O Início da Fase II (Saurimo – Caiaza)

 

Mantinha a decisão de seguir pelo meu trajecto original.

Saurimo, Caiaza, Dala e Luena com uma previsão de 4 a 5 dias para fazer o 267kms. Era uma zona relativamente isolada e com a estrada em péssimo estado. A cobertura de rede de telemóvel, segundo diziam, era inexistente em todo o percurso até Luena .

Era altura de preparar a bagagem e seguir em frente. Não podia ficar em Saurimo mais nenhum dia, pois tendo em conta a distância restante até à fronteira, eu corria o risco do visto Angolano caducar

Estava preparado e ansioso por enfrentar a nova fase da minha viagem. Tinha a cabeça cheia de dúvidas geográficas. Não sabia se conseguiria chegar aos destinos planeados devido à condição da estrada. Falava-se que os camiões demoravam 5 dias a fazer os 267kms, o que para mim era bastante bom. Mais coisa menos coisa era o tempo que eu necessitava para chegar a Luena… e assim teria sempre um motor a roncar perto de mim para afastar a fauna indesejada.

DSCF3236 Antes de partir preparei na oficina da Toyota um utensílio para cortar lenha para a fogueira, mas com um design tipo Shaka-Zulu.

Arranjei uma fralda de pano para fazer de bainha e amarrei-o mesmo por de trás do selim da bicicleta.

Passei cerca de 1h30 em despedidas com o pessoal que me apoio durante estes últimos dias, a gerência da Toyota Saurimo e a Direcção de Obra da Mota-Engil em Saurimo. DSCF2487

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Deixei Saurimo à 10h30 em direcção a Luena. Provavelmente iria pernoitar em Caiaza, uma pequena aldeia a 70kms a Sul de Saurimo.

Não sei porquê, mas seja em qual for a direcção que sigo… o vento tem de estar sempre de frente e desta vez bem forte.

15kms depois de ter iniciado a etapa, já estava parado outra vez. Desta vez encostado à berma com um pneu furado. Ainda não tinha saído de cima da bicicleta, já estavam 5 jovens ao meu lado prontos para ajudar. Seguiam-me nas suas motorizadas desde Saurimo para sua própria satisfação e curiosidade.

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Entre mudar a câmara-de-ar e os minutos de conversa com os meus ajudantes, perdi cerca de 1 hora. Agora não podia permitir mais nenhum atraso, com o risco de chegar a Caiaza de noite. Para todos os efeitos eu estava cerca de 7o00’ (ou 750kms) para Este de Luanda, o que traduzia-se no seguinte: O sol “nascia” mais cedo mas também escurecia mais cedo, de maneira que às 18h30 era noite cerrada.

Apesar dos dias de descanso em Saurimo, ainda sentia algumas mazelas principalmente nas zonas que mantêm contacto com o selim da bicicleta.

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Seguia pedalando descansado e sem pensar muito num possível encontro com a fauna local. Nas pequenas aldeias por onde passava, era bombardeado com perguntas sobre a minha viagem. Após cada resposta, aproveitava para contra-atacar com algumas questões de foro logístico. “Esta estrada tem leões?”. O feedback não podia ser mais tranquilizante. “Nada… aqui não há leões… só mais lá à frente…”.

“Só mais lá à frente…” era exactamente para onde eu me dirigia… mais lá para a frente.

DSCF2500Nunca consegui compreender muito bem qual o conceito de distância do “só mais lá à frente…”, mas não me saía da cabeça que o leão era como o português… não se importava de fazer 100kms só para ir almoçar bem.

Algumas das alergias ou fungos ou irritações que tinha na pele, começavam a dar sinal de si assim que o meu organismo começasse a transpirar em abundância, originando comichões um pouco por toda a parte do meu corpo.

DSCF2495 Cerca de 40kms depois da saída de Saurimo, acabava a estrada de alcatrão e começava a picada que me levaria a Luena. Os primeiros quilómetros da estrada de terra batida, não me incomodaram muito, pois conseguia manter aproximadamente a mesma velocidade média.

Mas depois de alguns quilómetros a picada deixou de ser picada para passar a ser um campo de obstáculos. Havia grandes poças de lama, havia zonas com pedras de arestas cortantes e havia também buracos tão fundos que se a roda da bicicleta lá entrasse de certeza que eu acabava com as costas no chão.

