Acordei com o vento a bater nas janelas do meu quarto. Não era preciso abrir as cortinas para adivinhar que iria enfrentar a ventosidade tal como um toureiro enfrenta o touro… ou seja, de frente.
Levantei-me e fui preparar as minhas coisas para arrancar quanto antes.
Deixei a Golden Pillow Lodge às 8h30.
Este era sem dúvida o pior dia de todos. O forte vento que se fazia sentir pela manhã, fazia prever que o resto do dia seria bastante difícil.
Não conseguia pedalar acima dos 14km/h e quando uma rajada mais forte chocava contra mim, a velocidade baixava instantaneamente para os 8Km/h fazendo o guiador da bicicleta gingar.
Tentava manter-me em linha recta e impor um ritmo constante, contudo o esforço era totalmente inglório na luta contra este inimigo invisível.
A juntar ao infortúnio do vento, tinha a paisagem monótona que não ajudava à auto-motivação.
As aldeias eram escassas e as poucas pessoas que encontrava no caminho não apelavam à conversa.
Tentava me abstrair do vento que impedia a minha normal fluidez, no entanto sempre que uma rajada de vento fazia a roda dianteira tremer, eu voltava à realidade soltando algumas expressões de exclamação tão características do rico vocabulário Português.
- Porque é que o vento tinha que estar a soprar desta maneira? – Perguntava eu a mim mesmo. - O facto de haver duas baixas pressões (uma no Atlântico e outra no Indico) não poderia ter feito o vento seguir em sentido contrário? Qual a razão para este fenómeno meteorológico não ter acontecido durante os meus dias de descanso em Livingstone?
Pedalada atrás de pedalada, eu seguia em frente lentamente. Observava com inveja os ciclistas que vinham em sentido contrário e com vento a favor. Estes passavam por mim como foguetes nas suas bicicletas que pareciam se desintegrar qualquer momento.
Aqui e ali estavam algumas vendedoras de batatas ou carvão que soltavam algumas palavras que o meu iPod não me deixava perceber.
Para quebrar a monotonia que ia corroendo-me por dentro, resolvi furar um pneu. Agora teria algo diferente para fazer.
Desmontei tranquilamente o pneu enquanto apreciava algumas bananas e aproveitava para relaxar as pernas.
Verifiquei que a câmara-de-ar estava repleta de remendos, todavia mais uma emenda não faria importância.
Eis que após 850kms em solo Zambiano, deparo-me com a primeira prova de simpatia das gentes rurais.
Dois ciclistas que viajavam no mesmo sentido que eu, ao verem a minha bicicleta sem a roda da frente, decidiram parar e perguntar se eu precisava de ajuda.
Pude ver nos seus olhos que a ajuda era genuína e honesta, sem intenções de receberem algo em troca. Agradeci-lhes com um sorriso tentando explicar-lhes que era apenas um pneu furado e que já estava resolvido.
Não sei se eles perceberam a informação transmitida, no entanto os ciclistas retribuíram o sorriso e continuaram a sua pedalada sem se despedirem.
Permanecia na minha luta desenfreada contra o vento e contra a monotonia.
A música já tantas vezes escutada, não conseguia fazer a mente abstrair-se destes dois pontos.
Dentro de alguns quilómetros chegaria ao entroncamento de Turnpike. Se rumasse para a esquerda seguiria em direcção a Lusaka (azul escuro). Se rumasse para a direita seguiria em direcção à fronteira com o Zimbabué (vermelho), em direcção a Siavonga (amarelo) e em direcção ao Parque Natural do Baixo Zambeze (amarelo).
Lusaka, sendo a capital do país, seria o local ideal para obter mais informações acerca da Zâmbia, Zimbabué e Moçambique. Certamente encontraria outros viajantes que poderiam me facilitar algumas dicas importantes.
Siavonga, no Lago Kariba, era uma vila turística perto da fronteira com o Zimbabué e que despertava em mim alguma curiosidade em visita-la.
Esta vila como destino turístico, existia apenas a partir dos anos 60 aquando da construção da enorme barragem. Aliás, o Lago Kariba não era mais que um lago artificial nas águas do rio Zambeze, tal como existia alguns quilómetros a jusante, na barragem de Cabora Bassa (Moçambique).
Eu estava saturado da monotonia paisagística. O cansaço não era físico apesar de sentir as pernas doridas. Era principalmente um cansaço psicológico, agravado de alguma maneira pelo forte vento e pela indecisão da rota a seguir.
Este último ponto poderia ser facilmente solucionado caso eu tivesse um mapa da Zâmbia. A questão era que o mapa que eu possuía desde Mongu só tinha estradas da zona Noroeste da Zâmbia… portanto até Mazabuka.
