Moçambique Fase III (Save – Inhassoro)

 

Após uma noite a tremer de frio, eis que acordo encharcado em suor e enterrado num colchão que mais parecia um moliceiro.

Na posição em que me encontrava, apenas consegui ver as bordas do colchão e o telhado em capim do meu quarto, tal era a curvatura côncava que o meu leito apresentava.

A custo, tentei levantar-me para avaliar a condição física do meu corpo, mas a única solução que encontrei para sair da casca onde estava enterrado, seria a de rebolar até uma das laterais do colchão para de seguida colocar os pés no chão e por fim, erguer-me.

Nos primeiros movimentos matinais, concluí que eu estava praticamente a 100% e que das febres e dores da noite anterior, apenas restavam uns ínfimos vestígios. Dava assim por quase certo, que eu não estaria com malária e que a má disposição e dores musculares deviam-se simplesmente, ao cansaço.

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Após um pequeno-almoço elaborado com aquilo que se podia arranjar, decidi dedicar-me à substituição de um raio que estava partido. Era uma reparação simples e não muito morosa, pois não era obrigado a desmontar o pneu por completo.

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Faltavam 10 minutos para as 9h00 quando dei início a mais uma etapa da minha viagem. Desta vez até Inhassoro, uma povoação à beira-mar a cerca de 87Kms de Save. Poderia considerar a etapa até Inhassoro, como uma etapa curta, quando comparada com outras etapas anteriores. No entanto (e uma vez mais) os (im)previstos é que iriam ditar o tempo que eu demoraria entre as duas povoações.

Nas primeiras pedaladas da manhã, depressa cheguei a uma conclusão e a uma constatação:

Em primeiro lugar, as minhas pernas e articulações ainda se ressentiam do dia anterior, obrigando-me a recuar quanto à minha conclusão acerca da malária.

Em segundo, constatei que o vento estava forte… de Este, mas forte… e segundo a minha sina, este iria voltar-se contra mim mais cedo ou mais tarde.

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Pedalava seguindo longas rectas e sem variações paisagísticas. A monotonia da etapa era compensada pelo ânimo em chegar a Inhassoro, local onde planeava passar 1 ou 2 dias para descansar, de preferência com os pés mergulhados nas águas quentes do Índico.

A viagem prosseguia sem altos nem baixos, sem curvas nem contra-curvas, sem aldeias nem gentes… simplesmente após uma longa recta… vinha outra recta longa…

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A estrada estava em piores condições que os quilómetros anteriormente percorridos, o que mantinha-me acordado para desviar a bicicleta dos vários buracos que se cruzavam comigo.

Decorriam 2h20 de uma etapa insonsa, quando surge um barulho estranho na minha roda traseira para quebrar a monotonia.

Por debaixo da minha axila esquerda, mirei o aro traseiro para tentar identificar a origem o ruído, que mantinha uma frequência proporcional à velocidade linear da bicicleta.

Assim que vi a causa do barulho, parei imediatamente antes que ficasse sem mais uma câmara-de-ar.

O meu pneu chinês, comprado no Malawi meses antes, resolvera ceder deixando a câmara-de-ar à beira de um iminente estouro.

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No meio do inconveniente, dei por mim contente por saber que o problema na roda traseira não era nem um furo, nem um raio partido, tal era a minha fobia com estes 2 tipos de azares.

Ao menos este era um problema diferente dos outros e que nunca havia acontecido antes. Além que tinha comigo um pneu suplente pelo que este percalço não me chegava a causar dilatação dos vasos sanguíneos.

Desmontei o pneu nas calmas e substitui pelo pneu novo que trazia debaixo da tenda. Entre alguns segundos de tensão, que ocorriam sempre que arrancava uma das crostas ainda existentes nos nós dos meus dedos, consegui montar o pneu e colocar a bicicleta operacional para andar.

Apenas quando já me encontrava a arrumar a ferramenta, é que reparei numas letrinhas inscritas no pneu que indicavam o sentido de rotação do mesmo. E neste preciso momento as setinhas estavam apontadas para trás, o que quereria dizer que eu tinha montado o pneu ao contrário!

Contei até 10… idolatrei-me com alguns adjectivos do nosso vasto vocabulário, de seguida respirei fundo e lancei (mais uma vez) mãos à obra. Desmonta pneu, tira câmara-de-ar, tira protecção da câmara-de-ar, roda pneu para o sentido correcto, monta câmara-de-ar com a protecção e monta pneu desta vês com as setinhas a apontar para a frente.