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Aqui e ali cruzava-me com ciclistas locais, o que me DSCF2497fazia ganhar alguma confiança quanto à segurança da estrada. Passava também por alguns camiões basculantes (de um empreiteiro chinês), os quais à sua passagem deixavam-me debaixo de um manto de pó.

Cheguei a Caiaza às 15h30. Parei na cantina que tinha o mesmo nome da aldeia para fazer algumas consultas e avaliar se valia a DSCF2513pena seguir para a próxima vila.  Alguns populares tentaram encorajar-me a seguir até à aldeia seguinte(Luachimo) dizendo que a estrada estava “boa” e que era “já ali…”. Eu sabia que a noção de ser “já ali” eram mais 45kms e por isso achei por bem, pernoitar em Caiaza e não arriscar a pedalar à noite.

Passei o resto da tarde a recolher informações e a falar com os passageiros de uma carrinha que estava avariada mesmo em frente à cantina, desde as 9h00 da manhã.

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Estava coberto com o pó da estrada dos pés à cabeça. Tinha pó em todos os lados de modo que cada vez que bebia água sentia os grãos de terra a remoinharem dentro da minha boca. E foi logo no dia em que eu cheguei mais sujo ao destino, que não havia água para eu tomar banho. Nem de balde, nem de caneco. Eu estava com uma tonalidade de terra barrenta o que levou algumas pessoas a chamarem-me de mulato. Tive que lhes mostrar a cor original dos braços por debaixo das mangas da camisola para faze-los crer que não havia nenhum mulato.

Pouco depois, um dos filhos dos donos arranjou-me um copo com água com a qual consegui lavar a cara e as mãos graças à toalhinha oferecida uns dias antes pela Helena e pelo Mário.

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Subitamente comecei a sentir dores no corpo, dores de garganta, nariz a pingar e alguma fraqueza. Só me faltava esta, pensei eu. Fiquei na dúvida se seria inícios de constipação ou apenas fraqueza. Decidi então regressar às minhas bolachas de chocolate e às coca-colas, com o objectivo de repor algumas das calorias perdidas durante o dia.

Mantive-me a beber muita água até à hora do jantar (que aconteceu às 18h30), pois a causa do mau-estar poderia também ter origem no calor que se fizera sentir durante o dia.

Jantei na Cantina Caiaza uma pratada do saudoso funge e no mesmo local montei a minha tenda. Iria dormir dentro da cantina para estar mais à vontade.

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O serão foi passado cá fora com os restantes populares. DSCF2515

Aparentemente a Cantina Caiaza tinha as duas únicas lâmpadas de toda a aldeia (uma dentro e outra fora da Cantina) o que permitiu-me escrever estas linhas sem ter que servir-me a minha lanterna.

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No dia seguinte tentaria chegar a Dala. Eram apenas 90kms, mas segundo os camionistas com quem contactei na Cantina, eram 90kms bem difíceis… o pior ainda estava para vir alguns quilometros depois de Dala.

8 comentários:

  1. Pois...agora é que vais sentir as várias nuances da adrenalina (será que há nuances?)!
    Mas tu és um homem dos sete costados .Ânimo
    Titi

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  2. Segue em frente companheiro.

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  3. Experiência única que terás que anotar e mais tarde detalhar ..... quem sabe , escrever um Livro .
    Se as bicicletas tivessem cadeiras de encosto em vez de selim , também fazia tudo isso ....

    Ângelo

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  4. Meu!!!!
    Conforme prometido, ontem, 4ª feira, fui a uma sessão de RPM e tentei imaginar o MORRO DO BINDA e os km que já fizestes e aqueles que ainda tens que fazer. Resultado: O GAJO É MESMO PASSADO DA CABEÇA!!!! Eu estou com as pernas feitas num fanico, mal consigo respirar, todo eu sou água, etc.., e estive em cima de uma bicicleta que não sai do sitio, durante 1 hora, quanto mais ter que fazer nãoseiquantoskilometros emm cima de uma, com duas rodas e a puxar 30kg…
    Força aí!!!! Ass.: Carlos Miguel

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  5. Lindo... tu és único, só mesmo tu...Vou estar atento. Dedinhos, Figo

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  6. Prá frente é que é caminho!!

    Força aí Fontes!! A gente faz força por ti aqui deste lado!!!

    Abraço e Boa Sorte

    XanaX

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  7. E eu a pensar que a malta anda muito de bike...
    Grande Abraço Fontes e um empurrãozinho pelas costas para ires mais depressa (e venceres o teimoso vento)...
    Cacita

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