Moçambique Fase II (Estadia no Parque Nacional da Gorongosa)

A minha estadia no Parque Nacional da Gorongosa começou com as actividades de lazer.

Logo nas primeiras horas de permanência na reserva, informei-me sobre como participar num dos muitos safaris que o parque organizava. Fazia questão de conhecer este santuário da vida animal, que tivera o seu esplendor nos anos 60 e que posteriormente sofrera da pior maneira os efeitos da guerra civil.

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Embarquei num dos veículos 4x4 pertencentes ao parque e estava pronto para o passeio. Ainda antes de partirmos, ouvimos os prudentes conselhos do guia.” Não sair do veículo… manter o silêncio… não deitar lixo para o chão… e não alimentar os animais”, eram ensinamentos a cumprir. Após a sessão de indução, arrancámos para o interior da Reserva.

Pouco depois deslocávamo-nos em estreitos trilhos, tão parecidos com outros que eu percorrera de bicicleta ao longo da minha viagem. Contudo nestas bandas havia uma certeza, que era a existência de vida selvagem, nomeadamente leões.

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Não seria necessário percorrer muitos quilómetros para avistarmos os primeiros espécimes.

Junto à margem de um riacho, um grupo de crocodilos repousava de boca aberta num processo de aquecimento corporal.

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Um outro, bem maior que os restantes, fitava-nos de olhos semi-cerrados como se o tivéssemos acordado de um sono profundo.

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Uma dezena de metros mais à frente, um antílope (nunca consegui decorar o nome) entretinha-se na margem do riacho, como se não fosse nada com ele e sem querer saber dos seus amigos de sangue frio, que mantinham-se de boca aberta.

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Continuámos por entre trilhos e árvores, durante alguns quilómetros até que nos deparámos com o extraordinário Rift Valley. Uma falha geológica com 6.500Km de extensão, que começa algures na Síria, corta o Mar Vermelho, atravessa diversos países Africanos e termina em Moçambique. Dadas as suas características naturais, o Rift Valley é um paraíso para a vida selvagem. Os seus terrenos húmidos são perfeitos para a vegetação. Os diversos riachos e charcos são o habitat ideal para hipopótamos e crocodilos, além de também servirem para saciar a sede aos mais diversos herbívoros e carnívoros que coabitam no Parque natural.

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Pouco depois chegávamos à ainda chamada “Casa dos Leões”.

Do guia (e também motorista da viatura), ouvíamos as explicações do que fora a “Casa dos Leões” nos anos 60, do que fora durante a Guerra Civil (1976-1992) e do que era a mesma casa nos dias de hoje. Atrás de mim, viajava o Carlos Afonso (com a família) o qual completava as descrições do nosso guia na primeira pessoa, com as experiencias vividas na Gorongosa nos seus tempos de juventude.

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Apercebia-me cada vez mais do contraste entre o “antes” e o “agora” da Gorongosa. À minha volta falava-se dos cenários deslumbrados nos anos 60/70, de planícies cobertas por todo o tipo de antílopes, gnus, búfalos, zebras, etc. De elefantes que passavam a escassos metros das 4 pequenas habitações existentes na altura, e das manadas de búfalos que se deslocavam aos charcos para beberem água.

Pintavam-se quadros de outros tempos, que quase em nada tinham a ver com o que os meus olhos viam actualmente. Apesar de a paisagem propriamente dita não estar destruída, faltava muito de tudo, quando comparado com os relatos ouvidos durante a jornada e quando comparado com as crónicas de Henrique Galvão na sua passagem pela Gorongosa, algures nos anos 40 (ver textos e gravuras da Ronda de África de Henrique Galvão, em http://www.macua.org/ronda/mapa.html)

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Debatia-se as consequências da Guerra Civil na vida animal da Gorongosa, o actual projecto do investidor Greg Carr, assim como o trabalho feito pela equipa do Parque Nacional, para tentar repovoar a região com as suas espécies originais.

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Curiosamente viria a saber que a “Casa dos Leões” era assim chamada, por era o local onde os leões repousavam e preparavam a sua próxima refeição. Vá-se lá saber como, mas após o abandono do pequeno edifício por parte do homem, os leões da Gorongosa aprenderam a subir a estreita escada em caracol, reunindo-se no seu terraço para longas acções de vigilância e observação. Identificada a refeição, os leões desciam as escadas degrau a degrau e partiam para a caçada.

Mais tarde, por ordem de alguém, demoliram-se as 4 pequenas habitações adjacentes, assim como as escadas que levavam os leões para o seu posto de observação, deixando apenas as ruínas da “Casa dos Leões”.

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Regressámos ao acampamento já no entardecer…

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… Não sem antes avistarmos alguns dos gigantes que povoam a Reserva…

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Os restantes dias passados no Parque Nacional da Gorongosa, seriam de repouso físico e mental, onde não pude deixar de me deliciar com os excelentes pratos do cozinheiro chefe Macuacua e do divinal pudim de banana que a todas as refeições era colocado na mesa das sobremesas do buffet.

