Moçambique Fase III (Estadia em Inhassoro)

 

Na minha primeira madrugada em Inhassoro, levantei-me por hábito do meu metabolismo. Queria ficar mais tempo na cama, mas contrariamente ao que eu pretendia, o meu corpo estranhava o conforto do leito.

Contemplei o nascer do Sol e já de barriga cheia, aventurei-me numa passeata pela praia com direito a molhar os pés no Índico.

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Assim que o Astro-Rei passou a fasquia do 45º com a superfície do mar, os calores apoderaram-me do meu corpo e uma forte dor de cabeça instalou-se em mim.

Receoso do pior, decidi recolher à minha tenda para o devido repouso, no entanto mais de 2 horas estendido na horizontal, não seriam remédio para o meu mal.

Pedi para levarem-me ao hospital da Vila para realizar o teste da malária, pois as minhas suspeitas indicavam nesse sentido.

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Após uns longos minutos de espera e a andar de corredor em corredor, eis que sou encaminhado para o banco de recolha de sangue.

30 Minutos mais tarde chegava o resultado… Estavam certas as minhas suspeitas, aquando da minha chegava a Save…

…Malária!

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Saí do hospital carregado de medicamentos comprados avulso, entrei no carro do Carlos (que tinha vindo buscar-me) e dirigi-me para a minha tenda para o devido repouso.

Desde a minha saída de Luanda que estava mentalizado para este tipo de inconveniente. No entanto após 5 meses de estrada sem apanhar nenhuma virose, não esperada vir a apanha-la a meia-dúzia de quilómetros do final da minha viagem até Maputo.

Ainda com capacidades racionais, calculei que os dias de tratamento adicionados aos dias de recuperação, iriam obrigar-me a nova programação dos trajectos futuros… mesmo que essa programação não existisse.

Almocei e iniciei o tratamento da malária com um saco de plástico cheio de comprimidos soltos.

Algumas horas depois, tinha a minha cabeça do tamanho de uma melancia, com uma densidade 100 vezes maior que o normal.

Podia esquecer os próximos dias do meu calendário, pois estes seriam passados com as mãos agarradas à minha cabeça, sem me conseguir mexer para onde quer que fosse.

Sofria por acção da malária, mas sofria ainda mais por acção dos medicamentos. Assim que os ingeria, sentia os ouvidos a tapar.

Pouco depois ligavam-se 2 turbinas dentro dos meus tímpanos que não me deixavam ouvir o cantar dos passarinhos, que alegremente voavam à volta das árvores que circundavam a minha tenda.

Depois das turbinas ligadas, vinham as dores de cabeça e de corpo.

Queria dizer “…aaaaaaiiiii…”, mas ou não tinha força, ou não conseguia ouvir a mim mesmo. Apenas quando sentia a vibração das minhas cordas vocais, é que sabia que tinha soltado algum grunhido.

Na cama, acordava frequentemente a transpirar de frio e tremer de calor. Tinha o metabolismo completamente desregulado. Queria beber água, mas só o facto de ter que esticar o braço até a uma das garrafas que espalhara por toda a tenda, fazia-me pensar duas vezes. Doíam-me articulações que nem eu sabia que as tinha, além que o meu braço parecia que pesava 1 tonelada.

Por vezes acordava com os arranques das turbinas que tinha dentro da minha cabeça, e numa das vezes consegui ver o Pai Natal montado no seu trenó movido a jacto, às voltas ao farol da Praia da Barra. Quando o barulho tornava-se quase ensurdecedor, eis que parava de repente… para voltar alguns minutos mais tarde.

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Deslocar-me até ao restaurante da Casa Luna paras as refeições, era quase uma aventura, mas fazia-me bem. Não só lavava as vistas, como também permitia que a minha cama secasse o meu suor e permitia que a tenda arejasse, pois com tanto remédio esta já cheirava a hospital…

Os dias foram passando e simultaneamente eu fui melhorando a minha condição.

Por fim, já conseguia olhar para o mapa e preparar novas etapas, sem que as letras desfocassem e sem sentir tonturas.

No balanço final acabei por retirar Vilanculos do meu itinerário, pois os dias passados em tratamento e os dias que eu ainda iria passar em recuperação, não me permitiriam grandes descuidos. Não podia dar-me ao luxo de deixar o meu Visto acabar sem chegar a Maputo.

Do alto da varanda da Casa Luna, conseguia ver uma grande extensão de praia.

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Nos dias de céu limpo, e mesmo em frente onde me encontrava, DSCF8239conseguia avistar com clareza a Ilha de Bazaruto. Um pouco mais para Sul e esforçando ligeiramente as vistas, era possível distinguir a Ilha de Santa Carolina, que se situava entre o Continente e Bazaruto.

Aos poucos fui conseguindo fazer aquilo que tentara na minha primeira manhã em Inhassoro.

 

Desfrutar calmamente da praia e molhar os pés no Índico.

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A praia permanecia quase sempre deserta. Apenas as gentes da pesca e alguns garotos partilhavam as areias comigo.

A maior parte deles teimava em cumprimentar-me com um “How are you?”, uma tendência que vinha a acontecer com cada vez com mais frequência, à medida que eu me dirigia para Sul.

