorar o feito, decidi arranjar o visual.
Iniciei a etapa até Senanga às 11h30, com um atraso de 2h30m em relação à hora prevista. Pela frente teria perto de 100kms de estrada asfaltada e pelo que me explicaram, sem grandes desníveis.
À saída de cidade de Mongu pude visualizar do cimo de uma colina, a imensidão de água a qual eu tinha atravessado dentro de um barco. A estrada pela qual eu deveria ter chegado a Mongu, vindo de Kalabo, estava algures ali cerca 1,5 metros abaixo da superfície.
Pedalei cerca de 1h30m quando senti o corpo a acusar o cansaço. Tinha apenas 30kms percorridos. A início pensei que os dias sem pedalar tinham-me feito mal e que estava desabituado, mas a razão era outra. Eram as 13h00 e o pequeno-almoço tomado às 7h00 já tinha sido absorvido há muito.
Não tinha bananas e a reposição de energia era feita através de bolachas de chocolate, desta vez Zambianas.
Enquanto deliciava-me a degustar as minhas bolachas de chocolate, descobri que estava com sensibilidade dentária no lado direito do maxilar superior. “Só me faltava esta”-pensei.
Cada vez que dava uma trinca nas bolachas, sentia um arrepio gelado a percorrer-me as veias desde o maxilar até à nuca ricocheteando, descendo a espinha passando pelas nádegas, indo acabar no fundo da perna direita.
Para saciar a minha fome, a solução era mastigar as bolachas do lado esquerdo da boca deturpando a realidade às minhas glândulas gustativas.
Não se via quase trânsito nenhum, tinha a estrada practicamente só para mim. No entanto encontravam-se muitos peões ao longo da estrada naturalmente oriundos das pequenas aldeias que brotavam ao longo da via.
Continuava rumo a Sul, enfrentado o vento que se fazia sentir desde manhã cedo. Começava a mentalizar-me que estava condenado a pedalar sempre com o vento de feição. Nos próximos 3 dias continuaria para Sul e uma vez em Sesheke rumaria para Este até Livingstone. Estava curioso por saber se o vento também iria mudar de direcção…
Devido à pouca aerodinâmica que eu e a bicicleta oferecíamos (principalmente com as malas), a velocidade média poderia ser prejudicada em cerca de 25% a 30% no caso de um dia de vento. Transpondo estes valores para unidades de tempo, significa que uma etapa de 4 horas facilmente se transforma numa etapa de 5 horas, além do desgaste extra imposto às pernas.
Como já era normal os diversos ciclistas locais faziam para serem notados. Vindos não sei de onde, ultrapassavam-me num pedalar frenético sem sequer olhar para mim. Tentavam ao máximo demonstrar que pedalavam descontraídos e ao seu ritmo habitual, enquanto mantinham-se atentos para detectar se eu embarcava no despique. Para mim era uma vantagem a aparição destes bravos ciclistas pois davam-me a oportunidade de seguir colado na sua retaguarda aproveitando o efeito de “cone de ar” e assim reduzir o resultado nefasto do vento. No entanto ao verem-me fixado às traseiras das suas bicicletas estes começavam a acelerar cada vez mais, cada vez mais, até que esgotavam toda a sua resistência em poucos minutos, deixando-se ficar para trás.
Desconsolado, acabava por continuar a viagem sozinho até que aparecesse o próximo inspirado.
Estava com 3 horas de viagem quando as pernas e restantes partes do meu corpo acusaram de forma acentuada o ritmo que estava a ser imposto.
Rapidamente voltaram as dores que eu não sentia há uns dias, principalmente nas palmas das mãos, nos cotovelos, no pescoço e nos lombares. Começava a achar que os dias sem pedalar haviam relaxado demasiado o meu corpo. Agora eram também as palmas dos pés a dar sinal de modo que cada vez que aplicava força no pedal, parecia que este ia entrar no pé até ao nível da tíbia.
Por incrível que parecesse, o selim ainda não tinha martirizado nenhum músculo.
Estava a fazer-se tarde, por isso as paragens que ia efectuado para esticar e relaxar os músculos tinham que ser breves.
O rio Zambeze que me acompanhava desde Mongu, a poucos quilómetros do meu lado direito, era agora visível da estrada onde seguia. Sinal que estava a chegar a Senanga.
Pouco passava das 17h00 quando entrei na vila de Senanga. Foram 103kms em 5h50m. Dei uma pequena volta à procura de lugar para passar a noite e acabei alojado na Senanga Safari Lodge.
Uma pequena pensão nas margens do Zambeze, com quartos circulares espalhados pelo recinto mas também com área de campismo.
Após uma breve conversa com o responsável da pensão, acabei por ficar instalado num quarto por um excelente preço.
Estava na altura de preparar a viagem para o dia seguinte.
