3º Dia (Alto Dondo – Ndalatando)

Era Sexta-Feira Santa… e quando acordei no meu quarto com AC e televisão, estava longe de imaginar o que seria o meu dia.
Tinha programado sair às 8h00, mas devido a alguns imprevistos… às 10h00 ainda estava à espera do pequeno-almoço.
Comecei a pedalar depois das 10h15 e nessa altura os termómetros já marcavam 40ºC o que fazia adivinhar que hoje seria um dia duro.
Ao contrário do troço anterior, a estrada entre Alto-Dondo e Ndalatando era estreita e apesar de ser alcatroada, não estava nas melhores condições.DSCF2134
Cedo começaram os problemas que me iriam atrasar para o resto do dia.
5Kms depois de ter iniciado a etapa, tive de parar e retirar a carga toda da bicicleta. Isto porque tinha o pneu suplente a raspar na roda traseira. Mais 5 minutos a pedalar e tive que parar novamente porque tinha um dos calços de travão a tocar no aro da roda. Atribuí a culpa ao raio que partiu no dia anterior e que provavelmente eu tivesse afinado mal os outros raios.
Então começou uma tentativa infrutífera de afinar a roda, apertando e desapertando os raios até que o aro ficasse alinhado. Os 43ºC que já se faziam sentir, aliados aos 25Kg de carga que me desequilibravam a bicicleta a toda a hora e ao facto de eu estar numa picada a comer o pó dos carros que passavam, fizeram deste momento um teste à minha paciência e capacidade de controlo.
Após várias tentativas reparei que a causa do calço tocar no aro, não era o raio partido, mas sim um dos elásticos que prendia a tenda ao suporte da bicicleta. O dito elástico atrofiava o retorno do calço de travão, ficando este a tocar no aro após cada travagem. Enfim…
Continuei viagem, mas com outra paragem logo a seguir. Na picada o selim da bicicleta desceu uns 10 cm. Passei mais uns minutos e uma série de tentativas até acertar com a altura correcta do selim da bicicleta.
Praticamente todos com quem falei durante os primeiros Kms, diziam que Ndalatando era já ali… e que eu ia chegar rápido. O conceito de “ser já ali”, incluía mais de 70kms e um morro de 6kms com 9% de inclinação.
O dia ia aquecendo a cada minuto que passava. Pouco depois das 12h30 o termómetro já marcava os módicos 46ºC mantendo-se nesta temperatura até às 15h00.DSCF2130
Algures no caminho, ouço alguém a gritar: “PEDRO!!!”… pensei: “Ainda agora cheguei e já sabem o meu nome?”… afinal era o Mário da Eco Tur (tínhamo-nos conhecido via telefone 24h antes) que facilmente identificou-me na estrada. Pusemos a conversa em dia e fui reabastecido com águas e colas frescas. Ainda tive direito a ganhar uma toalha de rosto de secagem rápida que tem feito muito jeito. Obrigado Mário, obrigado Helena.DSCF2129
O fraco pequeno-almoço que tomei, rapidamente deixou de me fornecer a energia que necessitava. Complementei com figos secos e com uma barra de cereais no entanto o calor que se fazia sentir deixava-me completamente exausto. Bebia água a cada 5 minutos até que o estômago ficou ligeiramente inchado com tanto líquido.
A temperatura ambiente mantinha-se nos 46ºC e a falta de sombras fazia com que eu começasse a sentir a camisola a queimar-me a pele das costas. Cheguei a um ponto em que tinha que parar a cada 10 minutos para descansar ou para dar dois dedos de conversa com alguém. Sempre ia conseguindo alguma fruta e bebida, além do momento de distracção.DSCF2137
Já levava quase 4 horas a pedalar e ainda não tinha chegado a meio da etapa de 75kms. Rapidamente registei que não adiantava fazer planos em termo de horário ou velocidades médias. Mais vale levar a viagem com muitas paragens e descansar e alimentar-me devidamente. Principalmente quando estão temperaturas suficientes para estrelar ovos nas costas.
Cheguei ao sopé do Morro do Binda. Assim que avistei a subida do morro e sem que a minha mente comandasse, os pés saíram dos pedais, a bicicleta encostou à berma e da minha boca só saiu um som… FFF***-ssssse!!!!!
Fiquei especado a olhar para a faixa de alcatrão que subia a montanha até perder-se no verde tropical que cobria o morro. Apesar de não avistar o fim do morro, sabia que eram +/- 9kms a subir, a sua maioria a 9% de inclinação e numa estrada estreita e perigosa. Enquanto admirava a subida do Morro do Binda, conseguia ouvir ao longe o roncar dos motores dos camiões que davam tudo por tudo para conseguirem vencer a força da gravidade.DSCF2140
Com a fome e fraqueza com que estava, sabia que era impossível fazer a subida.Ainda mais que a temperatura de 46ºC mantinha-se. Não sei se passaram segundos ou minutos, mas sei que fiquei a olhar para a subida, já com a bicicleta deitada no chão e a pensar se não ia montar a tenda ali mesmo e fazia o resto da viagem no dia seguinte.
Para refrescar as ideias decidi beber um pouco de água e é então que me surge uma ideia:
Temperatura exterior = 46ºC
Água dentro de um bidon de plástico transparente + efeito estufa + UV + etc etc etc … então a água está quente! Quente o suficiente para fazer uma sopa em pó de feijão. Li as instrucções da sopa que dizia para misturar o pó em água fria (passei este ponto porque não tinha água fria). Em seguida, deixar ferver a água (também passei este ponto à frente, porque apesar de ter um fogão que queima tudo, ainda não tenho combustível para ele). Depois da fervura dizia para deixar a sopa em lume brando durante 10 a 15 minutos. Este último ponto foi o que eu completei. Como não tinha lume brando, deixei a garrafa ao Sol durante 15 minutos a fim de cozer a massa e o feijão.DSCF2142
  Enquanto a sopa apurava o sabor, eu ia comendo umas sardinhas de modo a ingerir algumas calorias.
Entretanto chegou um grupo de 5 ou 6 carros, todos eles com 5 jovens lá dentro. Assustado, pus-me em posição de defender a minha sopa… mas afinal eles queriam apenas tirar umas fotos comigo e além disso ainda repuseram o meu stock de água.
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QUEM NUNCA SUBIU O MORRO DO BINDA, NÃO SABE O QUE É SOFRER…
Nem 1km depois de ter iniciado a subida do Morro do Binda, já estava encostado à mini-berma a tentar recuperar a respiração e a ver quando é que falhavam os travões aos pesados que desciam o morro a toda a velocidade.
A dada altura, o esforço sobre os pedais era tal que não ultrapassava os 4km/h. Optei por tentar subir a pé, mas as tangentes que os camiões faziam aos meus alforges rapidamente fizeram-me desistir do método. Cada vez que parava para respirar era imediatamente coberto por moscas Tzé-Tzé e que não me permitiam o repouso devido. Um pouco mais acima avistei um pequeno parque para camiões. Parei e encostei a bicicleta a um calhau. Sentei-me no alcatrão a pensar onde estava metido. Não estava longe do destino. Talvez uns 9kms… mas ainda faltava a segunda metade do morro, o que pelas minhas contas seria mais uma hora a pedalar. Demorou mais 15 minutos até que tivesse a coragem para me sentar na bicicleta novamente.
Nem 500 metros mais à frente, começou a chover. Tive que procurar um sitio seguro para encostar enquanto a chuva ficava cada vez mais intensa. Parei, desmontei um dos alforges para tirar o impermeável. A bicicleta e toda a sua carga sempre com vontade de seguir pela rabina abaixo. A chuva cada vez mais forte. Errei no alforge. O impermeável estava no alforge do outro lado. Fecha alforge, abre alforge, procura impermeável, a chuva continua, tira impermeável do alforge, a bicicleta a escorregar por todos os lados, veste impermeável… pronto para arrancar com impermeável vestido… Pára de chover!!!!! Enfim… hoje estou para isto…
A coisa boa que a chuva trouxe foi uma bruta descida de temperatura e dos 40ºC rapidamente passou para 26ºC e pouco depois 21ºC.
Esta descida de temperatura foi fundamental o meu desempenho. Comecei a pedalar quase como novo e daí até ao topo parei apenas mais uma vez… e cheio de força cheguei a Ndalatando, 8 horas depois de ter iniciado a viagem do dia.
À chegada a Ndalatando conheci o Tata, através do irmão da D. Eugénia. Rapidamente cedeu-me uns metros quadrados do seu armazém para eu montar a tenda e também um local para eu tomar banho.
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Tive direito a um fenomenal jantar em casa do Tata, que por ser Sexta-Feira Santa começou com um bom peixe regado com vinho verde. Como peixe não puxa carroça e eu precisava de puxar a bicicleta no dia seguinte, rapidamente passámos aos bifes e aos digestivos. Obrigado Tata.
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11 comentários:

