Moçambique Fase II (Parque Nacional da Gorongosa – Nhamatanda)

Pouco passava das 6h30 quando fui para o restaurante do acampamento com o objectivo de tomar o meu pequeno-almoço.

Era provavelmente a manhã mais fria desde que entrei em Moçambique, ou mesmo de toda a viagem, ao ponto que rapidamente senti a garganta a enrodilhar devido às baixas temperaturas.

A etapa até Nhamatanda era relativamente curta. Pouco mais de 70Kms separavam-me do destino proposto para o dia. No entanto, uma etapa curta não era motivo para me descuidar na alimentação matinal, o que me levou a usufruir do pequeno-almoço buffet do restaurante, de uma forma variada, para abastecer o organismo da energia necessária para a chegada a Nhamatanda.

Pouco depois das 9h00, encontrava-me pronto para as despedidas aos funcionários do parque e para uma sessão de fotos junto à pedra apelidada de “Cabeça de Leão”.

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Agradeci a hospedagem e a simpatia a todos aqueles com quem convivera nos últimos dias, nomeadamente ao Vasco Galante e ao Hendrik Pott (entre outros) e preparei-me para colocar a bicicleta na carrinha que me levaria de volta à Estrada Nacional, uma vez que não era possível circular de bicicleta dentro do perímetro do Parque.

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Às 10h20 iniciei (propriamente dito) a pedalada para Nhamatanda, uma povoação entre o Parque Nacional da Gorongosa e a cidade da Beira, na qual eu planeara pernoitar. Eram apenas uns 70Kms que me separavam do destino, os quais contava percorrer em cerca de 4 horas. Como tal e apesar de já serem as 10h20, não estava muito preocupado com o atraso existente até então, estando mesmo a pensar em parar no Inchope (+/- 40Kms) para reposição de calorias.

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Não viria a ser necessário completar 2 ciclos da minha pedaleira para adivinhar que teria alguns contra-tempos durante a etapa. A corrente que aplicara dias antes, não engrenava correctamente nos dentes gastos das rodas dentadas e sempre que aplicava um pouco mais de binário no centro pedaleiro, esta saltava fazendo com que a minha pedalada fosse em vão.

Para conseguir progredir na etapa, era obrigado a escolher novas relações entre os carretos da pedaleira e os carretos da cassete, colocando assim em uso as engrenagens que estavam em melhor estado de conservação. Contudo tal medida não era a solução ideal, pois na maior parte das vezes obrigava a corrente a trabalhar em modo “cruzado”, reduzindo a sua (já extensa) vida útil.

DSCF7849 Os primeiros 10 quilómetros de etapa foram percorridos de forma relativamente pacífica. Basicamente, devido ao baixo gradiente da estrada que não implicava significativas variações de esforço no centro pedaleiro.

A corrente da bicicleta ia aguentando-se engrenada nas devidas rodas dentadas a maior parte do tempo, mantendo-me na esperança que conseguiria concluir a etapa sem ter que trocar novamente de corrente.

Contudo, rapidamente um novo problema viria assombrar a etapa. Desta vez no desviador que insistia em enfiar-se entre os raios da roda cada vez que eu utilizava a 1ª e 2ª velocidade das engrenagens traseiras.

Automaticamente ficava confinado a um curto leque de escolha nas relações entre as mudanças da bicicleta. Do conjunto original de (1+1+1) x 9 velocidades, perdera o 2º prato dianteiro há algum tempo atrás. Recentemente deixara de contar com a 3ª e a 4ª engrenagens traseiras e actualmente era obrigado a evitar o uso da 1ª e 2ª para que o desviador não se enrodilhasse com os raios da roda posterior.

Esta situação viria a agravar-se seriamente após a passagem da ponte sobre o rio Pungoe e no qual iria dar início a uma fase de subidas relativamente íngremes.

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As subidas exigiam mudanças mais leves e simultaneamente um maior esforço da minha parte, para que pudesse vencer o efeito da gravidade. Tudo somado, o resultado era apenas um… aumento de todos os problemas que vinha a sentir até então:

Se não era a corrente a saltar nos dentes dos carretos, era o desviador a enfiar-se nos raios da roda traseira. Se não fosse nem uma coisa nem outra, então seria a corrente a arrancar a restante dentição que tinha a coragem de lhe fazer frente.

Fosse como fosse, sempre que uma destas situações resolvia surgir na etapa, eu era obrigado a parar a minha pedalada, descer da bicicleta e colocar a mesma em estado operacional até ao próximo problema surgir.

