Moçambique Fase III (Inharrime – Chidenguele)

Despertei cedo tal como era hábito e preparei-me para mais uma etapa, desta vez até Chidenguele, cerca de 110Kms a Sul de Inharrine.

Depois de um pequeno-almoço, do qual devorei tudo o que puseram na mesa, despedi-me da equipa da Jolly Rogers Lodge e fiz-me à estrada. Eram as 8h00.

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Calculava que os quilómetros até Chidengule ocupassem cerca de 6 horas do meu dia. Não era das etapas mais longas, nem era das etapas mais curtas… eram simplesmente 110Kms que teriam que ser percorridos, ainda mais que a bicicleta parecia recuperada do mal que fustigava a sua roda traseira, raios e pneus. Agora só tinha que me preocupar com todo o sistema de corrente e carretos, que voltavam a acusar o elevado desgaste, mesmo depois das “limadelas” do Artur Tinoco para refazer os dentes das cremalheiras.

Iniciei a etapa debaixo de um Sol radioso e prometedor. No entanto este não quis fazer-me companhia por muito tempo, pois alguns minutos mais tarde, já se encontrava escondido atrás de umas nuvens de baixa opacidade, aparentado não querer mostrar-se tão cedo.

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Em poucos quilómetros de jornada, voltavam a aparecer os inoportunos sinais verdes relembrando-me constantemente dos ínfimos quilómetros que restavam até Maputo. Encontrava-me a 378Kms do fim da minha viagem, o que poderia ser traduzido em 3 a 4 dias com os pés nos pedais. Já não havia muitas escapatórias para passar mais uns dias em cima da bicicleta…

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Segui viagem por uma estrada em bom estado, entre palmeiras, coqueiros e outras árvores que aguardavam o início da época das chuvas depois de uns meses sem a rega devida.

O vento começou a fazer das suas, ainda cedo. Soprava cada vez mais forte, por vezes com rajadas, fazendo parecer que um temporal se aproximava. Em simultâneo o céu ficava progressivamente mais escuro, mas nada alarmante. O Dia ainda era de dia, não havendo na minha visão panorâmica, nenhuma nuvem que o pudesse transformar em noite.

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Aos poucos a minha preocupação deixou de ser as condições meteorológicas, para passar a ser as condições das minhas engrenagens e da minha corrente.

Mesmo pedalando em tripla, a corrente começava (novamente) a saltar sempre que impunha um pouco mais de ritmo nos pedais. Estava completamente proibido de aplicar binário no centro pedaleiro, correndo o risco de arrancar o que restava dos dentes da cremalheira maior.

Uma vez que o prato do meio (2ª cremalheira) estava feito num disco, cada vez que surgia uma ligeira subida, eu era obrigado a passar de tripla para primeira.

De modo a compensar a desmultiplicação, tinha que alongar a relação com os carretos traseiros, submetendo a corrente a um trabalho cruzado entre engrenagens. Uma prática a evitar em qualquer bicicleta, era óbvio. Contudo no estado lastimoso em que tinha a minha corrente estava após 7.750Kms, esta conseguia funcionar mesmo que os carretos fizessem um ângulo de 90º entre eles. O importante era que os dentes das engrenagens aguentassem até ao final da viagem.

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45Kms depois de Inhambane cheguei a Quissico, uma localidade famosa pelas suas lagoas. Infelizmente, escolhera mal o dia para visitar e apreciar as lagoas, pois o tempo ficara encoberto, tornando a paisagem cinzenta e sem o esplendor merecido. Mesmo assim decidi parar a marcha para contemplar a tranquilidade que as lagoas proporcionavam. Para isso bastava abstrair-me da (normal) inquietude da povoação de Quissico, que se situava mesmo nas minhas costas.

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Poucos minutos depois, retomei a etapa… para encontrar o meu “amigo” verde…

Pedalava há 3h20m sem parar e sem comer. Havia pedalado pouco mais de metade da distância até Chidenguele e considerei que estaria na altura de repor os meus níveis energéticos, mesmo quando não sentia ponta de fome ou de fraqueza.

Parei numas bancas mesmo à saída de Quissico, onde comprei alguma fruta. Desta vez acrescentava uns citrinos à minha “dieta”, que a além de bananas e Coca-Cola, contava agora com tangerinas.

Reiniciei a pedalada (mais uma vez) com o propósito de chegar a Chidenguele cedo.

