O dia amanheceu soalheiro e sem vestígios das nuvens que no dia anterior rondavam a vila.
Despedi-me da simpática casinha onde me albergara por uma noite e apressei-me a atravessar a praceta que me separava do meu pequeno-almoço.
Iria tomar a principal refeição do dia exactamente no mesmo local onde jantara na noite anterior. Não só por ser o único estabelecimento que servia refeições, mas também porque eu era extremamente bem recebido (e bem servido) pelas anfitriãs do restaurante.
Depois da minha chegada, não necessitei de esperar mais do que 3 minutos para que o meu pequeno-almoço estivesse em cima da mesa. Deveria ser das únicas vezes que tinha o meu mata-bicho pronto à hora marcada.
À minha frente, sobre uma toalha branca que me cegava as vistas, encontrava-se aquilo que iria dar-me a energia suficiente para os primeiros quilómetros da etapa. Em primeiro lugar, um prato com uma deliciosa omeleta e batatas fritas. De seguida, uma tigela de papas Cerelac acompanhada por uma sandes gigante, que se encontrava escondida por um guardanapo de papel. Por fim e para regar um pouco o composto assimilado, uma caneca de café instantâneo.
Antes de me despedir das senhoras do restaurante, ainda tive direito a um cacho de bananas para o resto da etapa… não fosse eu ter fome durante a viagem.
Adquiri também, algo que já não me lembrava de comprar… água engarrafada. Se não me falhava a memória, a última garrafa de água que comprara, havia sido algures na Zâmbia.
Iniciei a etapa às 8h38, descendo calmamente pela avenida principal até chegar ao cruzamento com a estrada nacional.
Considerava ser um pouco tarde para inaugurar a etapa do dia. A distância que me separava de Alto Molocue era de 130Kms, o que se traduziria em 8 horas de viagem (se a roda se portasse bem). Além disso, teria que ter em conta que nesta altura do ano, às 17h30 era noite escura.
O relevo da região era cada vez mais inconstante, à medida que pedalava em direcção ao interior de Moçambique. Longas subidas (mas de baixo gradiente) e longas descidas faziam agora parte do meu dia. Umas atrás das outras exigiam uma dedicação adicional nas subidas, libertando-me de esforços durante as descidas.
A paisagem permanecia a mesma da etapa do dia anterior, apenas com uma ressalva. O número de “esculturas” construídas pelas térmitas, aumentara significativamente.
Cerca de 5 minutos antes das 10h00, atravessava a ponte sobre o rio Ligonha e assim celebrava a minha entrada na Província da Zambézia. Para trás ficava a Província com o mesmo nome da sua capital – Nampula.
Pedalava há 30 minutos na nova Província, tentando entreter o meu cérebro com as mais banais distracções de modo a evitar que este se concentrasse na questão do aro. Contudo os meus esforços deixaram de valer a pena, quando voltei a sentir o pneu traseiro com pouco ar.
Desta vez um furo lento, que permitiu-me pedalar por mais algumas centenas de metros antes de ser obrigado a parar de vez.
Não olhava para o meu 18º furo em terras Moçambicanas da mesma maneira que olhava para os furos anteriores.
Este era diferente. O pneu vazava lentamente, o que fazia-me suspeitar que houvesse uma outra causa para o problema, além do célebre aro e as suas brechas lancinantes.
Após a habitual rotina de desmontar o pneu, a câmara-de-ar do aro e algumas tiras de borracha, iniciei a minuciosa operação de identificação da causa do furo.
Poucos segundos depois e com a ajuda da ponta da língua, estava identificado o local do furo assim como o objecto perfurante. Tratava-se de uma limalha de alumínio que resolvera separar-se do aro e alojar-se transversalmente na superfície da câmara-de-ar.
O furo era de fácil reparação e não merecia os pingos de suor dispendidos para reparar o pneu. A grande questão colocava-se quando ensaiei localizar qual a parte do aro de onde havia saído a apara.
Acabaria por mudar de ideias, e esquecer a tentativa de identificação do local de origem da limalha, após reparar no belíssimo estado em que o aro se encontrava.
As estaladelas haviam progredido vários centímetros para todos os lados. As abas do aro (pista dos travões) estavam completamente deformadas e na parte central do aro, faltavam bocados de alumínio.
Não eram necessários 2 dedos de testa, para concluir que necessitaria de mudar o aro com urgência. Só esperava que este aguentasse mais uns 3 dias para que eu conseguisse chegar a Mocuba.
Uma vez na cidade de Mocuba, seria obrigado a comprar um aro novo e nem mesmo a minha cabeça dura iria fazer-me avançar para Sul, sem encontrar uma solução para a roda traseira.