A estrada estava intransitável pouco depois da vila devido às cheias. A única solução seria apanhar um barco em Senanga e descer o Zambeze até Nangweshi, cerca de 40kms a Sul. Uma vez em Nangweshi poderia pedalar até Sioma no mesmo dia, pois ficava apenas a 35kms.
Continuavam a dizer-me que a estrada estava viável e que se passava bem de carro, o que permitia-me sonhar com 2 dias de viagem até Sesheke. Teria que ter alguma atenção com os elefantes que poderiam sair do parque (Sioma Ngwesi National Park) e descer até ao rio para se banharem. No entanto seria pouco provável visto haver bastante água na região, não havendo a necessidade destes se deslocarem do seu meio habitual.
Tive a oportunidade de ver de perto um pequeno troço dos mais de 2500kms do rio Zambeze, possivelmente do mesmo ângulo que Roberto Ivens, Hermenegildo Capelo ou mesmo Serpa Pinto haviam visto 125 anos antes.
Eu tinha razão . Depois de um cruzeiro rio abaixo , como havias de ter força e vontade de pedalar?!?!?!?!?!!?
ResponderEliminarFaltava-te o colchão !
Ângelo
Já faz algum tempo que não nos vemos... mas muitas vezes me lembro que realmente tu ensinas a viver...
ResponderEliminarUm beijinho... e vou-te vendo por aqui...
Esta visto, um dos novos submarinos da Armada devia-se chamar NRP Mestre!!!
ResponderEliminarFico extremamente feliz por ver que já não sou o único maluco que viaja de bicicleta fora da Europa... Infelizmente apenas tive um cheirinho de África na Tunísia, e toda a Ásia central ao pedal.. Para os interessados podem espreitar todos os relatos em:
ResponderEliminarhttp://0emissoes.blogspot.com/
E quando terminares a viagem, já estarei por Lisboa e podemos partilhar histórias e aventuras.
Até breve..
Alexandre Páris
Amigo Pedro, Continuação de Boa Viagem e quando chegares temos de combinar para fazeres uma apresentação/palestra no Rotary Club de Ílhavo aberto a todos os interessados e amigos, da tua viagem com slidshow, vai pensando nisso e tirando muitas fotos.
ResponderEliminarAbraços
Nuno Sacra
Como te compreendo companheiro. Gostava de um dia ter metade da tua coragem e saber.
ResponderEliminarSinto-me feliz por saber quem tu és, onde estás e que tudo fazes para atingires os teus objectivos.
Ivo Carvalho
É agora que começa a verdadeira descoberta de África. Sim, agora. Porque estar em / passar por Angola é o mesmo que estar de visita aos parentes. A expectativa aumenta à medida da descoberta. O espírito do Zambeze começa a falar...o belo, o infinito, a preserverança...o poder do Zambeze confundem o homem. Ivens, Capelo, Livingstone...Pedro Fontes.
ResponderEliminarÁfrica!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarTranscrição de noticia de “Angola Press”
ResponderEliminar……………..
16-04-2010 18:35
Moxico
Ciclista português encerra périplo em Angola
Luena – O turista português, Pedro Fontes, saído de Luanda a 15 dias, encerra sábado no Luena, província do Moxico, a sua digressão por Angola rumo a Maputo (Moçambique) de bicicleta.
O turista encontra-se desde a manhã desta sexta-feira na capital do Moxico, tendo já percorrido mil e 314 quilómetros, passando por Kwanza Norte, Malanje e Lunda Sul.
Pedro Fontes, de 34 anos de idade, afirmou em declarações à imprensa que o objectivo é conhecer Angola e ligar a sua capital (Luanda) a Maputo, capital de Moçambique, país situado no Oceano Índico.
Iniciada a 31 de Março último, explicou que para concretizar o seu objectivo, durante o trajecto, orienta-se com base em informações que possui sobre Angola, recolhidas através da Televisão Pública Angola (TPA) e de pessoas amigas que vivem em Portugal.
O turista disse estar espantado e encantado com a paisagem das províncias por onde já passou, iniciando por Ndalatando, Malanje, Saurimo e Luena.
“Não esperava ver Angola conforme está “, disse admirado.
O turista português, que transporta consigo na bicicleta meios de uso pessoal e géneros alimentares, deixa sábado a cidade do Luena com destino a Moçambique, passando pela Zâmbia e Zimbabwe.
……………..
;););)
Um abraço da família, Pedro!
Ana Maria.
entrevistas,apresentações,livros..Posso ser a tua manager??? : )
ResponderEliminarby the way...Chile 3-Zambia 0
+Beijos
Nao da para fazer uma passagem rapida pelo Malawi? Os colegas estao á espera.....
ResponderEliminarUm Abraco do pessoal da Mota-Engil no Malawi
Henrique
Grande maluco!!depois desta aventura desatolar o jipe das dunas da Sacor vai-te parecer brincadeira de meninos.Cá te esperamos em Aveiro para contares as aventuras.Grande Abraço.Rui Leal
ResponderEliminar