Para último, ficaram as cansativas tarefas de manutenção/reparação da bicicleta, de preparação das novas etapas, assim como a de lides domésticas.

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Comecei pela substituição dos raios partidos na etapa anterior e a consequente afinação da roda traseira. Encontrava-me completamente saturado da sina da minha roda e o facto de nunca saber quantos quilómetros conseguia percorrer sem ter nenhum dos conhecidos percalços, deixava-me os nervos à flor da pele.

O aro traseiro continuava a dar-me dores de cabeça. A estaladela existente numa das abas, continuava a progredir ao longo do aro, correndo o risco iminente de ficar a meio de uma etapa qualquer.

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A corrente com mais de 6.600Kms de uso, estava em final de vida. No que respeita à cassete das mudanças, esta apresentava sérios sinais de desgaste principalmente ao nível da 3ª, 4ª e 5ª velocidade. Estava na altura de substituir a corrente velha pela corrente suplente (semi-nova) que trazia nos meus alforges, e esperar que ainda fosse a tempo de aceitar o engrenamento nos dentes dos carretos traseiros.

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Todas as manhãs acordava com as mãos inchadas e os tornozelos com o dobro do tamanho (agora tinha os dois tornozelos em ferida). Era a sequela das picadas de moscardos, sofridas nas etapas anteriores e que não tinham meio de sarar, infectando e deixando a minha carne constantemente à mercê da bicharada. Nos primeiros movimentos da manhã, sentia o sangue a deslocar-se para as extremidades das mãos e dos pés ao ritmo do batimento cardíaco, parecendo que estes iam rebentar com tanta pressão. A situação acalmava breves minutos mais tarde, após alguns exercícios de mobilidade dos meus dedos.

Para evitar males piores, visitava diariamente o enfermeiro do parque, Nildo Chigavale, no seu consultório para tratamento das várias feridas.Acabaria por ser forçado a andar constantemente com dois pensos nos meus tornezelos, fortemente presos por fita adesiva e forçado a ter cuidados extra com as feridas das mãos.

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Numa das minhas visitas ao consultório do Nildo, este ofereceu-se para me dar uma importante ajuda. Na sua arrecadação estavam 3 bicicletas que foram deixadas ao Parque, por um grupo de ciclistas em missão humanitária. Juntamente com as bicicletas, estava um saco com diverso material suplente para reparação das bicicletas cedidas.

Ao saber da minha cólera com a roda traseira, o Nildo ofereceu-me umas das rodas das suas bicicletas e que servia na perfeição para os meus propósitos. Após breves segundos de meditação, consegui resistir à tentação de aceitar a oferta divina (acabando de uma vez por todas com a saga da minha roda traseira). A razão para a minha recusa era simples. Não me parecia de todo correcto transladar o meu problema para outra pessoa, que iria passar por tantas ou mais dificuldades que eu, para conseguir manter a sua bicicleta operacional.

No meu caso, só teria que manter a esperança (ou melhor a teimosia) que a minha roda aguentasse pouco mais de 1.000Kms até Maputo… afinal de contas já estava perto.

Mas, no final da minha estadia na Reserva, acabaria por aceitar uma câmara-de-ar do Nildo, visto que eu estava completamente desprovido deste tipo de material de consumo corrente.

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Nos meus planos iniciais (com o pretexto de estender a viagem o mais possível), estava uma visita a Chimoio e outra visita à Beira. Somente após conhecer as duas cidades é que planeava seguir para Sul em direcção a Maputo.

O itinerário previsto seria da Reserva até ao Inchope (povoação onde todas as estradas se cruzavam) e posteriormente para Chimoio. Uma vez na cidade de Chimoio, voltaria para trás, passando novamente no Inchope, até chegar à cidade da Beira. Depois de conhecer a Beira, regressaria ao Inchope pela terceira vez, rumando em seguida para Sul em direcção a Maputo (trajecto a vermelho com aspecto de laçarote).

Após algumas considerações relativas ao prazo do meu visto (que estava a 5 dias de caducar) e relativas também à roda da bicicleta, acabaria por optar em suprimir a cidade de Chimoio do meu itinerário e seguir directamente para a Beira (trajecto a azul). Assim, esperava prorrogar o visto estampado no meu passaporte quanto antes, evitando problemas burocráticos com as autoridades.

Mapa

Caso conseguisse arranjar um aro de substituição para a bicicleta na cidade da Beira, então voltaria a considerar a hipótese de visitar Chimoio.

Assim sendo a minha próxima etapa seria até Nhamatanda, uma povoação a 85Kms da Reserva e a 102Kms da Beira.

Continuava sem ver nenhum leão, nem mesmo no Parque nacional da Gorongosa, o que me fazia suspeitar se na realidade ainda haveria leões neste continente.

Os dias no Parque Nacional da Gorongosa, foram passados sempre na companhia do Vasco Galante e do Hendrik Pott (Director de Comunicação e Gestor de Vendas do acampamento de Chitengo, respectivamente), que foram excepcionais relativamente à minha estadia na Reserva.

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