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Uma hora depois de ter iniciado a etapa, contava com apenas 15Km percorridos e também com a minha paciência praticamente torrada. Foi quando, mais uma vez, acabava de ser obrigado a parar para desenrodilhar a corrente do desviador.

Desta vez decidi perder algum tempo para analisar melhor o problema com o desviador e qual a causa deste se enfiar no meio dos raios da roda traseira. Após um olhar mais atento, pude verificar que o pequeno braço de fixação do desviador encontrava-se ligeiramente empenado. Esse pequeno empeno era suficiente para permitir que o desviador se enfiasse no meio dos raios da roda, causando-me bastantes transtornos.

No meio do mato, debaixo de um Sol que já me queimava a pele, diversos moscardos aproveitavam para aterrar nas minhas feridas ainda não saradas, e como tal contribuir para o insulto à minha santa paciência.

Magicava a todo o custo uma resolução para desempenar o braço do desviador, mas só me ocorria o primitivo método de umas marteladas com uma pedra bem robusta… e esta não era a solução que eu mais preferia.

Além disso, nas minhas redondezas não avistava nenhuma pedra capaz de desempenhar a dita função e eu não estava muito convencido em procurar uma pedra no meio do mato povoado com minas da guerra civil Moçambicana.

Subitamente surgiu uma ideia na minha mente. Com uma das mini chave que possuía na caixinha das ferramentas, engendrei um mini braço de forças que aplicado no furo de aperto do desviador, iria ajudar-me a desempenar o apoio que estava torcido.

A solução resultou e o braço do desviador ficou colocado numa posição muito aproximada à posição original, no entanto a operação custou-me 38 minutos de tempo que iriam ser adicionados ao atraso já existente.

Reparação consumada, voltei a subir na bicicleta para retomar a etapa até Nhamatanda. A questão do desviador traseiro ficara resolvida, no entanto a minha maior dor de cabeça continuava bem presente. A corrente da bicicleta continuava de relações cortadas com os carretos dianteiros e traseiros, restringindo em muito a força que eu podia aplicar nos pedais.

Em termos técnicos, a explicação para este inconveniente que me cozia a paciência, era simples. Eu descuidara-me com o estado da corrente antiga e com o estado das rodas dentadas, deixando-as atingir sérios limites de desgaste. Como tal, quando aplicada a corrente suplente, esta não encarreirava com as engrenagens mais que gastas, devido ao “passo” alterado. Consequentemente, sempre que eu aplicava um pouco mais de potência nos pedais da bicicleta, a corrente saltava fora, fazendo com que a minha pedalada fosse completamente em vão.

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Haviam passado apenas 16 minutos desde a última paragem, quando decidi voltar a encostar à berma da estrada para nova intervenção na bicicleta. Desta vez para desfazer o que havia feito.

Uma vez que a corrente nova não se dava com as engrenagens usadas e desgastadas, resolvi que voltaria a aplicar a corrente velha na bicicleta. Ao menos a corrente velha (apesar de gasta e com uns centímetros a mais) dava-se bem com os dentes dos carretos e mantinha-se engrenada a maior parte do tempo.

Deitei a bicicleta no limiar do alcatrão com o capim seco e iniciei a troca de corrente. Uma tarefa um pouco incómoda para ser realizada em tais circunstâncias, ainda mais que tinha que manter um olho nos inúmeros motoristas que resolviam fazer “tiro ao alvo” à minha figura.

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A bicharada esvoaçante continuava a testar ao mais alto nível a minha capacidade de auto-controlo, obrigando-me por diversas vezes a saltar do chão e a gesticular com os braços em todas as direcções, para afastar os insectos que poisavam na minha pele e nas minhas feridas.

Substituição da corrente realizada, estava na altura de retomar a etapa. Passavam 2h30m desde que saíra do Parque Nacional da Gorongosa e contava apenas com 19Kms percorridos. O dia não havia começado bem e apesar de ter conseguido reparar o desviador e de ter substituído a corrente da bicicleta no meio do percurso, algo me dizia que os contratempos não iriam ficar por aí.

Reiniciei a etapa com uma aceleração progressiva para analisar o comportamento da “nova” (velha) corrente e do desviador. Aparentemente a solução adoptada havia resultado, pois o engrenamento estava a ser feito quase na perfeição.

Todavia o período de bonança não seria muito longo, pois poucos minutos mais tarde, senti a pedaleira a rodar completamente livre, o que quereria dizer que a corrente não se encontrava no seu lugar. Imediatamente apercebi-me que a corrente partira e encontrava-se estendida no alcatrão alguns metros atrás de mim.