Uma vez mais, apliquei a cola metálica com forma de rolo de plasticina, para camuflar as arestas cortantes e evitar que a câmara-de-ar sofresse novos golpes por parte do aro.
Depois da roda reparada e do pneu montado no aro, estava na altura de retomar a etapa.
Perdera cerca de 42 preciosos minutos com a reparação da roda. Os 103Kms que ainda faltavam para o Alto Molocué, não permitiam grandes descuidos caso mantivesse a minha pretensão de pernoitar nessa localidade.
Impus maior binário no centro pedaleiro, para conseguir recuperar tempo.
Os joelhos acusavam (ao de leve) o aumento de esforço, fazendo-me agradecer aos collants pretos comprados semanas antes em Lichinga e que conseguiam manter as articulações quentinhas.
O vento, que na maior parte do tempo vinha da minha lateral, parecia contribuir ligeiramente para a minha progressão. No entanto eu preferia acreditar que a boa performance devia-se à dedicação das minhas pernas e à minha vontade em não chegar de noite ao destino.
Seguia animado pela boa prestação física, desfrutando do dia bonito e da paisagem que me envolvia, a qual era cada vez mais parecida com os cenários vistos nas Províncias do Niassa e de Cabo Delgado.
Apesar das minhas tentativas em abstrair-me dos quilómetros restantes até ao Alto Molocué, era várias vezes confrontado com a realidade. Obrigando-me assim a passar as unidades de espaço para unidades de tempo, e determinar por mais quantas horas eu iria sofrer a pressão psicológica do meu amigo “Aro”.
Passava grande parte do tempo com um olho na estrada e outro olho nas hastes do travão traseiro. Caso as hastes dos travões começassem a vibrar, era então sinal que o aro estava (ainda mais) empenado ou na pior das hipóteses estaria mais “aberto”.
Com o aproximar das 13h00, veio a fome e a vontade de beber algo fresco. O meu pequeno-almoço havia sido completamente assimilado, absorvido e dissolvido pelo meu metabolismo.
Parei no Alto Ligonha para almoçar uma Coca-Cola quente e uma banana. Poucos minutos depois estava novamente sentado no selim da bicicleta, com as tíbias a transformarem o movimento alternativo, dos joelhos no movimento de rotação dos pedais.
Frequentemente avistava placas indicadoras das distâncias quilométricas até aos principais destinos da região. Por coincidência (ou não), todos eles faziam parte do meu roteiro, no entanto apenas um dos destinos causava-me um remoinho de ansiedade para chegar - Alto Molocué – o destino do dia.
Os restantes destinos haveriam de ter o seu papel e a sua quota-parte de ansiedade na respectiva etapa. Por enquanto bastava-me que o aro aguentasse uma etapa de cada vez, até que eu conseguisse encontrar material de substituição.
Haviam passado 20 minutos desde a indicação que Alto Molócué ficava a 51Kms, quando comecei a sentir a pernas cansadas e pesadas. Insisti por mais 30 minutos até que chegou a altura em que a imputação de esforço nos pedais era de tal maneira inútil que parecia que a bicicleta se deslocava sobre uma laje de cimento fresco.
Resolvi parar para relaxar a pernas e passar uma vistoria ao estado do aro.
Não foram necessários nem 5 segundos de inspecções à roda traseira para descobrir o novo presente que o meu aro acabara de me oferecer.
Um corte na aba direita do aro, com uns 7 centímetros de comprimento. Naturalmente, tanto o aro como o pneu apresentavam um “ligeiro” boleado que tocava no calço de travão a cada 360o. Estava explicado o efeito “laje de cimento fresco” com que vinha a debater-me nos últimos 30 minutos.
Não havia nada a fazer ao aro, ali no meio do mato. A única solução seria libertar por completo os calços de travão (libertando o cabo) e continuar a pedalar até ao destino… na expectativa que as fissuras do alumínio gozassem de uma progressão lenta.
Retomei a pedalada, para 35 minutos mais tarde passar a linha fronteiriça do distrito de Alto Molócué.
Aparentemente estaria perto do meu destino, restando-me apenas mais alguns quilómetros até à localidade que dava o nome ao distrito.
Apesar do imbróglio e da incerteza que girava em torno do eixo traseiro, eu seguia o meu percurso entusiasmado e sem desalento.
Talvez reflexo do dia soalheiro, ou influência da tranquilidade envolvente, ou simplesmente por as minhas pernas voltarem a corresponder à exigência física, ou talvez devido à conjugação de todos estes factores… Ou talvez por nenhum deles. Talvez no fundo da questão, estava a incerteza….
