Acordei cedo, com os raios solares a trespassar as portadas de madeiras das janelas de casa do Jorge.
Na varanda, o pequeno-almoço estava quase pronto, permitindo-me contemplar a ascensão do astro-rei com alguma calma.
Já estava cansado de tanto descansar.
Por outro lado apreciava cada vez mais os momentos de “boa vida”, que a estadia em Chocas-Mar me proporcionava.
Lutei contra mim mesmo, durante quase 1 hora, para não ceder a tentação de ficar mais um dia nas Chocas. No final da batalha ganhou a partida para a Ilha de Moçambique.
As minhas pernas palpitavam de excitação por voltar à estrada, no entanto a mente ainda sofria alguma inércia quanto à questão da partida.
A etapa até à ilha de Moçambique era relativamente curta (aprox. 65Kms), onde contava com uma incursão “fora-de-estrada” para visitar alguns monumentos no meio do caminho.
Faltavam 15 minutos para as 9h00, quando me despedi da “malta” e da casa do Jorge. Para trás ficavam uns curtos mas proveitosos dias de boa companhia e disposição.
Pedalei de regresso à estrada de terra batida pela qual pedalara dias antes, aquando da minha chegada a Chocas-Mar.
Um par de quilómetros depois, saí da picada principal para entrar numa picada secundária, que pouco depois se transformou num carreiro. A intenção era visitar o antigo Palácio dos Governadores e a antiga Igreja. Ambos haviam sido construídos naquele lugar alguns séculos antes.
Percorrera apenas 3,5Kms para que me deparasse do meu lado esquerdo com um antigo edifício.
Era uma bonita construção com claros sinais de um abandono recente.
Ainda se podia ver a rede mosquiteira nas janelas, sinal que o edifício fora habitado num passado não muito longínquo.
Num dos lados do bonito jardim, um trio de mulheres cuidava das flores e arrancava as ervas que estavam a mais.
O jardim era a área do edifício que demonstrava mais cuidado com a sua preservação, fruto do trabalho destas aldeãs.
Numa placa colocada na entrada do edifício, podia-se ler:
“Em 27 de Setembro de 1913, foi este Instituto entregue à Câmara Municipal da Cidade de Moçambique, sendo residente do Ministério o estadista Dr. Afonso Costa.”
A igreja da Nossa Senhora dos Remédios residia um pouco mais à frente, do lado esquerdo do edifício onde me encontrava. Uma modesta construção com séculos de história, posicionada de frente para a baía onde podia-se avistar a Ilha de Moçambique a uns 5Kms de distância.
Seguindo pelo mesmo trilho, encontrei (os restos de) o Palácio dos Governadores. Uma construção datada do século XV e que serviu de residência de Verão aos dirigentes coloniais Portugueses.
O imponente edifício, também virado para a Ilha de Moçambique, apresentava sérios sinais de vandalismo e deterioração.
Várias paredes tinham brechas fundas, as quais estavam preenchidas pelas raízes da vegetação conquistadora. As madeiras do edifício haviam sido removidas quase por completo.
Quanto os vidros e aos metais, há muito que haviam deixado o local.
Nunca em África havia encontrado tamanho património histórico e logo este que tinha que estar à mercê de mentes menos “sensibilizadas” para a questão da preservação.
Mais uma vez reforçava a minha impressão acerca da presença Portuguesa em África, dos séculos passados. Fossem quais fossem os propósitos e independentemente de juízos de valor, Moçambique (tal como Angola), contava com um riquíssimo património histórico, oriundo de outras épocas. Algo que nunca encontrara em países de “influência” inglesa, tal como a Zâmbia e o Malawi.
Após as visitas aos monumentos, decidi não regressar à estrada principal. Seguiria ao longo da costa, por um trilho até Mossuril. O vento, com a sua forte atitude omnipresente, acompanhava-me na etapa, mas desta vez lateralmente.
Continuei a pedalar pelo trilho fora em direcção a Mossuril. A vegetação rasteira permitia-me avistar o oceano por entre os troncos das palmeiras, contudo eu estava mais concentrado em cumprimentar as pessoas que se cruzavam comigo, do que com o azul do mar.
Os dias de descanso em Chocas-Mar haviam habituado mal as minhas pernas. Apesar de não estar cansado, também não estava com os melhores níveis energéticos.
Sempre que surgia um bocadinho de areia sentia as pernas atrofiadas, entre a moleza e a irritadiça explosão de querer debitar binário. Mas na realidade, só me apetecia sentar na varanda do Jorge e comer uma pratada de caril de camarão, preparada pelo António.
Entrei em Mossuril às 10h30 (desta vez pela porta de trás). A impressão com que ficara dias antes aquando da minha primeira passagem em Mossuril, mantinha-se.
Mossuril, uma pequena e simpática vila, com vários edifícios de baixa estatura e com visíveis sinais de recuperação.