Em cerca de uma dúzia de minutos e com muita paciência à mistura, reparei a corrente e voltei à estrada. Entre dentes, soltava todo o tipo de vocabulário alusivo ao conjunto de situações que me vinham assombrando o dia e que me coziam o cérebro.

O tempo passava depressa e eu pouco progredia numa etapa que havia considerado como curta e rápida. Os pouco mais de 70Kms até Nhamatanda estavam a consumir o triplo do tempo que eu havia previsto, além que testavam de todas as maneiras possíveis, os limites da minha paciência.

Ainda não tinha terminado com os insultos à minha sorte, quando volto a sentir a pedaleira a rodar livremente. Mais uma vez a corrente tinha-se partido, desta vez em 2 sítios diferentes. Desci calmamente da bicicleta, mas antes de saltar de nervos à volta da mesma, inspirei umas valentes golfadas de ar para oxigenar o cérebro e baixar a minha tensão arterial.

Assim que a minha pulsação e a minha tensão voltaram a atingir valores normais, consegui ver claramente qual a solução a adoptar. Iria retirar o bocado de corrente que havia saltado fora (cerca de 4 ou 5 elos) e aplicar um elo de fecho rápido que trazia na minha malinha de material suplente. Esta solução encurtaria a corrente em alguns centímetros, mas tal não faria grande diferença uma vez que os 6.600Kms de uso, haviam-na estendido o suficiente para poder abdicar dos ditos elos.

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A solução adoptada resultara na perfeição e os restantes 20Kms até ao Inchope foram percorridos sem problemas significativos. Apenas em ocasiões em que era obrigado a aplicar mais força nos pedais é que a corrente saltava. Nas restantes ocasiões, esta mantinha-se engrenada e capaz de desempenhar a função que lhe era destinada.

Eram as 14h30 quando dei entrada na povoação do Inchope. Estava com uma das piores médias de sempre. Percorrera 42Kms em 4h13m, basicamente devido aos problemas com o desviador e com a corrente da bicicleta. Prodigiosamente a roda traseira ainda não tinha chamado a minha atenção para a sua existência.

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O Inchope não era mais que um cruzamento entre as principais estradas Moçambicanas. De um lado, a importante estrada que ligava a cidade da Beira à cidade de Manica (na fronteira com o Zimbabwe), mais conhecida como o “Corredor da Beira”. Do outro lado a Estrada Nacional Nº1 que ligava Moçambique de Norte a Sul do país.

Faltavam pouco mais de 30Kms para chegar a Nhamatanda, os quais eu esperava percorrer em menos de 2 horas. Apesar de contar com um grande atraso na minha etapa, ainda podia dar-me ao luxo de sentar-me numa das cantinas existentes junto ao cruzamento e almoçar descansado.

DSCF7870 Na cantina “Pumane”, pedi o prato do dia (guisado de vaca) e uma Coca-Cola, principalmente para renovar as minhas energias psíquicas e não para restabelecer as capacidades físicas. Do pequeno alpendre onde aguardava a minha refeição, podia observar a quantidade de camiões que passavam de um lado para o outro provenientes e com destino à cidade da Beira. Muitos dos motoristas aproveitavam parar no Inchope para os seus biscates particulares, ora levando em cima da sua carga vários passageiros, ora libertando algum do seu combustível para os jerricans dos vendedores locais.

Eram as 15h30 quando voltei à estrada para percorrer os poucos quilómetros que me separavam de Nhamatanda. De estômago bem forrado encarava com optimismo o resto da etapa. Pela frente não teria grandes dificuldades com subidas. Antes pelo contrário, a maior parte do percurso seria plano ou ligeiramente descendente, uma vez que me dirigia para costa com o Índico.

Envolvido nos meus roteiros pós-cidade da Beira e entretido com a paisagem envolvente, conseguia manter uma velocidade média acima dos 20Kms/h. Contudo, tal como havia arrematado horas antes, o dia começara mal… e estava destinado a continuar mal…

DSCF7873 Não pedalava há mais de 25 minutos, quando senti o pneu traseiro completamente vazio. Enquanto abrandava a marcha para reparar o pneu, perguntava a mim mesmo o que mais estaria para me acontecer ao longo desta etapa.

Só faltavam os raios começarem a desapertarem-se ou a partirem-se para eu ter o rol de azares completo.

