Zâmbia Fase II - 3ºDia (Choma – Monze)

 

O confortável quarto da Racheal’s Lodge concedeu-me o descanso que precisava.

Enquanto tomava o meu pequeno-almoço no restaurante da pensão, alguma coisa chamou-me a atenção no televisor da sala. Passava o noticiário da manhã, onde se anunciava a existência de um ciclone no canal de Moçambique e sua influência.

Para mim estava explicado o forte vento que se fazia sentir na região. Nada animador, sabendo que estavam previstos mais 3 dias de ventosidade.

A etapa começou bem… começou com um pneu furado ainda dentro do recinto da pensão.

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Problema solucionado e iniciei a pedalada. Pela frente tinha pouco mais de 100kms até Monze, os quais eu esperava percorrer entre 5 a 6 horas.

Abasteci-me de um confortável stock de bananas para poder fazer face ao forte vento que já se fazia sentir.

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Tal como antevira no dia anterior, nada mudou na paisagem circundante. A estrada continuava muito boa, contudo sem qualquer tipo de atractivos.

Uma vez mais, a monotonia instalava-se confortavelmente à minha frente. Estava condenado a pedalar por mais uns dias nesta estrada sempre a enfrentar o forte e irritante vento contrário.

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Continuava com os meus itinerários virtuais onde punha a hipótese de me aproximar do rio Zambeze, que nesta região recebia o nome de Lago Kariba.

Deslizava envolvido nos meus pensamentos e com a música do meu iPod a contribuir para a abstracção dos ruídos do meio.

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Pedalava sem grande esforço e  com uma cadência baixa enquanto gozava da inércia do meu meio de transporte ao longo de uma suave descida.

DSCF3972 Subitamente passa por mim mais um dos orgulhosos ciclistas.

 

Todavia este era diferente dos outros pois passou muito mais depressa que os habituais e sempre a olhar por cima do seu ombro, a fim de verificar se eu estava a alinhar no despique.

 

Decidi acelerar um pouco o meu ritmo, uma vez que começávamos a subir uma ligeira colina.

O meu parceiro não parava de oscilar o seu corpo da esquerda para a direita consoante os pedais passavam o ponto morto superior, num esforço para acelerar cada vez mais.

À medida que se esforçava para impedir a minha aproximação, ia olhando para trás com o objectivo de controlar a distância que nos separava.

Para quebrar a monotonia acelerei progressivamente, não para o ultrapassar mas para aproveitar o efeito “cone-de-ar” que a sua deslocação provocava.

O meu opositor, que já seguia uns 50 metros à minha frente, continuava a mirar para trás com um olhar provocador. Pretendia que eu alinhasse no despique iniciado por ele mesmo.

Apesar de ter aumentado ligeiramente o meu ritmo, não estava a conseguir apanha-lo. As pernas acusaram o incremento de esforço o que me levou a baixar a cadência, gerindo apenas a distância que nos separava.

Não necessitei de esperar nem 1 minuto para que o voraz ciclista descesse da bicicleta e começasse a andar ao lado da mesma. Quando viu que eu me aproximava, começou a correr e em seguida tentou subir na bicicleta.

Tentava tudo por tudo para evitar a minha aproximação ou mesmo ultrapassagem, contudo esquecera-se que já havia dispendido parte das suas energias na sua demonstração de velocista.

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Assim que eu passei pelo cansado ciclista, este chamou-me com vários assobios. Retirei um dos auriculares que me recheavam os tímpanos com música, para perceber o que ele quereria dizer.

Não passaram 2 segundos para eu me arrepender de ter interrompido o meu momento musical. As únicas palavras pronunciadas pelo insensato autóctone foram “-Give me money…”.

Palavras que fizeram o meu sangue ferver e os meus olhos raiar de raiva. Já não conseguia ouvir esta frase que me acompanhava desde a entrada na Zâmbia, muito menos de um petulante ciclista que minutos antes demonstrava emproadamente a sua bravura nos pedais.

Continuei a pedalar, desta vez com um olhar provocador onde se lia “Vamos…”

Senti o fluxo sanguíneo a canalizar energia para as pernas, ao mesmo tempo que os pêlos içavam.

Vi-o a empolgar-se dos seus pedais, sinónimo que estava iniciado o despique, e a tentar recuperar a distância que havia perdido.

Motivado pelas palavras perfurantes que escutara, pus-me de pé na bicicleta e enviei duas golfadas de ar para dentro dos pulmões.