A incerteza de até onde o aro iria aguentar e o que iria eu fazer para resolver o problema. Pela minha mente passavam algumas ideias (umas mais praticáveis que outras), mas nenhuma delas possuía bases suficientemente sólidas para que merecessem mais do que 10 minutos de atenção.
Fosse como fosse, pela frente tinha um novo desafio – encontrar o aro, que procurava desde Montepuez, havia já 1100Kms percorridos.
Cerca de 25 minutos após a minha entrada no distrito de Alto Molócué, sou obrigado a recordar a distância remanescente até ao final da etapa. Apesar do ânimo, o cansaço ia apoderando-se das minhas pernas e (principalmente) da roda traseira.
Por debaixo do meu ombro direito, conseguia ver que a saúde do meu aro piorava a cada pedalada. O aro estava completamente empenado, fazendo com que toda a traseira da bicicleta saracoteasse, tornando a condução incómoda e maçadora.
Insisti no meu ritmo por mais 60 minutos, até que resolvi parar e observar de perto o estado do aro. Possivelmente conseguiria compensar (ou minimizar) o empeno do aro, apertando os raios do lado oposto.
Contudo o cenário era outro, menos o “esperado”. A brecha na aba do aro havia avançado bastante, ao ponto de (pela primeira vez) fazer-me realmente temer que este não aguentaria até ao final da etapa.
Efectuei as afinações possíveis aos raios e ao aro para mais uma vez prosseguir viagem. Desta vez a pedalar de pé e com o peso do meu tronco a ser suportado pelos braços, de maneira a libertar o aro do meu peso e assim abona-lo com mais alguns quilómetros de vida.
O novo método de pedalar não viria a trazer grandes benefícios. Cerca de 5 Kms depois recebia o aviso que alguma coisa estava a bater na escora da bicicleta, fazendo emergir os indícios que a minha etapa terminara ali.
Algo que viria a confirmar décimas de segundo mais tarde, quando resolvi parar para ver de perto o estado em que o aro se encontrava.
A aquilo que antes era uma simples estaladela na aba direita do aro, transformara-se numa greta de grandes proporções, na qual conseguia ver as entranhas do perfil de alumínio que outrora havia sido uma roda de bicicleta.
Encontrava-me a apenas 8Kms de Alto Molócué e pela primeira vez em toda a viagem eu seria obrigado a carregar a bicicleta num carro e usufruir de uma boleia até ao final da etapa. Uma situação que eu havia evitado durante os mais de 5.750Kms pedalados de Angola a Moçambique, mas que desta vez não tinha outra alternativa (apenas se fosse a pé).
Surpreendentemente reparei que os meus níveis de motivação e de perseverança mantinham-se elevados, mesmo com o aro irremediavelmente danificado e mesmo sabendo que iria utilizar um veículo motorizado como transporte.
Talvez a motivação fosse alimentada por saber que os meus problemas com o aro haviam terminado de vez, ou talvez por não ter nenhuma solução à vista e assim viver as emoções do incerto e do desenrasca.
Descansei as minhas pernas por alguns minutos enquanto olhava pelo canto do olho para Nascente, numa vigia tranquila ao início da estrada e de onde poderia vir a minha boleia.
Os minutos foram passando a um ritmo constante enquanto o Sol preparava o seu leito a Oeste, por detrás das montanhas. Eram as 16h40 e não me restavam muitos mais minutos de luz solar.
Quanto a possíveis prestadores de serviços de transporte, nem vê-los. Parecia que tinham todos combinado em não passar na estrada depois das 16h30.
Olhava agora com crescente (mas não alarmante) preocupação, tanto para Oeste…
… como para Este,…
… nas expectativa de ouvir ao longe, o som rouco de um motor já fatigado pelas exigências Africanas, e onde há sempre lugar para mais um na carroçaria que lhe dá forma.
Passaram-se 32 minutos quando ouvi, por entre os vales, o primeiro veículo motorizado desde que encostara a bicicleta às “boxes”.
O Sol preparava-se para desaparecer por entre os dois cumes existentes na minha frente, deixando ainda alguns raios de luz para que eu pudesse avistar e ser avistado, pelo condutor do veículo que se aproximava.
Apanhei boleia de uma carrinha de caixa aberta (tipo pick-up 4x2), que transportava uma equipa de trabalhadores da construção civil. Em poucos minutos percorremos os 8Kms que restavam da etapa e chegámos a Alto Molócué.
Enquanto descarregava a bicicleta com a preciosa ajuda dos outros ocupantes da carrinha, avistei a poucos metros de mim, algo que os meus olhos não queriam acreditar.