Desmontei o pneu com a maior paciência do mundo, para de seguida encontrar na câmara-de-ar, um rasgo que me fez levantar as piores suspeitas em relação ao estado do aro da bicicleta.

Numa minuciosa inspecção ao do aro traseiro, não detectei nada que pudesse ter cortado a câmara-de-ar, pelo que após a reparação do corte e respectiva montagem do pneu, voltei a enfrentar os restantes quilómetros de alcatrão.

Passavam 20 minutos das 16h00 e aos poucos as cores do céu começavam a ganhar tons alaranjados. A minha sombra estendia-se vários metros diante mim, avisando-me que não me restava muito mais tempo de luz solar.

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Subitamente e quando eu menos esperava, voltei a sentir o aro a tocar no asfalto. Percorrera apenas 12Kms desde a última paragem e já tinha o pneu vazio mais uma vez. A minha situação já tinha ultrapassado todos os limites do tolerável, todavia eu já não conseguia ter grande reacção aos problemas de geração espontânea que surgiam a cada meia-dúzia de quilómetros. Com os nervos dormentes e incapazes de reagir, depressa me mentalizei que estava condenado a chegar a Nhamatanda já de noite, mesmo que a povoação se encontrasse a escassos 11Kms da minha posição actual.

Desmontei o pneu e uma vez mais procurei pela causa do furo. A escassos centímetros do corte anterior, fui descobrir um outro pequeno rasgo do qual não encontrei uma única razão para a sua existência. Procurei no interior do pneu e no interior do aro qualquer coisa que pudesse estar a cortar a câmara-de-ar, mas a minha busca revelar-se-ia completamente infrutífera.

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Apesar da hora tardia, continuei a reparar o pneu com a maior calma do mundo, enquanto esclarecia dois pequenos curiosos que me bombardeavam com todo o tipo de perguntas.

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De repente e surgido do nada, passa a escassos metros de mim um sujeito montado numa bicicleta (uma Trek 6000) em direcção oposta à minha. Não tive que pensar nem por uma décima de segundo para aperceber-me que aquela bicicleta poderia ser a minha salvação. Apesar de aparentemente estar em mau estado de conservação, tinha a certeza absoluta que todo o material nela existente, serviria que nem uma luva na minha bicicleta.

A aquisição de material novo para a minha bicicleta era missão impossível nestes mercados. A única solução que havia à vista era, comprar material usado que estivesse aplicado em alguma bicicleta importada, tal como me acontecera em Alto Molocué.

Incapaz de soltar um único som que chamasse a atenção do ciclista, vi a Trek 6000 a desaparecer colina abaixo em direcção ao pôr-do-sol… e com ela a esperança de conseguir substituir algumas peças na minha bicicleta.

Expliquei aos dois pequenos ajudantes o porquê do meu interesse na bicicleta que acabara de passar, para logo de seguida receber o confortante comentário:

- Vai voltar…

Duas pequenas palavrinhas, reveladas por quem conhece as imediações e que expunham a verdade da bicicleta que acabara de passar. Em suma, quem pedalava na Trek 6000 não era o dono da bicicleta mas sim um amigo, e como tal, este teria que voltar para devolver a dita ao seu proprietário.

Na esperança de voltar a ver a Trek 6000 a regressar, vi o Sol a desaparecer por detrás das colinas a Oeste. Pouco depois o céu cobriu-se de todas as tonalidades de cores quentes, para de seguida dar lugar aos tons frios e naturalmente à escuridão. Procurei a minha lanterna nos bolsos dos alforges, enquanto continuava na conversa com os meus novos amigos. Estava na hora das despedidas e de retomar a etapa.

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Em geral não era de meu contento pedalar de noite. Sempre que via o relógio passar a barreira das 17h00, sabia que restavam-me poucos minutos de luz solar, fazendo crescer um nervosismo miudinho que percorria-me todas as veias e consumia-me o temperamento.

Mas desta vez era diferente. Apesar de encontrar-me no meio da escuridão, numa estrada infestada de camiões que passavam por mim a toda a velocidade e com menos luzes do que a minha bicicleta, eu estava tranquilo e animado. Numa situação normal, eu estaria a ferver por todos os azares/atrasos da etapa e por não chegar ao destino à hora programada ou pior ainda por não chegar antes do Pôr-do-sol. Mas estranhamente essa não era a minha reacção! Acabava de perder uma hora de tempo, apenas para reparar um furo que não queria ser reparado. Perdera quase 4 horas em paragens ao longo de toda a etapa e mesmo assim a tensão encontrava-se baixa, talvez consequência da frescura nocturna que invadia-me os sentidos, dando-me a noção de ter todo o tempo do mundo para chegar a Nhamatanda.

