Tal como todas as anteriores estadias em outros locais, também a estadia na Beira tinha os seus propósitos bem definidos.
No topo das prioridades estava a prorrogação do meu Visto, que por só poder ser efectuada nas cidades Capitais de Província, teria obrigatoriamente que ser resolvida na cidade da Beira. Depois da entrega do Pedido de Prorrogação de Visto e enquanto aguardava pelo despacho do mesmo, eu poderia gozar de alguns dias para resolver outras questões. Nomeadamente a reparação da bicicleta, a reposição de material de consumo corrente e a aquisição de géneros alimentares.
A questão turística e sociocultural não seria em nada desprezada. Antes pelo contrário, era aquela que me despertava mais curiosidade. Contudo, e por imposição das circunstâncias, esta seria encaixada nos espaços livres entre a renovação do visto e a aquisição de material para o resto da viagem.
Logo na primeira manhã, procurei pelas instalações dos serviços de emigração. Após alguns minutos de voltas pela cidade à procura de orientações, eis que apanhei o rumo certo e consigo encontrar o desejado edifício.
Para poupar tempo e agilizar a preparação da minha viagem, pedi para falar directamente com o responsável pelo departamento. Após uns 30 minutos de conversa, expus a minha situação de viajante e também a importância em ter o meu visto renovado a tempo e horas. Curtos minutos mais tarde, eu recebia o feedback:
“… passe daqui a 2 dias… vamos ver o que podemos fazer…”.
Era tudo o que eu queria ouvir… uma resposta positiva! Apesar de nada estar realmente definido, não podia deixar de a considerar como uma boa notícia.
Com a questão do visto em andamento, estaria na altura de me dedicar à prospecção de mercado.
Com esta acção, pretendia encontrar material de reposição para a minha bicicleta, principalmente material para a roda traseira e material para o conjunto de carretos e corrente. Pretendia também guarnecer o meu stock em géneros alimentares e enquanto vagueava pela cidade à procura dos bens que satisfizessem as minhas necessidades, aproveitaria para fazer um pouco de turismo e de contactos sociais.
Nas primeiras horas de prospecção de mercado, dei-me por vencido e seria obrigado a aceitar que nunca encontraria o material pretendido para a reparação da bicicleta nas lojas da cidade. A maior parte delas pertencentes a comerciantes de origem Indiana, não comercializavam artigos compatíveis com a minha bicicleta, mas sim produtos para aplicação nas famosas bicicletas “Hero” (bicicleta a fazer lembrar as Ye-Ye) que se viam por todo o lado.
Acabaria por encontrar apenas uma loja onde pude adquirir câmaras-de-ar, garrafas para a água com respectivos suportes, cola e pequenos artigos de menor importância.
Por incrível que parecesse, e apesar de todos os cabelos brancos que eu ganhara devido aos problemas com o meu aro traseiro e com a corrente da bicicleta, havia em mim um gozo miudinho por não ter consigo encontrar as peças mais importantes para as reparações pretendidas. Tal facto só se traduziria numa situação…
…Eu continuaria a viajar com base na incerteza, sem saber qual das duas situações aconteceria primeiro. Ou o aro acabaria por ceder e abrir-se ao meio, ou a corrente e os carretos acabariam por cortar relações, impedindo que eu progredisse na viagem… Em suma, sem a substituição do material gasto por material novo e adequado à minha bicicleta, automaticamente aumentaria a “emoção” (ou o desespero) das restantes etapas até à chegada a Maputo.
A cidade da Beira era detentora de um rol de edifícios de elevado valor patrimonial. Um pouco por todo o lado eram visíveis construções datadas do início do século passado, onde a maior parte apresentava bons sinais de manutenção e restauro.
Em contrapartida, era comum encontrar imponentes edifícios de cimento e tijolo, a paredes meias com essas bonitas construções.
No meio de tanto edifício interessante e tão cheios de história, havia um punhado deles que eu fazia questão em visitar:
- A majestosa Estação da Beira.