No final da operação, já não havia crostas nas minhas mãos. Apenas crateras em carne vida com tons de amarelado, que teimavam em não cicatrizar. Era assim desde a chegada à Gorongosa, quando fui mordido por uns esvoaçantes esfomeados e de ferrões bem afiados.

Com a brincadeira do pneu, perdera 45 minutos do meu dia. Nada que atrapalhasse o resto da etapa, caso não houvessem mais surpresas indesejáveis.

Segui estrada fora por rectas e mais rectas em direcção a Macovane, povoação onde planeava parar para comer alguma coisa.

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Alguns quilómetros mais tarde, acabei por chegar à desejava povoação. No entanto a única coisa que encontrei foi uma placa com o nome de Macovane e um punhado de crianças a brincar na estrada.

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Decidi então, pedalar até ao cruzamento com a estrada para Inhassoro na expectativa de encontrar algum barraco que vendesse algo comestível. Mas uma vez mais, as expectativas saíram furadas e tive que contentar-me com uma Coca-Cola comprada numa das lojas junto à estrada.

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Faltavam apenas 15Kms até Inhassoro, mas estes seriam os quilómetros mais penosos, uma vez que pedalava para Este. Exactamente em sentido contrário ao forte vento que se fazia sentir na região e que não me deixava passar dos exorbitantes 15Kms horários.

Pedalava agora numa estrada ainda mais estreita que o último troço da Estrada Nacional. Tão estreita que eu era quase obrigado a saltar para a berma, cada vez que um carro cruzava comigo.

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À medida que me aproximava de Inhassono, conseguia ver com cada vez mais clareza, o azul do mar. No entanto achei que algo de errado se passava com o mar, pois este não emanava o cheiro a maresia que eu esperava. Antes pelo contrário, as minhas narinas captavam o cheio normal a “ar”… ou seja nada.

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Entrei em Inhassoro às 14h20. Tinha tempo suficiente para circular pela povoação, antes de me dedicar à procura de local para pernoitar.

No final da estrada principal, segui a única estrada de alcatrão. Virei à direita (para Sul) e fui à descoberta de um local para saciar a minha fome.

Logo no início da via, parei numa padaria para comer 2 pães e beber qualquer coisa. Pouco depois segui a minha pesquisa sobre pensões para ficar durante a noite.

Inhassoro parecia-me bastante calmo e tranquilo. Pouco trânsito e pouco explorado turisticamente. No entanto, aos poucos fui-me apercebendo que aqui e ali havia várias pensões, a maior parte delas exploradas por estrangeiros e com preços proibitivos para a minha carteira.

Explorei várias hipóteses de alojamento, mas sem grande sucesso. Acabaram por sugerir-me a Casa Luna, uma pensão do outro lado da vila e que pertencia a um português. Aceitei a ideia com agrado, pois pelo menos na questão da comida, sabia que estava safo (segundo a regra de “onde há um português não falta nem vinho nem comida”). Restava-me saber o alojamento.

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À chegada à Casa Luna, deparei-me com um lugar paradisíaco no alto de uma falésia e com vista para o mar. Ainda pensei meia-duzia de vezes se valia a pena dirigir-me à recepção, pois um lugar como o que os meus olhos deslumbravam, não cabia certamente no meu orçamento. No entanto após algumas hesitações acabei por avançar e dirigir-me ao balcão.

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Alguns minutos de conversa, de exposição da minha viagem e dos respectivos condicionalismos financeiros, eis que chegámos a acordo quanto ao valor da pernoita. Afinal um dia não são dias, e estando eu na recta final do meu trajecto, podia bem oferecer a mim mesmo um par de dias num local tão bonito e tranquilo como o que a Casa Luna proporcionava. Aliás, as minhas pernas pediam pelo menos 2 dias de “papo para o ar”.

Fiquei alojado numa tenda tipo “militar”, montada sobre um estrado de madeira e com todas as condições no interior. Cama grande… casa de banho privativa… chuveiro com água quente…

Já não me lembrava de ter tanto “conforto” num só local.

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Do meu varandim conseguia ver a piscina, o mar e a Ilha de Bazaruto ao fundo como que a rasgar a linha do horizonte marcada pelo Oceano.

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Já instalado e de banho tomado, estava na hora de saciar a minha fome com um prato de peixe que me alegrava as vistas só de olhar para ele.

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De Save a Inhassoro pedalei 87Kms em 5h28m, incluindo 53 minutos de paragens “técnicas”.

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1 comentário:

  1. Reitero o pedido feito no m/comentário, de 20 do corrente ao post referente à 'Estadia na Beira, Parte II'
    POR FAVOR!!!

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