Do meu lado direito e debaixo de uma mangueira, encontravam-se várias crianças a brincar. Pelos cadernos e sacos escolares, podia deduzir que encontravam-se no intervalo das aulas. As miúdas jogavam ao elástico, enquanto os miúdos entretinham-se a vigiar a área de cima de um canhão secular. Na mesma sombra estavam as vendedoras ambulantes, que enroladas nas suas capulanas feiravam uns bolinhos de massa frita, os quais eu nunca soube o nome.
Segui o meu caminho de regresso à picada que havia percorrido dias antes.
Os 20Kms que me separavam da estrada de alcatrão, permitiam-me realizar alguns cálculos.
O tempo dispendido nos monumentos de Mossuril não prejudicara os meus planos. Ainda teria tempo para visitar o Aeródromo do Lumbo e realizar uma curta prospecção à Ilha de Moçambique, antes de procurar onde pernoitar.
Uma vez no entroncamento com a estrada principal (alcatrão), rumei para Este em direcção aos destinos planeados, para logo de seguida dar de frente com o vento. Que saudades…
Notava com algum espanto, que as populações das aldeias por onde passava insistiam em cumprimentar-me em inglês. Algo que acompanhava-me desde a entrada em Moçambique. No entanto na altura pensei que fosse devido à proximidade com as fronteiras do Malawi ou da Tanzânia. Neste momento estava fortemente inclinado para uma das duas conclusões: ou os habitantes locais queriam demonstrar que sabiam falar inglês, ou então todo o branco que passava por estas paragens não era Português.
Cheguei ao Aeródromo do Lumbo pouco antes da 13h00.
O aeródromo fora o primeiro de todo o país, e ainda apresentava os seus traços originais. Um pequeno edifício em muito parecido com as antigas estações de comboios, de paredes bem tratadas e madeiras envernizadas. No interior, os candeeiros mantinham o estilo do século passado, enquanto as paredes expunham orgulhosamente os seus azulejos pintados à mão e em bom estado de conservação.
À saída do aeródromo e enquanto me despedia dos simpáticos funcionários do mesmo, fui brindado com um “inesperado” presente. Um pneu vazio! Valia-me a sorte dos meus 2 garfos adaptados para desmontas e de o furo ter sido no pneu da frente.
Dei entrada na ponte que me conduziria à Ilha de Moçambique às 13h30.
Percorri a extensa e estreita ponte com um olho para a frente e o outro para trás, de modo a evitar ficar debaixo de um dos muitos carros que partilhavam a via comigo.
Poucos minutos depois dava as primeiras pedaladas na Ilha de Moçambique (lugar classificado como Património Mundial pela Unesco) e fazia os primeiros contactos.
Percorri várias ruas e ruelas antes de procurar alojamento. Visitei (pelo lado de fora) alguns dos edifícios mais emblemáticos da Ilha, tal como igrejas, o antigo hospital, a Fortaleza e o museu.
Depois das primeiras pedaladas de reconhecimento, passei à Fase II. O alojamento.
Já vinha com algumas direcções sobre o local ideal para ficar. Seria a Pensão Ruby.
A pensão Ruby era uma casa centenária bem recuperada e orientada para a acomodação de backpackers. Era gerida pela Claudia e pelo Uwe, que recebiam qualquer forasteiro em sua casa como se fosse da sua família.
As condições da Pensão Ruby eram muito acima das condições de outras pensões para backpackers, por onde eu havia passado. Bom quarto e boas casas de banho… eu não podia pedir mais...
Saí da pensão no lusco-fusco da tarde para o primeiro passeio pedonal pela Ilha de Moçambique.
A primeira impressão era a de um riquíssimo património histórico em completo estado de degradação.
No entanto viria a constatar que tal não era completamente verdade. Podia observar bastantes edifícios recuperados, principalmente os edifícios do Estado, os museus, os restaurantes e alguns albergues.
As estradas sem pavimentação eram povoadas por grupos de crianças que brincavam nas proximidades de suas casas, completamente alheias ao branco que partilhava o espaço com elas.
Apesar da Ilha de Moçambique estar provida de electricidade, era possível ver pelas frinchas das portas e janelas, que muitas habitações eram iluminadas por velas ou por lamparinas a petróleo.
Acabei por jantar no restaurante Ancora D’Ouro, seguidamente de um recolher à Pensão Ruby.
Os dias seguintes seriam totalmente dedicados à Ilha de Moçambique, ao seu património e suas gentes.
Desde as Chocas-Mar à Ilha de Moçambique, percorrera 67Kms em 5h31m, dos quais 62 minutos foram dedicados aos monumentos em Mossuril e ao Aeródromo do Lumbo.
Ei.. por onde vc anda agora..? Muito interessante seu blog.. achei por acaso, enquanto tentava saber as informações q o google fornece sobre Mazabuka, onde estou atualmente.. Parabens por essa tao rica aventura..obrigada pela iniciativa e pelas informações..
ResponderEliminarBelos relatos etnográficos. À espera da continuação! S.C.
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