Reiniciei a etapa com a lanterna colocada no meu capacete, para voltar a parar 305 metros depois. Desta vez por um bom motivo. No meio do breu, consegui avistar o colega que passeava com a bicicleta Trek 6000. Pedi-lhe para parar de modo a iniciar as conversações. Apresentei-me e expliquei resumidamente a minha viagem, os problemas na minha bicicleta e o meu interesse em algum material da sua bicicleta.

A princípio tudo corria bem e as negociações seguiam o bom caminho. No entanto assim que se começou a falar em “cifrões”, surgiram do meio da escuridão os mais variados “doutores” e “peritos em técnicas de negociação” para causticar a transacção. Em poucos minutos todos os valores já acordados estavam completamente adulterados e estupidamente inflacionados, devido a meia dúzia de inteligentes que achava que o negócio de uma só pessoa, deveria alimentar o oportunismo de terceiros.

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Após 20 minutos de intensas negociações onde abundavam os bafos a cerveja, acabei por voltar à estrada e rumar para Nhamatanda. A aquisição (ou não) do material pretendido ficara adiada para a manhã seguinte na povoação de Nhamatanda, altura em que era esperado que “álcool” já não marcasse presença no sangue do meu possível futuro fornecedor.

Continuei no meio da escuridão em direcção a Este. Faltavam apenas 10Kms até ao final da etapa, contudo a escuridão envolvente, fazia parecer que me encontrava muito mais longe de qualquer lugar que se parecesse com uma povoação.

DSCF7888 Por precaução, desliguei o iPod e retirei os auscultadores dos ouvidos. Na realidade não encontrava uma razão concreta para o fazer, a não ser um certo incómodo por ser de noite…

Talvez fosse um comportamento instintivo de tentar captar com o ouvido, aquilo que a escuridão não permitia que os meus olhos avistassem.

 

Várias vezes era ultrapassado por camiões, que em muitos casos circulavam sem luzes, sendo apenas identificáveis pelo roncar dos motores e pelo chinfrim metálico deixado pelos atrelados, após a sua passagem.

Aqui e ali conseguia avistar algumas silhuetas que caminhavam ao longo da estrada. Umas na minha direcção, outras em direcção oposta. À medida que me aproximava, as silhuetas ganhavam dimensão e vida. Na maior parte das vezes eu não conseguia identificar se a silhueta pertencia a um homem ou a uma mulher, tal era a minha concentração e preocupação em manter-me a pedalar na estrada, sem atropelar ninguém e sem ser cilindrado por um dos camiões zarolhos que se dirigiam para a Beira.

Faltavam 10 minutos para as 19h00, quando cheguei ao cruzamento de Nhamatanda. Na estrada principal a azáfama habitual de um centro de comércio. Por todo o lado brotavam bancas improvisadas onde se vendiam os mais variados produtos, alimentares e não só. Não muito longe, o som inconfundível de uma barraca de venda de CD’s e DVD’s animava alguns jovens já entregues à bebida. Por todo o lado, vários camiões, machibombos, chapas, mini-bus abasteciam-se de víveres nos vendedores locais, que insistiam a todo o custo vender mais do que aquilo que o cliente estava disposto a comprar.

Parei na Estação de Serviço do meu lado esquerdo. No meio de tanta confusão de veículos e gentes, foram poucos os que me viram a chegar. Tal obrigou-me a criar um certo protagonismo para que alguém me dispensasse 5 segundos da sua atenção e me informasse onde eu poderia passar a noite.

A solução seria uma pequena pensão, no centro da Nhamatanda a menos de 1 quilómetro do local onde me encontrava. Dirigi-me para o centro da vila, afastando-me da Estrada Nacional, por ruas escuras e de terra batida. Pouco depois estava na praça principal, onde facilmente encontrei a dita pensão.

Estava na altura de descansar de dia tão azarado.

Nada que um bom banho a balde (com água aquecida na fogueira) e um bom jantar não resolvessem.

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Do Parque Nacional da Gorongosa até NNhamatanda percorrera 76Kms em 8h31m, das quais 3h53m foram passadas a reparar problemas com a bicicleta e a forrar o meu estômago.

Os raios da roda traseira foram os únicos que não marcaram presença na etapa.

1 comentário:

  1. Pedro,
    Difícil negociação essa que tiveste...?!!! Bjs, Maribel e continua actualizando...

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