Estadia em Nampula e a Roda da Bicicleta

 

Numa normal estadia em Nampula, a minha agenda estaria preenchida com visitas aos museus, a igrejas, aos mercados, com passeios pela cidade e por momentos de convívio com os meus amigos e habitantes locais.

No entanto a realidade era bastante diferente.

O principal (e quase que poderia dizer o único) objectivo da estadia em Nampula era a reparação da roda da bicicleta. Seria imperativo a solução definitiva deste problema antes de embarcar na próxima etapa. O outro objectivo (com a sua importância, mas o qual não me preocupava muito) era deslocar-me à Imigração para levantar o meu passaporte com uma extensão de mais 30 dias no meu visto.

Aos poucos e poucos começava a cansar-me da necessidade de atenção e de afecto que o aro traseiro demandava. Despendia mais tempo a pensar no problema da roda, do que a desfrutar da paisagem envolvente. Passava mais tempo a reparar câmaras-de-ar, do que a confraternizar com gentes locais. Isto para não falar do esforço extra dispendido a recuperar o tempo perdido, em vez de estar tranquilo a recuperar energias para a etapa seguinte.

Os primeiros dias em Nampula não serviram para mais nada a não ser para inspeccionar e reparar a bicicleta. A começar pelo aro traseiro.

Após desmontar o aro da bicicleta e depois de remover todas as tiras de borracha que protegiam a câmara-de-ar, pude constatar o verdadeiro estado em que este se encontrava.

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A brecha havia progredido longitudinalmente em quase toda a circunferência do aro. As abas laterais (que seguram o pneu) sofriam de uma deformação permanente para o lado exterior, enquanto na zona central junto aos orifícios de aperto dos raios, já faltavam alguns bocados de material.

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Passeei o aro pelas ruas de Nampula por mais de 6Kms, na perspectiva de encontrar uma oficina que soldasse alumínio, ou então na esperança de encontrar um aro semelhante, que pudesse substituir o aro danificado.

Nas inúmeras casas de utilidades, que vendiam de tudo, nunca encontrei o material que realmente precisava.

Poderia encontrar ferramentas, ferragens, utensílios de cozinha, materiais de construção, material escolar, electrodomésticos, artigos de higiene, telemóveis e motorizadas todos dentro do mesmo estabelecimento comercial… mas encontrar as coisas mais simples para uma bicicleta ocidental era mentira.

DSCF7110Abundavam os materiais para a famosas bicicletas indianas e/ou chinesas, de travões de alavanca e roda 28”. No entanto encontrar uma simples câmara-de-ar para bicicleta de BTT era algo raro, enquanto os raios para rodas 26” eram praticamente inexistentes.

As câmaras-de-ar que havia no mercado, além de serem para jante 28”, tinham um sistema de “pipo” que já não via há 20 anos (o famoso pipo com camisa de borracha) e que não eram compatíveis com a minha bomba. Viria a encontrar uma câmara-de-ar bem mais tarde num supermercado de uma cadeia Sul-Africana (Shoprite) a preços proíbitivos.

No que respeita aos raios para o aro (e uma vez que tinha 4 partidos), seria obrigado a adquirir uma dúzia deles (mesmo sendo de uma medida ligeiramente superior e made in China) para fazer face às necessidades do momento, enquanto os restantes raios seguiriam comigo como reserva.

Já Nampula havia sido totalmente percorrida pelos meus pés e a minha motivação descera para níveis preocupantes, quando encontro uma pequena oficina familiar que reparava aparelhos de refrigeração.

Falei com o dono sobre a possibilidade de reparação do meu aro, ao qual ele respondeu não haver problema. O único impasse era conseguir eléctrodos para soldar alumínio!

Pediu-me para regressar no dia seguinte para ver o que poderia fazer… caso encontrasse os ditos eléctrodos.

Assim fiz, e na manhã seguinte quando regressei à dita oficina, ainda consegui assistir a parte dos trabalhos de reparação do meu aro.

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Enquanto uns dos funcionários da pequena oficina segurava na roda de mãos nuas, o outro derretia a maçarico um eléctrodo de alumínio que segurava com a ponta de um alicate.

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Por várias vezes apeteceu-me saltar para o meio dos soldadores e mandar parar o trabalho antes que acabasse por derreter o aro de vez. Mas por último optei por distrair-me com outras coisas e deixa-los acabar o serviço, antes que eu tivesse um ataque cardíaco.

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Afinal de contas esta era a única solução que encontrara para o meu aro… e à parte desta só me restava mandar vir um aro de fora.

No final o resultado não podia ser outro…

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Um aro de forma quadrangular e totalmente desfigurado devido às tensões internas que apareceram por acção das elevadas temperaturas (e arrefecimento). Isto para não falar nos cordões de solda que ficaram alojados ao longo das pistas de travagem e que tiveram que ser desbastados com uma lima.

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De regresso à casa da Ana, dedicaria mais de 5 horas do meu tempo a tentar colocar o aro novamente com uma forma circular e alinhado com o centro da bicicleta.

Um trabalho simples para qualquer montador de rodas, no entanto algo bastante complexo para um amador, ainda mais que o aro estava completamente deformado.

Quando pensava que o aro tinha finalmente adquirido a forma de uma circunferência, reparava que não estava alinhado, movendo-se da esquerda para a direita.

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Se tentasse alinhar o aro… ou voltava a ter uma roda de forma oval, ou acabava com uns 3 a 5 raios completamente soltos.

Nos momentos de maior desespero apetecia-me enfiar a roda na cabeça dos dois soldadores, por terem dado tanto calor ao material deformando-o irremediavelmente.

DSCF7122No entanto, aos poucos e com muita paciência fui conseguindo fazer o aro dirigir-se para as proximidades da sua forma original.

 

No restante da atenção que a bicicleta usufruiu, notei com alguma preocupação que o desviador traseiro apresentava algum empeno e também umas folguinhas.

Daí a minha dificuldade em pedalar nos carretos das extremidades (1º e 9º).

A corrente (apesar de suja) aparentava ainda aguentar mais alguns quilómetros, desde que pedalasse em primeira e em tripla. O prato do meio já não aguentava grandes esforços e o que restava dos dentes, rapidamente desapareceria se abusasse do seu uso.

A suspensão (dianteira) também tinha uma pequena folga ao nível das bainhas. Mas como estava relativamente estável desde que eu deixara o Malawi, então não fazia parte das minhas preocupações.

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Depois de todas as atribulações com a bicicleta (e que me deixaram desgastado), eis que consegui arranjar metade de um dia para fazer algumas das coisas que planeara para Nampula.

Uma visita ao mercado local, uma visita à Catedral de Nampula…

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… uma visita ao Museu de História Natural … e alguns momentos de confraternização (Tatiana e Stephen).

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O meu próximo destino seria Murrupula, uma povoação ao longo da estrada para Mocuba. Seria o primeiro teste, ao quadrado de forma circular que eu usava como roda traseira. Era demasiado prematuro avançar para as estradas de picada ao longo da costa, sem saber se as soldaduras feitas pelos meus companheiros aguentariam o esforço a aplicar.

Estava na hora de preparar a malas, entregar a casa aos donos e fazer-me à estrada…

2 comentários:

  1. E sempre fico impaciente à espera do próximo capítulo perguntando-me, "será que o aro aguenta?"

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  2. Faço minhas as palavras do Trindade: A ver vamos, se o danado do aro se aguenta ;)
    S.C.

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