Estacionado do outro lado da estrada, estava um camião carregado de sacos e outros volumes até à altura da cabine. Na escuridão da noite eu não conseguia distinguir grande coisa, no entanto era visível a silhueta de várias pessoas sentadas no alto da pilha de volumes. Em baixo, estavam os familiares e amigos, numa azáfama para carregar os pertences dos passageiros que iriam viajar na caixa de carga do camião.
Junto a uma silhueta que seguia sentada no alto dos sacos, havia um feixe brilhante curvilíneo que não parava de captar a minha atenção.
Aproximei-me do camião para certificar-me que não estava a sofrer de alucinações… e dois passos depois, as minhas dúvidas estavam desfeitas.
O brilho que me atraía como um holofote atrai um insecto, era um reflexo de luz (da talvez única lâmpada existente na área) num aro de uma bicicleta. À primeira impressão, o aro serviria para a minha bicicleta e sem pensar duas vezes, voluntariei-me para comprar o velocípede. O dono, que encontrava-se sentado ao lado da bicicleta, simpaticamente informou que não podia vender a sua bicicleta porque havia a comprado 5 minutos antes.
Explicou-me também que havia uns “moços aí” que estavam a vender “bicicleta de calamidade”. Após mais alguns segundos de conversa com o dono da bicicleta e com o motorista da carrinha (que me tinha oferecido boleia) fiquei completamente esclarecido quanto a esta questão.
Pelos vistos havia uns “moços” que tinham ido buscar um carregamento de bicicletas usadas – as chamadas “calamidades” por serem provenientes dos programas de ajuda/solidariedade externos – e andavam a vende-las de terra em terra até chegarem a Nampula.
Por boa ventura, os vendedores de bicicletas ainda encontravam-se em Alto Molócué, apesar de estarem a preparar-se para arrancar.
Apresentei-me ao Manuel, o gerente do negócio, e expliquei a minha história. Comecei do fim para o princípio, ou seja iniciei a conversa por explicar que necessitava de um aro e ultimei com a explicação da minha viagem (de onde vinha e para onde ia).
Automaticamente o Manuel disponibilizou toda a ajuda que eu poderia precisar e logo de seguida, iniciámos as negociações da compra do material.
Em primeiro lugar consegui que este me vendesse apenas um aro de uma das suas bicicletas, em vez de ter que comprar a bicicleta completa. De seguida acordamos o preço do aro (sem o cubo e sem mão-de-obra incluída).
Em segundo lugar disse que mandaria chamar o mecânico da vila, para desmontar e montar os raios no aro e cubo da bicicleta (preço da mão-de-obra a acordar com este último).
E em último lugar, explicou-me onde era a pensão na qual eu poderia dormir bem e comer melhor.
Fomos juntos até ao centro de Alto Molócué, que ficava a um par de quilómetros da estrada principal.
À chegava ao centro da povoação, pude constatar que esta estava provida de luz eléctrica e que em outros tempos havia tido a sua importância. Tal como as outras vilas congéneres, Alto Molócué recebia os seus visitantes com uma grande praceta quadrangular, rodeada de edifícios de 1 ou 2 pisos. Apesar da pouca luz existente, era possível adivinhar que alguns dos edifícios carregavam com eles as culpas de anos de guerra e devastação.
Fomos direitos à pensão, onde aluguei um quarto e tomei mais um banho a balde. Logo depois iniciámos a operação de substituição do aro da bicicleta.
Numa abordagem breve ao programa de operações, este poderia ser definido pelas seguintes fases:
- Retirar a roda da bicicleta do Manuel. Remover o pneu e a câmara-de-ar e de seguida desapertar todos os 36 raios até ficar com apenas o aro na mão;
- Retirar a roda da minha bicicleta. Remover o pneu e a câmara-de-ar e de seguida desapertar os raios até ficar com apenas o cubo na mão;
- Montar um outro aro usado na bicicleta do Manuel para que a sua bicicleta ficasse operacional;
- Montar o aro do Manuel no meu cubo, usando os meus raios;
- Montar a câmara-de-ar e o meu pneu na minha nova roda;
Quatro simples tópicos que explicavam a qualquer leigo no assunto, qual os passos a seguir.
Quase 2 horas mais tarde apareceu na pensão, o tal mecânico de bicicletas que era conhecido do Manuel. Vinha de mãos a abanar e com uma postura de perito, pronto a fornecer prognósticos, sapiência e a sua ajuda a troco de elevadas somas de dinheiro.