  1. Tens mais sorte do que juízo!
    Mas a sorte acompanha os audazes...

    Beijinhos e abraços do Bruno

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  2. Ah! chuvinha milagrosa... Força Pedro. Se já passou o Morro do Binda para a frente é sempre passeio até ao Saurimo. Escreva sempre que nós estamos aqui.
    Abraço Manuela

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  3. Hei seu verdadeiro MacGyver da sopa!!!
    Estou muito contente por te estar tudo a correr bem, tu mereces!
    Estou a adorar as tuas peripécias e o teu blog passou a ser o meu livro de aventuras.
    Beijocas enormes e tudo de bom

    Margarida

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  4. Sr. mein do Mato !!! Sem duvida começas a entrar no jogo...mas uma partida, mais uma vitória...Continua com essa força toda, que nós por cá vamos assistindo a nova telenovela cheios de entusiasmo e alegria por receber noticias tuas !!! abraço e bjs de todos

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  5. Já temos material para o livro! ; )
    Estou a gostar imenso das tuas histórias e estou cheia de inveja por querer fazer o mesmo.
    Força e continua a desfrutar, menino
    + Beijos

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  6. Sopinha para comer e hidratar ao mesmo tempo é de génio só falta encontrares um lenço motard para afastar o pó e os mosquitos.
    Força, Aveiro torce por ti! :)

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  7. Grande Subida, isso mesmo campeão, continua porque para a frente é que é caminho.

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  8. Amigo um abraço para dar um pouco de força na tua grande viagem

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  9. Um abraço do teu amigo Paulo das Bikes ... um dia quero ter a tua coragem para fazer o mesmo :))))

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  10. Bem, não sei se alguma vez tinha estado em África, digamos que a época que escolheu não é uma das melhores para pedalar, deveria ter escolhido algures entre junho e setembro

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  11. Boas Macgyver da sopa, passei pelo morro do binda o mes passado umas quantas vezes, pois fiz o trajecto Luanda-Dondo e nao eh nada seguro pois vi um acidente brutal com um caminhao!!!
    Mas a tua aventura eh fenomenal lol!!
    Boa sorte

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