Moçambique Fase II (Nhamatanda – Beira)

 

Pouco passava das 6h00 quando decidi saltar da cama que me acolhia e iniciar os preparativos para mais uma etapa. Desta vez até à cidade da Beira, a segunda cidade de Moçambique e na qual eu contava renovar o meu visto de turista.

O meu pequeno-almoço seria tomado na Estação de Serviço “Tupi”, a mesma onde havia parado no dia anterior aquando da minha chegada a Nhamatanda e na qual esperava encontrar-me com o proprietário da bicicleta Trek 6000 para ultimarmos a nossa negociação.

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No entanto e com o passar do tempo, acabaria por concluir que o meu parceiro não compareceria ao encontro marcado, muito possivelmente por ainda encontrar-se a lutar contra os efeitos alcoólicos originados pelas bebidas ingeridas na noite anterior.

Eram as 8h10 quando decidi sentar-me na bicicleta e iniciar a etapa do dia. Esperara mais do que 1 hora pelo proprietário da outra bicicleta, possuía o estômago forrado com papas Cerelac e tinha as pernas a pedir quilómetros… em suma, estavam reunidos os requisitos para deixar Nhamatanda e partir em direcção à Beira.

Afinal de contas teria que pedalar apenas 100Kms até à Beira, cidade onde eu esperava encontrar o material necessário para colocar a minha bicicleta novamente em estado operacional.

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O dia era de Sol, porém a manhã mantinha-se fresca o que criava algumas dificuldades aos meus joelhos em particular e ao resto do corpo em geral. Todavia, com a ascensão do astro-rei no céu azul, a temperatura ambiente ia igualmente subindo na escala dos termómetros, tornando a etapa mais agradável e confortável.

O vento era praticamente inexistente, o que me permitia rodar a velocidades ligeiramente superiores à média pré-estabelecida.

A bicicleta estava a aguentar-se e eu ainda não tinha sido presenciado com nenhuma “surpresa”. No entanto ainda era cedo para cantar vitória. Contava com apenas 1 hora de viagem e muita coisa poderia acontecer, tal como tinham sido os exemplos dos dias anteriores.

Em contrapartida, havia agora um outro factor com que eu deveria preocupar-me. O crescente tráfico de veículos pesados para (e de) a Beira obrigava-me a aumentar os níveis de alerta. Apesar de muitos motoristas advertirem-me (por avisos sonoros) da sua aproximação, outros havia que limitavam-se a ultrapassar-me a toda a velocidade, com carga mal acondicionada e com os seus veículos num estado de conservação ligeiramente aquém dos padrões normais de segurança.

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Continuava e pedalar com um certo entusiasmo, em parte devido à agradável paisagem envolvente e ao bonito dia que tinha pela frente, como também devido ao bom andamento que mantinha até então. Por algumas vezes, cruzava-me com edifícios alusivos a outros tempos que permaneciam na beira da estrada, recordando a todos os que ali passavam, da importância da via-férrea na região.

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Passavam poucos minutos das 11h00 quando comecei a sentir o estômago vazio. Instintivamente procurei pelo saco de bananas, que normalmente seguia ou pendurado no guiador ou preso na rede que fixava a tenda e afins. Mas rapidamente apercebi-me que a minha busca seria em vão, pois diante dos meus olhos passou um “flash-back” onde o saco das bananas soltara-se e estatelara-se no alcatrão há uns longos minutos atrás.

Com o passar do tempo, a vontade de ingerir algo ia crescendo exponencialmente. Na falta de bananas e de bolachas para saciar a minha fome, só me restavam as bancas de comércio local que abundavam em redor das pequenas povoações.

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Contudo havia algo que só de pensar, já me causava um conjunto de arrepios. Eu contava com 50Kms percorridos na etapa do dia sem qualquer tipo de problemas… e de acordo com as últimas estatísticas… sempre que eu parava a marcha para fazer algo em prol de mim mesmo, então surgiam as avarias na bicicleta… e se não fossem na bicicleta, haveriam de ser noutro sítio qualquer de modo a prejudicarem a minha prestação na etapa.

