O dia começou cedo, ainda antes de o Sol surgir por detrás da vegetação da outra margem do rio Zambeze.
Este seria o terceiro e último dia do atribulado percurso até Sesheke.
Faltavam apenas 70kms, que eu esperava concluir antes do final do dia.
Cozinhei o meu pequeno-almoço, desta vez esparguete com atum e preparei a minha água para a viagem.
Enquanto arrumava a tenda e preparava a bagagem, chegou o meu amigo da moto 4. Havíamos combinado encontrarmo-nos de manhã para que eu pudesse usufruir dos seus conhecimentos de orientação e regressar à estrada principal.
Voltei a molhar os pés ao atravessar as zonas submersas, voltei a empurrar a bicicleta nas zonas arenosas e voltei a transitar na pequena savana que se estendia ao logo do rio.
Cheguei à estrada principal, pouco passava das 10h30.
A via era constituída por troços mais longos de zona compactada, permitindo-me passar mais tempo em cima do selim. Todavia além das porções de areia e das colinas, surgia agora outro tipo obstáculo para me dificultar a progressão da viagem.
Do alto das diversas colinas, observava o Zambeze e a sua magnificência apenas a alguns metros do local onde eu estava.
Pouco passava das 12h00 quando o meu estômago começou a exigir algum substrato. Na falta de bananas regressei às origens, alimentando-me de bolachas de chocolate.
O dia estava quente, fazendo-me suar em bica cada vez que enfrentava uma subida ou quando arava a areia com as rodas da bicicleta.
Os músculos das nádegas, lombares e braços estavam numa situação de desgaste devido aos quilómetros percorridos na areia, impedindo a normal progressão.
Cada vez que queria sair de cima da bicicleta, tinha que pedir licença às pernas para que uma delas alçasse o suficiente para o selim passar por baixo, enquanto a outra perna tentava suportar o peso do corpo juntamente com os braços apoiados no guiador.
Eram as 15h00, quando avistei pela primeira vez um posto de venda de bebidas.
Pedi uma Coca-Cola (servida à temperatura ambiente), que juntamente com os 5 minutos de conversa com as gentes locais, deram-me a energia suficiente para galgar na bicicleta e continuar viagem.
Estava agora a poucos quilómetros de Sesheke, porém era impossível estimar quanto tempo demoraria até ao destino, consequência dos inúmeros troços de areia que iam surgindo.
Pedalava e caminhava em modo de “piloto-automático”. Apenas sabia que tinha que seguir em frente para atingir o objectivo do dia. O cansaço e a fome não me davam tempo nem disponibilidade para pensar nos avisos relativos a elefantes, nem sequer para contemplar as paisagens que o Zambeze me oferecia.
Tinha as pernas cobertas por uma camada de pó e areia que gretava à medida que o meu corpo deixava de transpirar.
Passava um minuto das quatro da tarde, quando avistei diante mim o que procurava há muito. O inconfundível azul arroxeado de uma estrada asfaltada.
Uma estrada que por algum motivo começava/acabava ali mesmo, numa clara demarcação entre betuminoso X areia.
Assim que pisei o asfalto passou-me pela cabeça largar a bicicleta, saltar, rebolar, deitar ou até mesmo beijar a estrada. No entanto e num ataque de sobriedade, limitei-me a tirar algumas fotografias deixando esse tipo de cenas para os filmes.
De algum modo, o meu cérebro começava a captar os cenários de forma mais clara apercebendo-se novamente da omnipresença do Zambeze, o rio que me acompanhava há vários dias sempre a curtos metros de distância.
Continuei viagem, em direcção a Sesheke. Passei a alguns metros da fronteira com a Namíbia e preparava-me para transpor novamente o Zambeze desta vez para a margem oriental.
Sem saber muito bem porquê, dei por mim perplexo a olhar para a ponte que me levaria até ao outro lado do rio. Pouco depois apercebi-me que a razão para o entorpecimento era apenas uma… Esta era a primeira ponte de betão que via desde há muito, sem estar destruída no fundo de um rio.