 

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As manhãs passadas em curtas caminhadas matinais, permitiram-me estudar com mais detalhe as embarcações usadas na pesca costeira.

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Um punhado de tábuas a fazer a forma de um bote, sem qualquer tipo de calafetação e por onde conseguia entrar e sair um peixe.

Vários pedaços de esferovite amarrados uns aos outros e presos às tábuas, impediam que a embarcação fosse ao fundo.

As redes, os anzóis, as canas e os remos, seguiam algures em cima das esferovites juntamente com o pescador.

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Nos meus últimos dias de recuperação, recebia a visita do Filipe e do Pedro, dois colegas que estavam a trabalhar Moçambique e que resolveram aparecer em Inhassoro para passar um par de dias.

Eu já me encontrava praticamente curado, embora ainda não estivesse a 100%, sentia-me bastante melhor. Condição mais que necessária para embarcarmos num passeia de barco à Ilha de Santa Carolina.

À chegada à Ilha, deparámo-nos com um cenário paradisíaco ao melhor nível de qualquer capa de revista.

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Águas transparentes e areia limpa, circundavam toda a Ilha. Do barco podíamos ver vários cardumes de peixes de todos os tipos e de todas as cores, que se refugiavam junto aos corais assim que se sentiam ameaçados.

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Já na Ilha deparei-me com um cenário surpreendente e para o qual eu não estava à espera.

Por toda a Ilha havia ruínas de algo que deveria ter sido admirável, e que por todas as razões e mais algumas fora saqueado, vandalizado e encontrava-se neste momento, praticamente ao abandono.

À entrada podia-se ver uma placa onde lia-se “Ilha de Santa Carolina – 1952 – Obra Edificada por Ana e Joaquim Alves”.

Logo de seguida entrava-se numa avenida “pedonal” que levava os visitantes a vários cantos da Ilha. Seguindo para a esquerda, chegava-se ao aeródromo. Indo para a direita, chegava-se um conjunto de casas que eram de impossível identificação. E pelo caminho principal chegava àquilo que deveria ter sido o edifício principal o Hotel.

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A vista fantástica contracenava completamente com o ar de destruição do edifício. Deste podíamos ver apenas o esqueleto, pois todo o tipo de adornos havia sido arrancado ou destruído.

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Do 1º andar, onde suponha ter sido uma sala panorâmica, era claramente visível a Ilha de Bazaruto. À minha esquerda e à minha direita, conseguia ver vários blocos de edifícios ao longo da praia (desta vez mais pequenos) que deveriam ter sido os blocos com os quartos de “menor valor”.

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Poucos foram os que me conseguiram explicar como deixaram uma construção que deve ter sido tão bonita, chegar ao estado que chegou.

DSC01618Perguntei se foi durante a Guerra Colonial…

…Responderam-me que não.

Perguntei se foi durante a Guerra Civil…

…Responderam-me que não.

Então?

-...foi depois da Guerra… – respondeu alguém.

 

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De volta à Casa Luna, passei as últimas horas de repouso na companhia do Filipe e do Pedro (além de estar sempre acompanhado pela Aziza, pelo Carlos e por todo o pessoal da Casa Luna).

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Estava a saborear a “boa vida” e a começar a gostar dela. Comer, dormir, Sol, praia, piscina… No entanto as minhas pernas começavam (pouco a pouco) a pedir quilómetros, ao mesmo tempo que crescia em mim, um nervozinho miudinho para voltar à estrada.

Olhando para o mapa geral da minha viagem, recordava com saudade os momentos vividos em cada uma das etapas…

Mapa Geral

Estudando o mapa de Moçambique, era facilmente perceptível que Maputo era já ali.

Mapa Moz

Já não necessitava de abrir o meu mapa desdobrável em cima de uma mesa grande. Agora, bastava-me abrir 2 dobras… e Maputo estava logo ali.

De olhos postos no mapa, tentava adivinhar o que o país ainda teria para me oferecer. Tendo em conta que cada etapa percorrida, era menos um dia da minha curta viagem…. E cada dia passado, era menos um dia de permanência em Moçambique, pois já me encontrava de 2ª e última prorrogação do Visto.

No que respeitas às feridas que ainda trazia nos tornozelos e nos nós dos dedos, os dias passados em Inhassoro foram de alguma maneira uma bênção para a sua cicatrização.

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Já não havia carne à mostra. Agora eram só croscas amareladas e crateras na minha pele.

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A próxima etapa seria até Mapinhane, uma povoação a cerca de 95Kms de Inhassoro.

Uma etapa relativamente fácil, dependendo do que a bicicleta havia reservado para mim e dependendo também, da reacção do meu corpo à recuperação da malária.

No final, podia dizer que apesar do azar de ter apanhado malária, fui apanha-la no melhor sitio do mundo, onde contei sempre com o apoio da Aziza, do Carlos e de todo o pessoal da casa Luna.

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2 comentários:

  1. Boa Tarde Pedro Fontes,
    Ainda bem... já passou!! Lindas imagens da Praia...
    Cumpts,
    Maribel Morgado

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