Decidira colocar a “fome” para trás das costas e aproveitar o bom ritmo das minhas pernas aliado ao saudável comportamento da bicicleta (até então) para continuar a pedalar até à cidade da Beira. Nos primeiros quilómetros, a táctica resultou. Mas com o passar do tempo a fome foi tomando conta do meu estômago, que por sua vez não se cansava de enviar impulsos ao meu cérebro alertando que estava na hora de repor energias.

Contudo a minha cabeça dura continuava crente em aproveitar o agradável rendimento da etapa…Uma vez que tudo corria bem e a bicicleta não se queixava de nada, não havia permissão para efectuar uma paragem para comer. Mesmo que os vendedores de géneros alimentares abundassem na vizinhança da estrada e o meu estômago estivesse encarquilhado de desguarnecido.

A pior tortura vinha quando cruzava-me com vendedores de bebidas, que exponham as suas arcas (geleiras) repletas de bebidas enfiadas numa perfeita montanha de gelo e prontinhas para saciar a sede a qualquer um que passasse pelas proximidades.

Os quilómetros iam passando relativamente rápido, não fosse o facto de pedalar quase curvado sobre mim mesmo, tal era o efeito de vácuo que eu transportava dentro do meu abdómen.

Os camiões continuavam a passar em grande número. Alguns motoristas ainda dedicavam uns segundos do seu tempo para carregar na buzina e assim avisarem-me da sua aproximação. Porém, outros havia em que pareciam competir ao jogo das “tangentes ao ciclista”.

Subitamente ouço uma buzina a apitar insistentemente, mesmo por detrás do selim da bicicleta. Olho ligeiramente pelo canto do olho direito e vejo uma viatura a circular ao meu lado. Imediatamente reconheci a Rita e o Nuno, um casal que havia conhecido dias antes no Parque Nacional da Gorongosa. Esqueci todas as preocupações com a fome, com a bicicleta, com a sede etc e parámos para uns minutinhos de conversa e para combinarmos um novo encontro, desta vez na cidade da Beira.

Trocámos contactos, despedimo-nos e retomámos a viagem. Imediatamente após a sua partida, apercebi-me que havia parado a marcha, mesmo contra as minhas “pseudo-precauções”.

Uma vez que havia interrompido a etapa para um momento social, também iria interromper a etapa para repor energias.

Pedalei por mais meia-dúzia de quilómetros, quando cheguei a uma povoação de nome Dondo. Parei na primeira porta que vendia comida e dirigi-me ao balcão.

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À minha volta vendia-se um pouco de tudo. Espalhados pelas prateleiras e pelas várias mesas do estabelecimento, vários artigos aguardavam a sua vez de serem comprados. Mas no que respeita a bens prontos a ingerir, a oferta era bastante escassa.

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Para além de umas bolachitas, umas latas de conserva e uns doces (que nunca soube muito bem o que eram), só havia mais… “o pão”.

Acabei por seleccionar 3 pães (dos maiorezitos) e juntei-lhes 2 garrafas de Coca-Cola. Estava assim feito o meu almoço.

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Poucos minutos depois encontrava-me pronto para retomar a etapa e percorrer a distância remanescente até à Beira. Queria aproveitar a reposição de calorias e a boa disposição para dar continuação ao meu ciclo de boa performance em cima dos pedais.

Poucos quilómetros depois de reiniciada a etapa, eis que sinto o pneu traseiro ligeiramente vazio. A princípio nem queria acreditar no que estava a acontecer, mas rapidamente apercebi-me da realidade que me rodeava. Tal como era esperado há muito, fui brindado com mais um furo no pneu traseiro.

O 26º furo em terras Moçambicanas! Onde ainda por cima 90% dos furos eram de origem duvidosa, o que fazia-me cozer o cérebro de nervos.

Numa primeira análise ao meu problema (e ainda em cima da bicicleta a pedalar) concluí que o furo era “lento”, o que permitia-me sonhar em como conseguiria chegar à Beira apenas com algumas operações de “reenchimento” de pneu ao longo do restante da etapa.

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No entanto, 5 minutos mais tarde dava-me por vencido pois o furo “lento”, depressa passou a furo “rápido”. Seria assim forçado a desmontar a roda e a iniciar a reparação do furo, de modo a poder prosseguir viagem.