À chegada a Sesheke, procurei um lugar para pernoitar. Depois de três dias a arrastar a bicicleta na areia queria dar a mim mesmo um pouco de conforto e um lugar tranquilo para preparar o resto da viagem em território Zambiano.
Após algumas negociações acabei alojado na Sisheke Lodge, uma pensão com boas condições mas sem serviço de restaurante.
Para mim, não era uma desvantagem o facto de a pensão não estar fornecida com um restaurante/bar. Em compensação havia uma cozinha totalmente equipada, onde eu podia cozinhar a minha comida e na quantidade que me conviesse.
Havia sido o terceiro dia mais improdutivo de toda a viagem.
Foram 70kms percorridos num total de 7h11m, das quais:
- Pedalei durante 5h01m para perfazer 67,8kms;
- Arrastei a bicicleta durante 42minutos, pisando e calcando areia num total de 2,2kms;
- Recuperei o batimento cardíaco num total de 1h27m;
- Não parei para almoçar;
- Nunca acabei deitado na areia com a bicicleta no meio das pernas;
Desde que entrara na Zâmbia contava com 44h44m de viagem (em 7 dias) onde percorrera 513kms, dos quais:
- 219kms de barco que levaram 14h02m a navegar (distribuídos por 3 dias);
- 276,7kms a pedalar e percorridos em 19h11m;
- 17,3Kms a arrastar e a empurrar a bicicleta na areia, tendo sido percorridos em 5h09m;
Mein do mato,
ResponderEliminarComecei a pensar que estarias numa viagem mistério...
mas afinal...voltas a relatar as tuas pedaladas !
Pelo o que vejo, estás a enriquecer a tua qualidade de paciência dia após dia...penso que deves ter atingido o nível máximo !
Continua assim e força nas pernas
Um abraço,
rafa
Finalmente noticias fresquinhas do nosso Amigo.
ResponderEliminarOlha lá...quando falas na cozinha dizes "onde eu podia cozinhar a minha comida e na quantidade que me conviesse." fiquei em perceber uma coisa...o prato da imagm foi tudo o que cozinhaste ou é apenas uma pequena amostra?
Abraços e vai pela sombra
OH PÁ!!!
ResponderEliminarAo fim de tanto tempo sem noticias tuas só tenho uma coisa para dizer...
...ALELUIA!!!
Deixo aqui um desafio:
Que tal este gajo, quando terminar esta epopeia e chegar a PORTUGAL cozinhar um belo prato de massa com qualquer coisa para a malta????
... ao fim deste tempo todo, muito provavelmente será um dos melhores cozinheiros de Massa do mundo!!!!
Grande abraço
Carlos Miguel
Uma pequena questão : a "catana" que trazes amarrada atràs na bicicleta , não dava para fazer a barba a uma daquelas vaquitas que te acompanhavam e fazer uns bifes em vez de esparguete ?
ResponderEliminarTens que nos manter informados com regularidade pois isto de ser "seguidor" tem o que se lhe diga .
Abraço
Ângelo
Gostámos imenso de te voltar a ler!Oxalá que as privações maiores já as tenhas passado.Mta força com um grande abraço.Titi
ResponderEliminarEmbora em diferido, é sempre mais viva a escrita.
ResponderEliminarEspero que, agora que já fala português de novo e, pedalada a pedalada, se vai aproximando da bonitas praias do Indico, não encontre mais areia.
Um grande abraço
Fernando Jorge
Pois é Pedro, como seguidores, somos exigentes ( ?! )… gostaríamos mesmo de deliciar-nos com os teus relatos em directo e simultâneo com viagem propriamente dita, mas este pessoal não imagina como deve ser pouco o alento para a escrita depois de um dia de calor mal comido(?), mal dormido (?) em cima, digo, ao lado , de uma bicicleta que teima em ter as rodas “quadradas”……!!!;)
ResponderEliminarNão te esqueças de nos avisares do dia “M” (de Maputo) !
Um abraço Português de todos nós.
Ana Maria