Os quadríceps inflamaram (tal como no Popeye) e apliquei o máximo de binário no centro pedaleiro.

Senti a corrente da bicicleta a esticar, senti o aro da roda traseira a ficar oval, senti o quadro da bicicleta a flectir, senti o guiador a vergar e senti o alcatrão a enrodilhar.

DSCF3977 Em meia dúzia de pedaladas consegui atingir uma velocidade confortável.

Sentei-me, mantendo e controlando a ritmo rotativo das pernas, desta vez com o auxílio dos isquiotibiais e adutores.

O meu adversário aplicava tudo o que tinha para aplicar, tentando vir atrás de mim. No entanto aos poucos e poucos a distância entre nós ia aumentando.

Mantivemos o ritmo por mais um par de quilómetros até que deixei de ouvir o barulho da bicicleta do meu rival atrás de mim.

Olhei para a minha retaguarda, por cima do meu ombro direito e avistei ao longe o meu oponente a dar meia volta e a regressar.

Não podia crer no que via.

O desmedido indivíduo pedalou este tempo todo, só para me ultrapassar, exibir a sua performance e pedir-me dinheiro. Não conseguindo o seu objectivo, voltava para trás como se nada tivesse acontecido.

A repugnância que senti por esta atitude continuava a alimentar as minhas pernas que por sua vez, descarregavam a sua ira nos pedais da bicicleta.

O simples facto de alguém que passa o dia sentado, dar-se ao trabalho de pedalar quilómetros atrás de um estrangeiro só para pedir dinheiro, fazia o meu cérebro cozer.

Infelizmente este tipo de comportamentos parecia ser bastante abundante na Zâmbia.

Algo que raramente ouvira em Angola, era agora mais comum que o simples “Bom dia”.

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Cheguei a Pemba durante a hora do almoço. Dirigi-me ao único estabelecimento com aspecto de vender alguma coisa e comprei uma Coca-Cola. No pronto-a-vestir do lado (que também reparava bicicletas), comprei uma laranja. Juntei com uma das minhas bananas e adicionei um iogurte … estava feito o meu almoço.

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Faltavam cerca de 40kms até Moze que podeiam ser percorridos em 2 horas, dependendo da acção do vento.

Creio que pela primeira vez, desde o início da viagem, considerei a hipótese de parar e voltar para trás.

DSCF3997 Não com o intuito de desistir ou alterar a minha rota, mas sim para comprovar a minha teoria: “Não importa em que direcção pedale… o vento está sempre contra…”

 

Entrei em Monze a meio da tarde. Atravessei a cidade numa acção de reconhecimento para em seguida iniciar a procura de um lugar para passar a noite.

Tal como as restantes cidades por onde passara, Monze não tinha nenhum ponto de interesse, beleza arquitectónica ou paisagística.

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Consistia apenas num punhado de pequenos estabelecimentos comerciais, colocados de um lado e do outro da estrada, que viviam à custa dos viajantes e do investimento agrícola na região.

Talvez devido ao desenvolvimento da região, Monze estava provida de uma boa pensão - a Golden Pillow Lodge.

Logo na recepção, tive a oportunidade de conhecer o dono da pensão.

Após alguns minutos de conversa, consegui um quarto e um bom desconto no seu preço.

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7 comentários:

  1. Viagem atribulada ! Está visto que o vento de frente e o "give me money" que não te deixam pedalar ...
    Solução :
    -Tenta pedalar de marcha a tràs , que já ficas com o vento de costas ...
    Abraço

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  2. Hey Pedro,

    Nós estamos aqui a soprar por trás e somos muitos...e o "give me money" makes Pedro faster to chegar a Moçambique. Uma vez aí, está de novo em casa. Disfrute muito e bem.

    Maria

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  3. Ao fim deste tempo todo ainda conseguir contrariar o vento e dar uma bazada ao give me money não é p qualquer um!!! Beijos e Abraços Sónia & Nuno Capote

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  4. Andava eu a procurar coisas e vim aqui ter sem saber como, cheguei agora mesmo e vou ler tudo muito devagarinho.
    Aí pelos anos 60 alguém fez uma viagem de bicicleta de Luanda mas parece-me para a Beira, não tenho a certeza.
    Cheguei a ter recorte de jornal dessa aventura de um patricio meu.
    Boa viagem Pedro.

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  5. alguem sabe se aconteceu alguma coisa? 3 meses sem posts é preocupante...!

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  6. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  7. Então e esses posts?

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