O início da operação de reparação demonstrava-se algo cáustico, pois ao mesmo tempo que tentava desmontar o pneu do aro, eu tinha que controlar todos os meus nervos e assim evitar de pular de raiva em cima da roda da bicicleta.

Tal como já havia conjecturado, sempre que o dia estivesse a correr bem, a bicicleta iria chamar todas a atenções para ela! Era assim há muitas centenas de quilómetros e 26 furos atrás. Tinha sido assim no dia anterior e iria ser assim até ao dia em que resolvesse a questão do meu aro traseiro de uma vez por todas… o que esperava que pudesse acontecer na cidade da Beira.

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O furo estava localizado junto à válvula de ar, no entanto, tal como muitos outros furos anteriores, este encontrava-se no lado interior da câmara-de-ar… e novamente, sem explicação aparente para o acontecido, uma vez que o aro continuava sem apresentar cortes, limalhas ou arestas no seu interior.

Após reparação consumada, estava na altura de montar o pneu no aro. No entanto esta simples operação estava longe de ser pacífica.

Sem saber muito bem a razão, reparei que o pneu não queria entrar no aro. Nas primeiras tentativas para colocar o pneu no sítio, acabava sempre por bater com os nós dos meus dedos nos raios da roda, fazendo saltar as finas crostas que protegiam as minhas feridas do ataque dos insectos.

Algo que me irritava solenemente numa ocasião como esta, era o facto de acertar com as minhas feridas, em todo o tipo de arestas, de frinchas, de rebordos ou de ressaltos… por tudo e por nada!

Era impossível que, fosse o que fosse, não viesse a acertar em cheio numa (ou mais que uma) das várias feridas que trazia nas minhas mãos ou nos meus tornozelos, obrigando-me a pressionar os maxilares um contra o outro, de maneira a controlar o meu ataque de fúria.

Já sem qualquer tipo de crosta nas minhas mãos e com a pele dos meus polegares quase descolada dos respectivos dedos, eis que consigo montar o pneu no aro.

Pouco depois e após umas bombadas de ar para encher o pneu, encontrava-me pronto para reiniciar a etapa e pedalar os restantes quilómetros até à Beira.

Passavam 15 minutos das 14h00 quando, debaixo de um forte vento contra, dei entrada na cidade da Beira… a segunda cidade de Moçambique.

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À medida que me aproximava do centro da cidade, o trânsito e a confusão iam aumentando. À primeira vista e apesar dos inúmeros veículos e pessoas nas ruas da cidade, a Beira apresentava um importante cuidado na limpeza e manutenção dos seus espaços públicos.

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Ainda era cedo, o que me permitia ainda algum tempo para usufruir de umas pedaladas pelas ruas da cidade e assim conhecer melhor o território onde eu iria passar os próximos dias.

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No final da tarde, acabaria hospedado no Hotel Infante. O mesmo hotel onde estavam alojados o Nuno e a Rita e com quem eu iria jantar.

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A paragem na Beira, entre muitas coisas, tinha um propósito importante… a renovação do meu visto por mais 30 dias. Era a terceira e última prorrogação de visto autorizada, o que levava-me a rever todas as minhas contas até à chegada a Maputo, para poder aproveitar ao máximo os 30 dias que me restavam.

A reparação/substituição do aro traseiro, assim como a substituição de carretos e respectiva corrente, estavam no topo das prioridades das tarefas a fazer na Beira. Contudo, estas tarefas só teriam a minha atenção após resolvida a questão do visto… mas lá no fundo da questão, parecia que eu queria seguir a viagem para Maputo, nas mesmas condições… a mesma roda, a mesma corrente, os mesmos carretos… só para tornar a viagem mais “excitante”…

A etapa do dia contou com 112Kms percorridos em 7h30m, dos quais 1h58m foram destinados ao alimento e à reparação do pneu.

1 comentário:

  1. Olá,
    Foi fácil prorrogar o visto? Viajo para Moçambique no Sábado e como quero ficar mais de 30 dias, também o preciso de prorrogar na Beira. Alguma dica que me possas dar? Obrigada!

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