O céu estava cada vez mais cinzento e o vento cada vez mais forte. Contrariamente a outros dias semelhantes, estes fenómenos naturais não estavam a afectar o meu andamento.

 

As pernas não apresentavam sinais de cansaço e a moral estava…

… bem… a moral estava simplesmente a saborear os últimos dias de viagem e não se encontrava disponível para insultar as condições meteorológicas…

Pouco depois começou a “morrinhar”, baixando consideravelmente a temperatura ambiente. Não me importei com tal facto. Continuei a pedalar, certificando-me ocasionalmente se a mala frontal e os alforges traseiros, estavam ou não a deixar passar água para o seu interior.

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Entre cacimbo, morrinha, chuviscos, chuva molha-tolos ou chuva leve… fui ficando completamente ensopado. Foi quando achei por bem que deveria parar e aplicar as capas impermeáveis nos alforges e em mim mesmo.

Outrora, eu estaria a rogar pragas pelo facto de estar a chover em plena época seca. Obrigando-me a parar debaixo de uma árvore e a passar 10 minutos a tentar aplicar as capas amarelas nos alforges.

Agora, já não me chateava com isso… era apenas mais uma molha e muito possivelmente, a última até Maputo.

Após os 10 minutos da praxe dedicados a proteger as malas com as capas impermeáveis, ao mesmo tempo que segurava numa bicicleta de 40Kgs com o canto do ombro… eis que parou de chover!

Imediatamente lembrei-me dos tempos de Angola, em que por pouco não arranquei as capas à dentada, quando ocorreu um episódio similar.

Desta vez, deixei estar… a minha tensão não subiu nem uma décima percentual.

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Verifiquei se estava tudo em ordem com os impermeáveis que acabara de aplicar e continuei viagem, sem me preocupar em vestir o meu impermeável.

 

 

O cheiro a terra molhada misturado com o odor emanado pela evaporação da água no alcatrão, invadia-me as narinas puxando para a flor da pele, várias recordações das fortes chuvada que enfrentara no interior Angolano.

Todavia, este era um momento de curta duração pois começava novamente a chover e desta fez com maior intensidade que alguns minutos atrás.

Pouco depois entrei numa parte da estrada que estava em bastante mau estado, apesar se ser alcatroada. As bermas desapareceram por completo e as vias de rodagem mal davam para dois veículos se cruzarem. O troço da estrada parecia estar em reparação, contudo não avistava vivalma a trabalhar, possivelmente estariam na sua hora do almoço.

Os motoristas que partilhavam a mesma via comigo, pareciam não se importar com a minha existência. Muitos passavam tangentes às minhas pernas de tal modo que não cabia um pêlo de um gato.

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Às 14h20 cheguei a Chidenguele.

Olhei à minha volta mas não encontrei praticamente nada. Apenas um estádio de futebol com várias barraquinhas nas imediações.

Possivelmente não estaria no centro da Vila. Talvez este fosse algures afastado da Estrada Nacional Nº1. Sabia que Chidenguele era relativamente famosa pelas suas lagoas e praias. Também sabia que nas praias haveria alojamento… mas era mais que certo que era um alojamento fora do meu orçamento.

Sondei a área à volta do estádio de futebol à procura de uma porta aberta, mas nada. De repente avisto uma placa publicitária de uma pensão a poucos quilómetros do estádio. Bastava seguir a estrada de areia que iria desaguar na praia.

 

Pouco depois encontrava-me à porta da N’Kwazi Lodge. Uma pensão com ar simpático, nas margens de uma das lagoas de Chidenguele e situada a uns 3Kms das praias.

Decidi entrar na pensão, pois não me apetecia afastar da EN1, ainda mais sabendo que a continuação da estrada seria de areia.

A pensão tinha óptimas condições e uma paisagem tranquilizadora (mesmo com o tempo completamente encoberto), que adicionado a uns minutos de conversa com o gerente fez com que eu decidisse em pernoitar naquela local… afinal uma noite, não são noites… e eu podia dar um bocadinho de conforto ao meu corpo.

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De Inharrime a Chidenguele percorrera 113Kms em 6h55m, onde 52 minutos foram passados à velocidade zero.

Neste momento, encontrava-me a 64Kms da cidade de Xai-Xai. Restava-me saber se optaria por seguir para o centro da cidade ou se virava para a praia com o mesmo nome… seria uma questão de analisar as condições meteorológicas, na manhã seguinte.

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