Após um bom pequeno-almoço na Residencial Olinda (Africa Tropical), onde se incluía um pacote de esparguete instantâneo com sabor a galinha, despedi-me do Mário e iniciei a etapa do dia.
O destino final seria Inharrime, tal como havia planeado no dia anterior. Pela frente teria cerca de 90Kms, que caso não houvessem problemas de maior, seriam percorridos em 5 horas de tempo.
Eram as 8h45 quando me despedi de Inhambane. Segui ao longo da marginal em direcção a Lindela, onde me esperariam uns 30Kms de estrada alcatroada, mas em mau estado de conservação. Somente após percorrer estes 30Kms, é que voltaria a encontrar a estrada Nacional Nº1 que me levaria em direcção a Sul.
O começo da viagem deu-se quase na ausência de vento. No entanto este rapidamente resolveu aparecer para me dificultar a jornada. Além de vir em sentido contrário ao meu, o vento ainda transportava consigo uma ligeira descida de temperatura, que o Sol não fazia intenções de aquecer.
Seguia aos saltinhos pela estrada fora, devido às irregularidades do alcatrão, fazendo-me temer pela saúde das minhas rodas “novas” e de todos os suportes de bagagens que também já demonstravam bastantes sinais de cansaço.
Pouco passava das 10h30 quando cheguei ao cruzamento com a EN1, onde passei a pedalar numa estrada em boas condições e com bermas largas.
Alguns metros mais à frente o inconveniente placard verde que fazia questão de lembrar-me a distância remanescente até Maputo. Uma espécie de tortura psicológica que me atormentava o cérebro ao ver os quilómetros a diminuir cada vez mais.
A cada instante, encontrava-me mais próximo do final da minha viagem e eu já não conseguia inventar muitos mais trajectos secundários onde pudesse ocupar mais do meu tempo a explorar o país, a desfrutar do prazer de descobrir e a apreciar da liberdade de escolher o destino de cada dia.
Na prática, era possível chegar à Capital Moçambicana em 4 dias de viagem. Todavia essa não era a minha intenção. Considerava que ainda não estava mentalmente preparado para “encostar” a bicicleta e deixar de lado todas as vivências que a viagem me proporcionava.
Continuava a querer mais, e mais, e mais… apesar de ter a perfeita noção que neste momento pedalava “dentro do jardim de casa” e que a porta era já ali…
Chegavam a passar-me pela cabeça outros itinerários mais arrojados, incluindo a hipótese de chegar a Maputo e voltar para trás… para onde? Não sabia. Apenas para trás.
Mas como vinha sendo hábito, nada melhor que um abanar de cabeça para descer com os pés à Terra e voltar a embarcar na realidade que me rodeava.
A paisagem envolvente não era suficiente cativante para manter os meus pensamentos afastados de novas aventuras. A musica gasta do meu iPod também em nada afectava o meu moral. Passava horas de auscultadores enterrados nos ouvidos e a debitar música, contudo não me conseguia lembrar da última música. Por sua vez, consegui adivinhar sem grande esforço qual a próxima musica a tocar, mesmo estando o iPod em shuffle!
Com algum esforço consegui direccionar a minha mente para o planeamento das próximas etapas, tal e qual como o roteiro teria que ser… até Maputo.
Através de umas breves recordações daquilo que lera num guia turístico emprestado, havia algumas praias bonitas para visitar ao longo da costa. No entanto já me haviam avisado que a maior parte delas seriam inacessíveis de bicicleta. Os seus acessos estavam condicionados a veículos de Todo-o-terreno.
Sendo assim, teria pela frente apenas as Lagoas de Chideguele, a praia de Xai-Xai e a praia do Bilene. Duas etapas depois, estaria em Maputo onde seria o “Fim” da minha viagem. Seria então altura para empacotar a trouxa, desta vez em caixotes (e não na bicicleta) e voltar a casa… à vida normal.
Era este, o que eu considerava ser o maior desafio da minha viagem. Ou seja o “Regresso à vida normal”. Não eram os dias no mato, os leões, os hipopótamos, as noites na tenda ou a roda da bicicleta… era simplesmente o “Regresso” e o “Depois…”.
Com o sindroma do final da viagem, vinham os pensamentos nostálgicos dos momentos vividos até então. A “caloirice” dos primeiros dias, ainda em Angola, os dias a pedalar no meio do mato, as pessoas que conheci ao longo de milhares de quilómetros e todos os problemas com a bicicleta.
Lembrava-me da razão que me fez embarcar nesta viagem, nos preparativos e nos dias passados a tentar colocar o meu projecto de pé. Agora, meio ano depois, encontrava-me a poucas centenas de quilómetros do final daquilo que considerava ter sido uma viagem de sonho.
Teria urgentemente que arrumar os pensamentos nostálgicos e concentrar-me nas próximas etapas. Possivelmente teria que dedicar algum do meu tempo a mentalizar-me que “encontrava-me no final da viagem” e que estaria na altura de aceitar os “novos desafios”, fossem eles qual fossem…
Continuava numa estrada plana, em bom estado e repleta de coqueiros em ambos os lados. O trânsito não era significativo apesar da proximidade à Capital do País, o que me permitia pedalar relativamente relaxado.
Pouco passavam das 11h00 quando a fome começou a marcar a sua presença dentro do meu estômago. Afinal de contas o meu pequeno-almoço composto por esparguete, um prego no pão, uma tosta de queijo e um galão, havia sido ingerido há 3 horas atrás.
Decidi acalmar a situação com algumas bolachas, desta vez de chocolate e não de coco, de modo a enganar o estômago e a fornecer alguma energia às minhas pernas.
