Acordei cedo, no quarto da Residencial Olinda.
Durante a noite, matutara por breves minutos sobre o plano para os próximos dias. Encontrava-me numa das províncias mais famosas de Moçambique, no que respeita a turismo e praias, o que me despertava um certo interesse em passar um dia em cada uma delas.
No entanto, das conversas havidas na noite anterior com o Mário e com o Toni, ficara a saber que a maioria das praias só tinha acesso por estradas de areia e que seria necessário um veículo 4x4 para chegar até elas.
Devido ao fastio que eu ainda possuía a estradas de areia (originado pelas etapas entre Nangweshi e Sesheke, na Zâmbia), confinei-me em conhecer a cidade de Inhambane e posteriormente passar um par de dias no Tofo.
Depois de tomado o pequeno-almoço, deixei a Residencial caminhando em direcção ao Pontão de cimento, por onde entrara em Inhambane na noite anterior.
Uma vez no final do Pontão, pude avistar com clareza a cidade de Maxixe, do outro lado da baia.
Numa rotação de 180º em torno dos meus calcanhares, distingui no azul do céu a torre da Catedral de Inhambane.
No meu lado esquerdo e no meu lado direito, estava o “antes” e o “depois” de uma actividade relacionada com o mar.
De seguida, percorri as pacatas ruas de Inhambane em direcção à catedral.
Muito próximo desta, alguns velhos edifícios aguardavam a sua vez de serem recuperados, enquanto as raízes das árvores rasgavam as suas paredes e telhados, à procura de alimento.
Inhambane, mostrava-se como uma cidade muito calma, bastante limpa e ordenada. Talvez a cidade mais bonita que vira em toda a minha viagem.
Muitos edifícios recuperados, mantendo a arquitectura original e de jardins arranjados, Inhambane, “Terra de Boa Gente”, não parava de me surpreender pela positiva.
Banhada por água a Este e a Norte, era possível ver um pouco por toda a parte, barcaças (ou restos delas), que demonstravam a importância do mar para as actividades da região.
Depois do reconhecimento geral da cidade, dediquei uns minutos à gulosice…
… e ao meu aspecto visual, com uma ida ao barbeiro da rua.
Estava na altura de seguir o plano traçado durante a manhã.
De regresso à Pensão Olinda, iniciei a preparação da bicicleta de modo a arrancar para o Tofo na manhã seguinte, pois acabara de descobrir que o pneu da frente furara sozinho durante a tarde... vá-se lá saber porquê!
A etapa até ao Tofo, seria a etapa mais curta de todo o trajecto em território Moçambicano. Uns meros 26Kms.
Não tinha pressas para deixar Inhambane nem para chegar ao Tofo. De certa maneira, podia dizer que tinha o dia todo para chegar ao destino, apesar de não ser o pretendido.
Apesar de ainda encontrar-me abrigado na Residencial Olinda, consegui aperceber-me do forte vendaval que rodava por cima dos muros da pensão. Contudo o vento não era preocupação, pois dispunha de bastante tempo para chegar à praia do Tofo.
Deixei a pensão à 9h36m. Percorri a avenida que me levava até ao edifício dos caminhos-de-ferro, sob olhar atento de alguns curiosos. Em seguida virei para a estrada estreita que me levaria até à praia.
Pedalava quilómetro após quilómetro com todas as calmas do mundo, apenas controlando o esforço exercido nos pedais, de modo a poupar a corrente e os carretos da bicicleta.
Volta e meia, chocava de frente com algumas rajadas de vento que quase me atiravam para fora da estrada. Mas ao contrário de todas as etapas anteriores, onde algo semelhante acontecia, eu não me importava com isso. Afinal de contas, seriam apenas por duas dezenas de quilómetros.
De ambos os lados, surgiam inúmeros coqueiros apenas vergados pela acção do vento. A paisagem havia-se alterado indubitavelmente. Deixava de ser mato rasteiro para passar a ser areal e palmal.
A poucos quilómetros do Tofo, junto a um entroncamento, passei por um pequeno grupo de barracas feitas de chapas e caniço.
Na bifurcação da estrada, 3 rapazes estavam sentados à sombra de um placard publicitário.
À minha passagem, nada disseram, nem sequer olharam para mim. Poucos segundos depois de eu ter passado, um deles grita para mim:
- Hey! You! Give me Money! – Fingi não ouvir, pois estava com os auscultadores enterrados nos ouvidos.
No entanto ainda senti os pelos dos braços a querem levantar.
Não contente com o meu desprezo, o inconveniente indivíduo repetiu mais duas vezes a frase, acompanhado de vários assobios e “Hey’s”.
A música do meu iPod, não fora suficiente para abafar tais descortesias.
Os pelos dos braços ergueram-se de imediato, o cérebro cozeu de revolta, os olhos cegaram e as pernas perderam a vontade de pedalar.
Parei. Olhei para trás e fiz-lhe sinal com o queixo como quem pergunta “o que quer?”.
O abusado repetiu a frase em tom autoritário, desta vez com a mão estendida para a frente.