Uma estação de comboios datada de 1966 e que ainda hoje deverá ser capaz de fazer inveja a muitas Estações Ferroviárias existentes por aí. De salientar o acolhedor restaurante no 1º andar da Estação, onde me deliciei com uma enorme massada de peixe e apreciei bons momentos de convivio com os outros clientes do estabelecimento.
- A Casa dos Bicos.
Um vasto e amplo edifício, construído em forma de vários bicos onde se realizavam exposições de índole cultural (mas não só…), e agora entregue ao abandono e à mercê de inquilinos de origem duvidosa.
- A Catedral da Beira
- O Grande Hotel.
Enorme edifício construído em meados dos anos 50, destinado a ser um dos (senão “o”) melhores e mais luxuosos hotéis de África.
Meio século mais tarde, o contraste é total. Do Grande Hotel original restam apenas as paredes e os pilares em cimento. Tudo o resto desapareceu! Contudo tal degradação não era impeditivo para centenas (ou talvez milhares) de pessoas usarem as suas instalações como abrigo ou como habitação própria e permanente. (www.grandehotelthemovie.com/#/trailer/trailer grande hotel)
Os (poucos) momentos de descanso havidos enquanto aguardava pela extensão do visto, foram passados no Clube Náutico. Restaurante localizado junto ao mar, onde eu fui sempre bem recebido (e servido) e onde encontrava sempre alguém disponível para dois dedos de conversa.
Seria após uma refeição no restaurante do Clube Náutico, que a Bela e o Joca (casal que eu conhecera dias antes no Parque Nacional da Gorongosa) voluntariaram-se para fazer uma visita guiada à cidade e ao Farol do rio Macuti.
Para o último dia de estadia na cidade da Beira e após levantar o passaporte na Imigração (com o visto prorrogado), havia reservado algumas tarefas de manutenção/reparação da bicicleta.
Na falta das peças de substituição mais importantes, eu seria obrigado a reparar e a desenrascar-me com o que tinha em minha posse. Entre a substituição de um raio partido, à afinação e alinhamento da roda traseira, até à montagem das novas garrafas na forquilha da frente (passando por outras pequenas tarefas), consegui “derreter” com as crostas todas que tinha nos dedos e tornozelos. Sem me aperceber muito bem como, cada vez que eu me mexia, acabava sempre com algum objecto roçar-me as feridas e a piorar o estado de cicatrização das mesmas. Valiam-me umas pomadas e uns medicamentos em pó, que a Bela e o Joca haviam-me dispensado com o objectivo de ultimar o mais rapidamente possível, o já longo processo de cura da minha pele.
Estava na altura de deixar a cidade da Beira e retomar a minha viagem até Maputo.
Até então contava com 6.810Kms pedalados desde a saída de Luanda.
Olhando para o mapa do Sul de África e analisando o trajecto percorrido, era bem notório o “desvio” que eu decidira efectuar aquando da minha passagem pela Zâmbia com o intuito de conhecer o Norte de Moçambique.
Pais onde passara a maior parte dos dias de viagem e onde pedalara cerca de 2795Kms com 26 furos e uma mão cheio de raios partidos, à mistura.
Pedro,
ResponderEliminarQue rostos bonitos e angelicais, cidade Interessante,... Gostei do capítulo!
maribel.
Para quando a publicação do resto da viagem?
ResponderEliminarNão tenho feito outra coisa nestes últimos dias que não seja ler e reler esta extraordinária aventura, eu que sou um apaixonado de África para onde me enviaram em "missão de soberania" sob ordens do defunto Salazar. Mais tarde,pela via profissional ainda fui viver para lá (Angola) aí percorrendo bons bocados que não só cidades. Por isso venho suplicar-lhe a bondade da publicação do restante de tais aventuras. Os meus antecipados agradecimentos.
ResponderEliminarGostei de saber que a cidade da Beira (onde nasci em 1958) apresenta-se limpa e cuidada, nas suas ruas, jardins publicos e alguns edificios históricos...
ResponderEliminarParabéns pela magnifica epopeia e pela coragem de percorrer o mapa côr de rosa em bicicleta...