Por todo o lado surgiam audazes “artistas” que queriam, a todo o custo, mostrar os seus dotes em cima de uns pedais.
Alguns mais humildes que outros, no entanto já não havia uma restrição quanto ao sexo, nem quanto à idade dos meus pseudo-oponentes.
Ao longo da estrada, proliferavam os vendedores de piripiri, com as suas bancas repletas de fracos e frasquinhos dos mais variados tamanhos e feitios.
O produto (leia-se o piripiri) de fabrico caseiro, depois de pilado e misturado com os devidos condimentos, era introduzido através de um processo manual em fracos usados dos mais diversos produtos. Desde pequenos frascos de café moído até às garrafas de azeite passando pelos frascos de compota.
Para atrair os compradores, os fracos eram deixados em prateleiras de fabrico artesanal ao longo da estrada. Na sua maioria… ao Sol… o que fazia-me duvidar (ligeiramente) sobre as verdadeiras características da mistura fabricada, no que respeita às consequências para o trânsito intestinal do consumidor.
Às 12h50 passei pelo entroncamento com a estrada para Zavora, um dos destinos tinha em mente até há uns dias atrás. Ainda fiquei tentado em abandonar o trajecto previsto para o dia e rumar em direcção a Zavora. No entanto, após algumas pedaladas a pensar no assunto decidi que não ia “voltar para trás”, voltar a percorrer os “500 metros” já percorridos e ficar condenado a pedalar 22Kms de areia e dunas. Teria que mentalizar-me que agora o caminho era para a Frente e que não valia a pena andar a inventar roteiros alternativos.
Iria seguir para o destino estipulado na noite anterior, ou seja Inharrime.
25 Minutos passados, avistei a Padaria do Viajante. O local ideal para forrar o estômago com alguma coisa.
Não sei o que me passou pela cabeça, mas o facto de ler “Cooperação Portuguesa” na parede da padaria, fez-me sonhar com uma vitrina apinhada de bolos e pasteis de todos os sabores. Ao fundo da parede certamente estariam umas estantes com todos os tipos de pão, quentinho… acabado de sair do forno.
Entrei na Padaria do Viajante a salivar de gulodice...
Dois minutos mais tarde, saía da Padaria do Viajante com um pão (papo-seco) na mão…
Não havia mais nada…
… Mais uma vez, a minha capacidade de criar expectativas havia me deixado ficar mal…
Peguei na bicicleta, com o estômago mal forrado e percorri os últimos quilómetros até Inharrime, onde cheguei 10 minutos depois. Eram as 13h20.
Entrei na povoação pela EN1. Percorri a estrada à procura de um lugar para passar a noite e parei junto de um edifício onde estava inscrito “Motel Inharrime”.
Perguntei a 2 indivíduos que estavam sentados na entrada do mesmo edifício, onde eu poderia passar a noite. Ambos me responderam que não sabiam.
Voltei a perguntar a mesma coisa mas usando outras palavras mais objectivas – Pensão? Onde?
Tornaram a responder que não havia.
Com os nervos quase a rebentar, perguntei-lhes se o local onde estavam sentados a beber uma cerveja, não era um “Motel”?!… e se não fosse um motel, onde é que eu podia encontrar outro lugar com quartos…
Responderam – Sim… tem quartos lá dentro…
Poucos segundos depois, vinha a saber que um dos meus informadores… era nem mais nem menos que o empregado do bar do “Motel Inharrime”…
Já dentro do motel, e após certificar-me que havia quartos livres, pedi para ver um dos quartos, uma vez que achei os preços ligeiramente inflacionados.
Percorri juntamente com o recepcionista, um labirinto de corredores por entre quartos improvisados, construídos nas traseiras do edifício principal. A falta de arejamento fazia com que os quartos permanecessem húmidos, bolorentos e com as condições propícias para existir uma colónia de mosquitos, em cada um deles.
Apesar dos standards dos quartos estarem dentro dos meus níveis, achei que ainda teria tempo para procurar algo igualmente barato e com melhores condições de”arejamento”.
Percorri um par de quilómetros para Norte (em direcção oposta à minha) onde avistara um placard com indicação da “Jolly Rogers Lodge”.
À chegada deparei-me com um lugar bastante calmo, com a recepção/restaurante no centro do terreno e rodeado de extensos relvados. Os quartos, eram blocos pré-fabricados espalhados um pouco por todo o lado e que tornavam o espaço atraente para um resto de tarde em repouso.
Apresentei-me à gerência da Jolly Rogers Lodge (um simpático casal de Sul-Africanos) que prontamente arranjou-me um quarto para pernoitar, a preços mais convidativos que os do Motel Inharrime.
Os quartos, completamente feitos em contraplacado e madeira, eram de uma construção muito simples e básica, aparentando terem já alguns anos de “vida”. Contudo para mim estava perfeito. Tanto os quartos, como todo o espaço em si.
O único “senão” era o facto de o restaurante fechar as portas às 19h00, o que obrigava-me a escolher o jantar antes da hora de encerramento e depois leva-lo numa marmita de esferovite para o quarto, onde poderia deliciar-me à hora que eu desejasse. Assim como uma geleira com bebidas à consignação… para o caso de eu ter sede durante a noite.
De Inhambane até Inharrime percorrera 93Kms em 4h39m, contando com 18 minutos de paragens “técnicas”.
Contava neste momento com 160 dias e 7.730Kms percorridos desde a minha saída de Luanda,
A próxima etapa seria até Chideguele, a cerca de 110Kms do local onde me encontrava e a 360Kms de Maputo.
Abraço forte e Parabéns pela realização de tão fantástica aventura.
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