Dei meia-volta à bicicleta e fui ao encontro dos rapazes. Perguntei-lhes simpaticamente se falam português. Responderam que sim.
De uma maneira assertiva (e utilizando vários vocábulos do nosso vasto dicionário) tentei fazer-lhes ver o ridículo dos seus “pedidos”, além das boas maneiras a adoptar para se conseguir algo, seja de quem for.
No final da “missa”, todos concordaram comigo (no meio de várias risadas) e quase que me pediram desculpa.
Parti em direcção ao Tofo…
Eles… continuaram sentados à sombra do placard publicitário como se nada tivesse acontecido… talvez à espera do próximo “estrangeiro”… e na expectativa que este não seja do mesmo espécime que eu.
Pouco depois, chegava ao famoso Tofo.
Eram as 11h00,bastante cedo para o que era habitual nas minhas etapas. Dei uma volta pela povoação para poucos minutos depois concluir que o Tofo não era nada daquilo que eu imaginara.
À primeira vista, não era “mau” nem feio. Era simplesmente o oposto do que a minha mente havia idealizado para uma povoação, com tamanha reputação nos meios turísticos.
Na verdade, a razão da “surpresa” residia apenas no centro da minha consciência.
Por dias e dias a fio, ouvia falar do Tofo. Devido às horas e aos quilómetros, passados a pedalar sozinho, a minha mente começou a idealizar cenários de acordo com as descrições ouvidas e segundo os padrões que eu queria que fosse o Tofo. Contudo, assim que explorei um pouco mais a pequena povoação, apercebi-me que a realidade era completamente diferente à dos quadros pintados pelo meu imaginário.
Antes de tomar conclusões precipitadas, decidi ir procurar alojamento para passar a noite. Talvez por ser época baixa, encontrei o parque de campismo fechado.
Ao longo da costa, havia inúmeras pensões que ofereciam boas condições para os seus clientes mas a preços bastante acima do meu orçamento.
Havia também, pensões com condições bastante mais simples. Com quartos ou dormitórios em caniço e a preços ligeiramente mais acessíveis, mas não deixavam de estar inflaccionados.
No entanto, eu não pretendia nem uma coisa nem outra. Afinal de contas, a minha cabeça dura ainda procurava a pensão pitoresca que o meu cérebro imaginara durante dias seguidos.
Aos poucos apercebia-me que o Tofo não era mais que uma colónia de férias de (maioritariamente) Sul-Africanos, e não uma vila histórica com fortes tradições piscatórias (apesar de as haver).
Aproximavam-se as 12h00 e o meu estômago já começava a acusar vontade de comer. Dirigi-me ao restaurante da Aida (aconselhado pelo Toni e pelo Mário), que se situava mesmo no centro da Vila e de nome “A Concha”.
Já no restaurante, perdi a cabeça e deliciei-me com um prato de camarões mesmo à turista. Fiz amizade com a Aida, que me deu umas dicas sobre onde permanecer durante a noite e de seguida, pus-me em marcha para arranjar um lugar para dormir.
Dei mais umas voltas pela Vila, percorrendo as suas estradas de areia, próprias para veículos 4x4 e acabei à porta da “Fatima’s”, uma pensão para backpackers e outros viajantes.
Era a pensão com os preços mais acessíveis que eu encontrara no Tofo, no entanto não podia deixar de concluir, que a opinião que eu vinha construindo acerca do alojamento para “backpackers”… batia certo.
Bastavam 4 estacas ao alto, um telhado de capim e duas fileiras de caniço nas paredes, para ter um alojamento para backpackers. Quanto a lavabos e balneários, bastavam 2 compartimentos comuns. Um com um símbolo masculino e o outro com um símbolo feminino. Seguidamente era só pintar numa placa a palavra “Backpackers” e coloca-la na entrada… depois… os hóspedes acabavam por aparecer, vindos de todos os cantos do mundo.
Punha-me a pensar e a comparar conceitos de alojamento. Na minha viagem, já havia ficado alojado em bons quartos com A/C, casa de banho privativa com chuveiro com água quente e bem mais baratos que um barraco de caniço e telhado de capim. No entanto, estes não tinham o letreiro de “Backpackers”, mas sim de “Pensão”, de “Estalagem”, ou outro qualquer do género.
No conceito de alojamento para Backpackers, parecia que em termos de condições, “servia tudo”… O que para mim até era aceitável… á excepção da enorme desproporção entre Preço e Qualidade verificado neste tipo de alojamento, apenas por ter um letreiro com a palavra “Backpackers” inscrito na porta.
Deixei de lado os meus pareceres existenciais e conformei-me com o (preço) meu alojamento.
Estava na altura de aproveitar os últimos raios de Sol e dar uma caminhada pela praia do Tofo.
No dia seguinte, teria a oportunidade para confirmar as minhas primeiras impressões sobre o Tofo, planear as restantes etapas da viagem e por fim regressar a Inhambane…
Devia haver penalidades para bloguistas que demoram tempo excessivo a postar.
ResponderEliminarIrra!!!