Nas meninas dos seus olhos estavam bem marcados os níveis etílicos do seu organismo, enquanto do seu hálito vinha o odor a alambique.
Nada que me fizesse perder a perseverança, pois com apenas uma dúzia de palavras do vasto vocabulário Português, fiz-lhe ver que se o “perito” não fizesse o trabalho ao meu preço, eu próprio o faria. Ainda mais, que ele próprio deveria agradecer-me por ter a oportunidade de ganhar algum dinheiro, em vez de andar a secar as pipas das tascas das redondezas.
Após algum tempo de reflexão, lubrificado pelos restos da bebida emborcada, o “perito” decidiu pôr mãos à obra.
Com o inicio dos trabalhos de substituição do aro, aliviei a minha tensão arterial e resolvi reservar o jantar no restaurante da pensão.
Acompanhei por alguns minutos o trabalho do perito enquanto conversava com o Manuel. Assim que o “novo” aro ficou solto do seu cubo original, fiz uma cuidada inspecção ao seu estado de conservação para de seguida monta-lo no meu cubo.
Passaram-se mais alguns minutos até que se iniciasse o trabalho de montagem do meu aro, pois a bicicleta do Manuel estava em 1º lugar na lista de prioridades.
Apesar dos pequenos impasses que iam surgindo e da ansiedade para ter o problema resolvido de vez, eu permanecia sereno aguardando pacientemente o aperto de raio após raio. Só pretendia ter a roda toda montada, fazer os primeiros testes de robustez e depois sentar-me confortavelmente à mesa do restaurante da pensão.
No entanto tal panorama não era duradouro. Após alguns raios montados entre o meu cubo e o meu “novo” aro, descobriu-se uma tremenda incompatibilidade.
O aro do Manuel tinha 36 furos (para 36 raios), enquanto o meu cubo tinha 32 furos (para 32 raios). Voltava assim à estaca “”zero” e terminava momentaneamente a pretensão de ter a minha roda reparada antes do jantar.
Eu e o Manuel andávamos às voltas a tentar descobrir uma solução para ultrapassar tamanho problema:
- Poderíamos continuar o trabalho e montar o aro com menos 4 raios, mas depois a roda deixaria de ser “roda” para passar a ser outra coisa qualquer.
- O cubo original da roda do Manuel, era um cubo dianteiro e por isso incompatível com o objectivo.
- O cubo traseiro da bicicleta (ou das outras bicicletas) do Manuel, não era solução pois não podia receber a minha cassete de mudanças (carretos traseiros). Também não podia utilizar a cassete da bicicleta do Manuel por ser no máximo até 6 carretos e a minha ser de 9 carretos.
Uma série de condicionantes interligadas, que nos deixavam sem grandes soluções à vista.
Para o nosso perito, havia uma solução. Era deixamo-lo ir a sua casa buscar umas ferramentas especiais, que quando voltasse iria arranjar uma solução. Olhei para o Manuel que acedeu favoravelmente ao pedido do perito.
Aproximavam-se as 20h30 e a Dona Manuela veio-me chamar para jantar.
O Manuel também estava com pressa, pois ainda tinha que regressar a Nampula nessa noite. Regressaria a Alto Molócué na manhã seguinte para continuar o seu negócio de vendedor. Entretanto tentaria arranjar em Nampula um aro de 32 furos (raios) para a minha bicicleta.
Como salvaguarda, deixou-me o seu aro de 36 furos à consignação, pois nos últimos minutos havíamos colocado uma solução em cima da mesa:
- A roda do Manuel iria completa para a frente da minha bicicleta (O aro de 36 furos e o seu cubo).
- Ao meu aro da frente seriam removidos todos os raios e também o seu cubo original (de 32 furos).
- Montava o meu aro dianteiro (32) no meu cubo traseiro (32). Guardava comigo o meu cubo dianteiro e estava o problema resolvido.
Despedi-me do Manuel e regressei ao salão da pensão para degustar o meu jantar.
De Murrupula a Alto Molócué percorri 131Kms em 8h45m (onde estão incluídos os 8Kms feitos em cima de uma carrinha). A média em andamento 19,1 Km/h, enquanto as paragens consumiram-me 1h53m.
Para o dia seguinte não havia planos. Arrancaria para a nova etapa assim que a roda ficasse pronta, o que contava ser antes das 11h00. Provavelmente conseguiria pedalar entre 80 a 120Kms, ficando a 1 dia de viagem de Mocuba.
O perito não voltou a aparecer… provavelmente nunca chegou a encontrar as tais ferramentas especiais
A sorte protege os audazes?! A ver vamos, nas cenas dos próximos capítulos ;) S.C.
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