Pedalava há 3 horas quando cruzei-me com um veículo descapotável.
Era o primeiro de muitos veículos clássicos que seguiam em caravana, possivelmente para irem almoçar a uma das inúmeras quintas existentes na região.
O Sul da Zâmbia estava munido de vários projectos na área da agricultura e pecuária, grande parte deles financiados por países da União Europeia e outros de carácter privado (principalmente fazendeiros oriundos do Zimbabué).
De uma maneira geral, os 20 segundos que eu passei de mão no ar a acenar aos carros clássicos, quebraram a monotonia do dia e vitalizaram-me as pernas.
Uma hora e trinta minutos depois chegava ao entroncamento da grande decisão.
Havia demorado 4h40m para percorrer os 70Kms de Mazabuka a Turnpike (entroncamento).
Turnpike era apenas um local com vendedoras de legumes, sentadas em ambos os lados da estrada que saltavam dos seus poisos assim que uma viatura parasse nas mediações.
Dirigi-me até à gasolineira que estava a 300 metros do entroncamento para obter algumas informações.
Aproveitei para saciar a minha sede com 500ml de Coca-Cola e comer uma coxinha de frango.
Dei uma olhadela num mini-mapa (de páginas amarelas) da Zâmbia…
Fiz alguns cálculos mentais… e optei por seguir para Siavonga e visitar o Lago Kariba. Decidi arriscar. Sempre era algo diferente da monotonia dos últimos dias.
Entretanto teria tempo para pensar se entraria no Zimbabué ou se voltaria para trás rumo a Lusaka.
De Turnpike a Siavonga, eram 130Kms os quais seriam impossíveis de percorrer antes de anoitecer. A hipótese seria pernoitar em Chirundu o principal posto fronteiriço da região.
Virei rumo a Sul e iniciei a pedalada. O resto ver-se-ia com o passar o dia. Afinal era o apetite por situações novas que alimentava a minha motivação para pedalar.
Aproximadamente 1hr depois de ter deixado Turnpike, entrei em zona montanhosa.
A estrada seguia serpenteando por entre as montanhas e galgando vales, enquanto eu me entusiasmava cada vez mais com os desafios impostos pelas inúmeras subidas.
O dia tinha mudado radicalmente depois que passei o entroncamento.
Deixara de ter a presença do inimigo invisível que atacava sempre de frente, pois as altas montanhas cortavam o seu efeito.
Passava a ter longas subidas envolvidas em bonitas paisagens de montanha que exigiam uma dedicação extra por parte das minhas pernas, para conseguir chegar ao topo.
Porém, o esforço adicional era despendido de bom grado e de forma pouco custosa. Era a grande diferença entre subir uma montanha e de pedalar contra o vento.
O primeiro caso (subir a montanha) era de certa forma algo “palpável”. Eu poderia saber quantos metros ascendi, quantos quilómetros de estrada pedalei e qual a inclinação da subida.
O segundo caso (pedalar contra o vento) era algo não “palpável”. Não poderia saltar para a rua e andar a dizer a toda a gente que fiz Masabuka-Turnpike em 4h40m e com um forte vento contra. Significava o quê? Seria necessário quantificar a velocidade do vento e qual a acção nefasta deste sobre um cicloturista.
O capim aparentava agora tons dourados e a minha sombra estendia-se por mais de 5 metros diante mim. Era sinal que o final da tarde aproximava-se e eu ainda tinha mais de 20kms para pedalar até chegar ao Chirundu.
Poucos minutos depois das 17h00 cheguei ao cruzamento que me levaria às margens do Lago Kariba e à vila de Siavonga.
No entanto eu iria dormir em Chirundo, regressando ao cruzamento na manhã seguinte para rumar em direcção a Siavonga.
Acelerei o passo o máximo que pude, pois o dia estava a escurecer e eu não pretendia pedalar de noite.
Havia completado 143kms e 9h41m quando cheguei à Tauya Lodge. Passava pouco das 18h00.
Tauya Lodge era uma pensão antes de Chirundu que apesar de estar em funcionamento nunca conheceu a fase de acabamentos durante o seu período de construção.
No dia seguinte seguiria para Siavonga onde permaneceria um par de dias. Iria descansar as pernas e conhecer a vila que era considerada como o segundo ponto turístico mais importante da região Sul da Zâmbia.
Adorei este blog, que descobri por acaso. Espero que a aventura nao tenha acabado aqui e que haja algum outro motivo para ter deixado de escrever. Quero saber o que se passou depois!
ResponderEliminarParabens pelo blog e, especialmente pela aventura!!